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Preconceitos implícitos e o direito às cotas

Mariana Cruz

Capa do livro

As ações afirmativas voltadas para os negros que entram nas universidades pelo sistema de cotas ainda geram intensos debates. Muitos são contra a política das cotas. Alegam que elas são paternalistas. Tais pessoas esquecem o caminho tortuoso que há séculos os negros são obrigados a percorrer. A abolição não tem 130 anos, o que historicamente é um período muito curto.

As cotas são formas de reparar tais injustiças. Como ser contra elas se ainda hoje, 125 anos depois da Lei Áurea, os negros ainda são vítimas de preconceito? Não só em episódios pontuais, como o caso recente ocorrido em Brasília, quando uma menina apanhou na rua por ser negra, mas até no posicionamento daqueles que dizem não ter preconceito (mas que não gostariam que um filho seu se casasse com uma negra)...

No próprio discurso cotidiano vemos que até os mais bem intencionados não se dão conta de que muitas vezes reproduzem o preconceito com expressões aparentemente inofensivas, como quando querem elogiar a beleza de uma negra e dizem “ela é uma negra linda”. Por que simplesmente não dizer “ela é linda”? Por que quando se fala uma branca linda não ouvimos dizer “branca linda”? Parece até que é uma condição adversa, como se disséssemos que, apesar de ser negra, ela é linda (da mesma forma que, ao elogiar a beleza de uma pessoa gorda, diz-se “ela é gorda, mas é linda”). As palavras nos traem, muitas vezes deixam escapar um preconceito que jamais pensamos ter. Recentemente, em um jornal, o colunista cheio de boas intenções colocou a foto de quatro negras destacando a beleza das divas. O deslize ficou por conta do título da matéria: “Beleza morena”, quando não havia uma única morena nas imagens. Não raro, os próprios negros têm receio de serem chamados de negros, e usam palavras como “moreninho” ou “escurinho” para amenizar, como se o termo “negro” fosse pejorativo.

É importante que os negros, a quem historicamente sempre foram reservados os piores empregos, salários e tratamentos, saiam dessa condição e vejam isso não como um favor, mas como um direito. Como em uma entrevista que vi outro dia, com uma economista negra brasileira que mora nos Estados Unidos. Ela dizia que para ela ter conseguido “chegar aonde chegou” teve de estar muito à frente dos outros, e vê que é o que ocorre com os negros, de forma geral. Eles, para conseguir um bom emprego, têm que estar muito acima das expectativas, ser os melhores da turma e nem assim têm a garantia de que serão bem-sucedidos no futuro. O que ela lamenta, pois desejaria que fosse dado aos negros o direito de simplesmente estar dentro da média para conseguir boas oportunidades. Daí a importância da política das cotas nos dias de hoje.

Para se aprofundar mais nesse tema, a dica é ler o livro do professor Reinaldo da Silva Guimarães Afrocidadanização (Selo Negro), no qual ele mostra “a trajetória de vida dos universitários provenientes dos pré-vestibulares comunitários e populares em rede que foram beneficiados com as ações afirmativas da PUC-Rio depois de sua graduação”. Lá estão relatados os diversos obstáculos a serem vencidos pelos negros em relação ao mercado de trabalho, mesmo tendo superado “a histórica barreira da formação acadêmica pelos negros brasileiros”.

E não esqueça: quando encontrar uma negra cuja beleza te encante, diga simplesmente que ela é “linda”.

Publicado em 21/05/2013

Publicado em 21 de maio de 2013

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