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Reflexões sobre o currículo da EJA na perspectiva da Educação Matemática
Adriano Vargas Freitas
Doutor em Educação Matemática (PUC-SP), especialista em Ensino de Matemática (UFRJ)
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino da Educação Básica em nosso país que atende a uma expressiva população de estudantes com características muito peculiares, dentre elas o fato de pertencerem a grupos que vivem simultaneamente em situação de exploração socioeconômica e de discriminação cultural-valorativa, o que podemos analisar que significa que enfrentam cotidianamente diversas formas de injustiça, inclusive o desrespeito quanto aos seus valores culturais.
O grande contingente desses brasileiros é expresso em números provenientes de diversas pesquisas, tais como o Censo Escolar Brasileiro da Educação Básica, realizado pelo Inep, que, em 2010, informava que aproximadamente 3.600.000 brasileiros encontravam-se matriculados em um curso orientado para EJA, na modalidade presencial, oferecida por escolas públicas ou particulares no Ensino Fundamental ou Médio.
Antes que o leitor fique eufórico com esse significativo quantitativo, ressaltamos que números provenientes de outras estatísticas mostram que ainda estamos longe de bons resultados. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, organizada pelo IBGE (2010), cerca de 14 milhões de brasileiros ainda são considerados analfabetos, dados que nos distanciam bastante do contexto latino-americano, pois países como a Argentina e o Chile apresentam taxas de analfabetismo consideradas apenas residuais, próximas de 3% da população.
A permanência dos estudantes nos bancos escolares dessa modalidade de ensino é, em geral, marcada por grandes tensões, tais como o dilema vivenciado pela EJA, de pretender oferecer a escolarização básica e ao mesmo tempo levantar expectativas de mudança no cotidiano de seus alunos, em especial na questão profissional. É comum ouvir de nossos alunos a percepção da importância da escola para sua ascensão social e econômica, porém, em conjunto, registramos também a indicação de certo distanciamento entre os currículos escolares transmitidos por ela e a sua vivência cotidiana.
Com o intuito de contribuir para a reflexão e o debate a respeito desses e outros grandes desafios da EJA em nosso país, apresentamos neste artigo um recorte de nossa pesquisa de doutorado em Educação Matemática (PUC-SP) em que elaboramos um panorama das pesquisas sobre currículos escolares direcionados para a EJA.
O que nos informam as pesquisas da EJA sobre currículos
Sob um olhar geral, podemos citar como grande ponto de convergência das produções selecionadas para nossa análise a crítica de que a prescrição prévia de um currículo para EJA acaba por desconsiderar as singularidades, as experiências de vida de seus alunos, seus saberes anteriores e as conexões que cada um estabelece entre os conhecimentos. Na perspectiva das especificidades da EJA, diversos autores denunciaram não fazer sentido pressupor um trajeto obrigatório e único para todos os alunos de EJA em seus diferentes processos e progressos de aprendizagem.
De forma geral, considera-se que os alunos de EJA buscam nas escolas muito mais do que instrução: buscam igualdade de oportunidades e formas de não exclusão. Esses alunos trabalhadores desenvolveram formas próprias de atribuir sentido às informações recebidas e estabelecer conexões delas com as informações anteriores.
Nessa perspectiva, não podemos considerar que a formação matemática na EJA aconteça fora de um contexto cultural, nem mesmo que seja absoluta, abstrata e universal, pois esta tem sido a grande causa dos fracassos de muitos estudantes nessa área de conhecimento.
Para aumentar a possibilidade de êxito dos alunos da EJA, as pesquisas apontam para o enfrentamento do desafio que envolve reconhecer o trabalho como princípio educativo nessa modalidade de ensino. Entretanto, não podemos admitir que a educação seja planejada e desenvolvida para atender apenas às necessidades identificadas no mercado de trabalho, tendo em vista, antes de tudo, os interesses da produção, pois esta prática colocaria esses alunos trabalhadores apenas como objetos da produção e do mercado de trabalho, o que se configuraria como uma opção contrária ao compromisso ético-político de resgatar a centralidade dos sujeitos no processo educativo.
Destaca-se também que devemos atentar para que o currículo escolar da EJA não reproduza simplesmente os currículos, métodos e materiais da educação infantojuvenil. Ele deve se apresentar mais flexível e menos compartimentalizado, reconhecendo processos de aprendizagem informais e formais, de modo que os estudantes possam obter novas aprendizagens e autodeterminem suas biografias educativas.
Nesse processo formativo, almeja-se a articulação da formação geral com a profissional, incorporando também formação política para a cidadania moderna, além de certos desafios éticos ou práticos da vida social contemporânea relacionados ao exercício da moderna cidadania, tais como o estudo dos novos meios tecnológicos de informação e comunicação.
Diversas pesquisas ressaltaram a crença e a esperança de ser possível termos uma escola que se preocupe em desenvolver e implementar um currículo da área de matemática que leve de fato o aluno a perceber que vale a pena ampliar sua gama de conhecimentos, porque notaria que eles estão relacionados, de alguma forma, à sua realidade, nas diferentes dimensões (social, política, cultural etc.).
Entretanto, constatamos que grande parte dos estudos em EJA é ainda bastante dispersa e com defesas vagas por demais, como as relacionadas à defesa de que alguns conteúdos formais clássicos devem ser substituídos por outros que possam contribuir melhor para esses objetivos e que o distanciamento do “saber enciclopédico” não deve significar minimização ou facilitação de conteúdos, mas sim uma adequação consistente de conteúdos vinculados ao “mundo da vida”.
Resta-nos destacar a importância na promoção de espaços de diálogo e estudo que funcionem como formação continuada para os profissionais ligado à EJA, como forma de capacitá-los para fazerem melhores escolhas quanto à definição dos conhecimentos que entrariam na composição do currículo escolar. Esse alerta é importante, pois muitas vezes, na EJA, atribui-se equivocadamente (e exclusivamente) ao aluno a resposta à pergunta “o que vamos estudar?”.
Publicado em 14 de maio de 2013
Publicado em 14 de maio de 2013
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