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Didática e Prática de Ensino: o que dizem os PCN sobre a Prática Docente de Língua Portuguesa?

Silvio Profirio da Silva

Graduando em Letras (UFRPE)

A didática, consoante Libâneo (2008), consiste em uma atividade de cunho de mediação entre os objetivos de ensino e os conteúdos do ensino, abrangendo, assim, os mais diversos componentes dos processos de ensino e de aprendizagem. Todos esses componentes aparecem nos mais recentes documentos oficiais que norteiam/orientam o processo de escolarização brasileiro (Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, Orientações Curriculares Nacionais - OCN etc.). Os PCN focam nos objetivos, na organização dos conteúdos, nos processos avaliativos e nas práticas de ensino, ou seja, remetendo à Didática.

No que concerne aos objetivos, um dos primeiros aspectos abordados na introdução desse documento oficial diz respeito ao fato de o foco da formação do discente estar diretamente voltada para a prática da cidadania. Outro aspecto abordado diz respeito à autonomia do aluno. Esta assume duas perspectivas intimamente relacionadas. A primeira tem como objetivo levar o aluno a pensar em uma perspectiva de cunho político, levando-o a refletir, a analisar, a avaliar e, sobretudo, a se posicionar criticamente em face dos mais diversos contextos. A segunda perspectiva assumida pela autonomia atribui ao aluno um papel ativo na construção da aprendizagem e na construção social do conhecimento. Outro aspecto abordado (ainda no âmbito dos objetivos) diz respeito ao fato de esse documento ter como pretensão levar o docente a refletir e a repensar sua prática pedagógica. Para tanto, ele é estimulado a rever sua postura, focando sobretudo nos seus objetivos, nos conteúdos a serem abordados/trabalhados, no enfoque/tratamento dado a esses conteúdos, na forma como ele avalia a construção do conhecimento do aluno etc. Outro aspecto abordado (ainda na dimensão dos objetivos) tange a uma perspectiva de equidade de acessos, por meio da qual o discente, independente de sua origem e cultura, tenha acesso aos bancos escolares e, sobretudo, aos bens de cunho coletivo. Para isso, os PCN levam em conta a diversidade em suas inúmeras formas (cultural, étnica, linguística, religiosa, sexual etc.).

O primeiro aspecto abordado dos conteúdos diz respeito à concepção de conhecimento (acabado x ressignificado). Os PCN trazem à tona uma concepção de construção do conhecimento inacabada, isto é, algo que está sempre em construção. À luz dessa concepção, o conhecimento é alçado à condição de algo provisório, remetendo assim à reconstrução e, por conseguinte, ao conceito de conhecimento ressignificado. Esse documento oficial também faz menção ao conhecimento acabado, proveniente de modelos teóricos tradicionais de ensino, que preconizavam um conhecimento imediato e permanente. Outro aspecto abordado concerne à contemporaneidade dos conteúdos abordados. Devem fazer parte dos conteúdos escolares as temáticas recentes e relevantes para a formação do aluno. Outro aspecto tratado diz respeito à abordagem dos conteúdos (reprodução de conteúdos x atribuição de sentidos aos conteúdos). Os PCN trazem um tratamento inovador à abordagem dos conteúdos, preconizando a atribuição de sentidos e a construção de significados em face dos conteúdos. Essa postura se opõe à perspectiva tradicional de ensino, pela qual os processos de ensino e de aprendizagem se baseavam na recepção mecânica de conteúdos, na memorização e, em especial, na reprodução.

Outro aspecto abordado refere-se ao enfoque e ao tratamento dado às temáticas/problemáticas sociais. Os PCN preconizam uma abordagem transversal e, principalmente, de cunho interdisciplinar. Com isso, eles pretendem extinguir a visão de desarticulação e separação entre os componentes curriculares do processo de escolarização, estabelecendo assim a articulação e o contato entre tais componentes, o que, por sua vez, contribui para a construção conjunta do conhecimento. Entretanto, essa perspectiva interdisciplinar não se limita à junção de disciplinas de um dado sistema formal de ensino; abrange, sobretudo, a utilização dos saberes provenientes dessa junção nas práticas corriqueiras do dia a dia. Em outras palavras: propõe a aplicação dos saberes na realidade social circundante. Atrelados a isso, os PCN trazem à tona as discussões atinentes aos temas transversais (a diversidade cultural, étnica, linguística, religiosa e sexual, direitos humanos e cidadania, questão ambiental, política, ética, trabalho, consumismo etc.). Esse documento oficial preconiza a abordagem dessas temáticas com o propósito de levar o aluno a refletir acerca de questões de cunho social, contribuindo, assim, para sua formação.

No tocante às orientações didáticas, os PCN preconizam que o professor passe a ser considerado mediador na construção social do conhecimento do aluno. Essa nova concepção da função docente surge em contraposição à postura preconizada pelos modelos teóricos tradicionais, pelos quais o professor era concebido como centro dos processos de ensino e de aprendizagem. Com isso, o ensino focava no docente, estando o discente limitado a um papel passivo, que se restringia à recepção/reprodução mecânica de conteúdos. Outro aspecto abordado refere-se à avaliação, a qual, com base nos PCN, está diretamente vinculada à qualidade social da educação, buscando melhorias para os processos de ensino e de aprendizagem. O último aspecto abordado tange aos Recursos Didáticos. Os PCN preconizam a utilização de uma gama de recursos didáticos, isto é, a diversidade e a multiplicidade de linguagens. Dentro desse contexto, esse documento oficial se volta para uma perspectiva de diversidade de recursos didáticos, sugerindo o uso de múltiplas linguagens nos processos de ensino e de aprendizagem, como charges, cinema, histórias em quadrinhos (HQs), jogos, jornais, literatura de cordel, redes sociais (Facebook, MSN, Orkut etc.), revistas, tirinhas etc. (GOMES; NASCIMENTO NETO, 2009). Isso representa a inserção estratégias de ensino inovadoras para a construção social do conhecimento da criança.

O PCN sugere que o ensino de Língua Portuguesa passe a focar nos elementos: ensino (alçado à perspectiva de atividade sociointeracionista que ocorre por meio da mediação), a língua (alçada à perspectiva de diversidade, multiplicidade e plasticidade) e o aluno (sujeito do processo de ensino e de aprendizagem). O ensino de língua passa a primar pela perspectiva de formar um falante competente, que consiga utilizar as mais diversas modalidades da língua.

O aspecto que se destaca nos PCN diz respeito ao fato de o ensino de Língua Portuguesa passar a conceder primazia aos eixos/níveis de ensino de língua portuguesa (leitura, produção de texto, oralidade e análise linguística). Partindo desse pressuposto, é atribuído ao texto o papel de unidade/objeto de ensino (BRASIL, 1997; CARDOSO, 2003; CEREJA, 2002; SANTOS et al, 2006; SANTOS, 2007). Essa postura surge em contraposição à prática de ensino que priorizava uma perspectiva aditiva (BRASIL, 1997), focando na adição/junção de letras, sílabas e frases com o propósito de chegar ao texto.

No que diz respeito à leitura, os PCN de Língua Portuguesa preconizam a formação de leitores competentes, que consigam construir significados a partir de diferentes gêneros textuais. Para isso, os PCN preconizam uma abordagem que articula a leitura e a escrita, dando a estas o papel de atividades articuladas e complementares. Com base nos PCN, é atribuído à leitura o papel de atividade de construção e elaboração de sentido (KOCH, 2002; KOCH; ELIAS, 2006). Essa posição surge com a pretensão de se opor à prática da leitura como decodificação. Nessa nova perspectiva, o documento oficial orienta vários tipos de leitura (silenciosa, em voz alta, individual, em conjunto etc.) e o desenvolvimento de diversas atividades relacionadas a essa competência linguística, tais como: projetos de leitura, atividades sequenciadas etc.

Quanto à produção de texto, os PCN orientam a articulação entre a leitura e a escrita para a promoção de atividades didáticas. A leitura, com base nos PCN (1997), fornece subsídios para a linguagem escrita. Ora fornecendo argumentos (isto é, o que escrever (BRASIL, 1997)), ora modelos de referência (ou seja, como escrever (BRASIL, 1997)), remetendo, assim, à intertextualidade. Com isso, os PCN têm como objetivo formar escritores competentes.

No que se refere à oralidade, os PCN primam pela formação de falantes competentes, que saibam utilizar as mais diversas modalidades da linguagem oral – forma e informal. Isso, de acordo com a situação comunicativa. Para tanto, o documento propõe a abordagem de atividades, que foquem na fala, na escura e na reflexão linguística. Destaca-se, sobretudo, o fato de os PCN trazerem consigo uma concepção de oralidade de cunho sociointeracionista, opondo-se veementemente à concepção dicotômica em face da escrita. Os PCN assumem, então, uma postura de equidade nos espaços e tratamentos dados a essas competências linguísticas.

No tocante à análise linguística, os PCN preconizam a utilização do texto como unidade de sentido, a fim de levar os discentes a refletir acerca da língua e dos mais diversos recursos linguísticos. Destaca-se, sobretudo, a utilização dos gêneros textuais como suporte didático na prática pedagógica, focando suas particularidades e especificidades. Isso possibilita que o aluno compreenda o funcionamento desses gêneros de texto presentes nas práticas corriqueiras do dia a dia.

Nesse sentido, percebe-se que os PCN, no tocante à prática docente do ensino de Língua Portuguesa, trazem consigo as marcas e os traços dos mais recentes estudos das Ciências da Educação (Pedagogia), Ciências da Linguagem (Linguística) e das Ciências Psicológicas (Psicologia), rompendo com as práticas tradicionais de escolarização, que preconizavam a ênfase dada às nomenclaturas da gramática normativa. Esses estudos, no dizer de Albuquerque (2006) e Albuquerque et al (2008), emergem nos anos 80, trazendo à tona uma gama de teorias que almejam promulgar mudanças substanciais nas práticas pedagógicas presentes no processo de escolarização brasileiro.

Referências

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Publicado em 21 de maio de 2013

Publicado em 21 de maio de 2013

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