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A gestão das informações sobre jovens: relato de experiência em Pernambuco
Romero Maia
Analista de informações estatísticas (IBGE); pós-graduado em Ciência Política
Uma das maiores frustrações para um pesquisador das Ciências Sociais é não poder usufruir das condições de um laboratório para observar seus objetos de estudo sem que isso prejudique a validade de suas conclusões. Há, contudo, algumas poucas situações nas quais o pesquisador se vê diante de uma espécie de laboratório social e tem a oportunidade de observar bem de perto, calma e sistematicamente, o comportamento espontâneo de todos os elementos que compõem o fenômeno de seu interesse.
Existem duas formas de isso acontecer: o pesquisador deve estar no lugar certo, na hora certa e pronto para fazer seus registros. Uma coincidência espaço-temporal privilegiada, cuja probabilidade aumenta com a amplitude do período de observação do fenômeno. Alternativamente, precisa, ele mesmo, fazer parte do processo estudado, mas com a condição de que sua presença não cause distorções no sentido da ação de seu objeto, o chamado Efeito Hawthorne.
Ambas as formas contam bastante com a sorte. Normalmente é a persistência do cientista que cria o ensejo para ele ser agraciado pelo desenrolar dos acontecimentos. A experiência de trabalho na recente Secretaria Especial de Juventude e Emprego (SEJE) de Pernambuco favoreceu esse arranjo vantajoso do acaso. No ano de 2008, a nossa integração à equipe de trabalho fora comparável ao etnólogo que recebera um convite de integração ao grupo indígena sobre o qual se debruça. Com um detalhe: ao aportar na região, verificou que nenhum índio enxergava sua alteridade, embora ainda estivesse munido de seu olhar antropológico.
Antes de passar para o relato propriamente dito, é importante pontuar que, no campo de atuação das políticas públicas, o elemento fundamental de análise é a informação. Logo, o recorte deste artigo está circunscrito ao que fora difundido na comunicação interna e externa da secretaria e às ações engendradas pelo processo comunicativo no âmbito da gestão pública.
Deve ficar clara, da mesma forma, a diferenciação básica entre dado, informação e conhecimento. Dado é a primeira instância de qualquer fenômeno, a parte mais elementar pela qual ele é capitado pela consciência. Quando, através do esforço de compreensão, dá-se um sentido a um conjunto de dados desagregados, cria-se informação. Essa informação, por sua vez, pode implicar ações humanas e modificar atitudes. Acontecendo isso, tem-se conhecimento e, consequentemente, uma experiência de aprendizado (ANGELONI et al., 2009).
Histórico
Trataremos aqui da institucionalização do principal canal governamental de discussão e produção de conhecimento da política pública de juventude (PPJ) em Pernambuco: o Comitê Intersetorial de Políticas Públicas de Juventude de Pernambuco (CIJ). A PPJ no estado deu seu primeiro passo com a vinculação da SEJE, em 27 de fevereiro de 2007. Antes disso havia iniciativas tangenciais que resultavam da soma de projetos de três secretarias: Educação e Cultura; Desenvolvimento Social e Cidadania; e Desenvolvimento Econômico, Turismo e Esportes. Esses projetos não dispunham de espaço para integração de objetivos e seus públicos-alvos eram fragmentados. Tomavam por juventude uma faixa que abarcava de crianças até pessoas com 21 anos, no máximo. Não é necessário traçar aqui toda a história das diferenças conceituais que marcam a ação estatal orientada para a juventude, mas indicamos que, a contar da última década, podemos verificar uma evolução qualitativa.
A partir de 2007, houve a decisão de iniciar a institucionalização do tema no âmbito do governo estadual. Ocorreu de imediato a necessidade de qualificar o debate. Muitos estudiosos atuantes em organizações da sociedade civil já estavam presentes desde o início na construção política. Mas o afã de trabalhar precisamente sobre as questões cruciais da atualidade fez os primeiros membros da SEJE estabeleceram contato com pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), contato cujo desenvolvimento e desenlace exponho aqui, de memória e acompanhado de alguns documentos, reminiscências de minha própria experiência e crítica, até o ano 2010.
A necessidade e crítica dos indicadores
A SEJE iniciou os trabalhos com um objetivo estratégico bem determinado: implantar e aperfeiçoar políticas que, independente da Secretaria à qual estivessem vinculadas, fossem capazes de melhorar os principais indicadores de qualidade de vida da juventude, especialmente os que compõem o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ). O IDJ é sintético e especialmente útil por propiciar a comparação com outros estados da federação. Resulta da média aritmética de escores avaliativos referentes a três dimensões básicas de bem-estar, inspiradas no IDH: educação, saúde e renda. Seus dados provêm de três fontes secundárias, resultantes de pesquisas de âmbito nacional: prova do SAEB, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e o Sistema de Informações de Mortalidade. Essa característica garante a padronização dos dados e métodos para todos os estados do Brasil. Além disso, as fontes são atualizadas periodicamente, permitindo a construção de séries temporais e estudos de tendência.
O IDJ fora estabelecido como o índice-base da PPJ. Todavia, no processo de formulação da política, outros elementos bastante caros à qualidade de vida na juventude foram discutidos. Elementos que não compõem o rol de indicadores do IDJ, mas, na prática, coexistem cravejados em cada um deles. Participação na esfera pública, direito a práticas esportivas regulares e acesso a atividades culturais são alguns exemplos de pontos acrescidos ao debate. Isso não quer dizer que se operou de imediato uma superação do IDJ. Porém, havia a noção de que ele é uma referência provisória da gestão.
É sensato perceber que, como qualquer índice que tenta traduzir uma realidade mais ampla, social, relativa ao bem-estar, o IDJ não poderia ser autossuficiente. Todo processo de mensuração da realidade social usado para orientar a ação política traz consigo um caráter normativo, isto é, parte de um juízo de valor sobre o que é melhor para determinado público-alvo (CARLEY, 1985). Poderíamos cometer um erro acerca da qualidade de vida da juventude se deduzíssemos, por exemplo, o bem-estar a partir da igualdade entre o nível esperado e o observado do indicador escolarização adequada do IDJ.
É comum ouvirmos o discurso da educação como remédio para todos os males. Entretanto, num ambiente com forte inflação de diplomas, pode acontecer um choque entre o status almejado e o possível de se adquirir ante as oportunidades de trabalho. Trata-se de uma frustração que incide diretamente sobre o bem-estar. Assim, mesmo se esses jovens diplomados estivessem diante de oportunidades de trabalho, é bastante provável que grande parte se sentisse subaproveitada, ainda que vivesse com nível de renda considerado satisfatório pelos indicadores (no IDJ, renda familiar per capita) e estando menos exposta a situações perigosas à vida (no IDJ, mortalidade por causas externas).
O imenso contingente de jovens de classe média que, mesmo após a graduação, continuam dependendo dos familiares para dispor de tempo de preparação para concursos públicos é um exemplo corriqueiro. Outro exemplo de desemprego por opção pode ser observado a partir do estudo de Pochmann sobre desemprego na cidade de São Paulo (POCHMANN, 2004). Ele identificou que 22% dos que se graduaram entre 1992 e 2002 estavam fora do mercado de trabalho e não procuravam emprego.
Por outro lado, o alto custo de oportunidade de se manter apenas estudante conduz esse jovem ao emprego frustrante. De acordo com o mesmo estudo, 8% dos que estavam empregados exerciam atividades abaixo de sua qualificação. São jovens que, apesar do diploma, acabam empregados como açougueiros e empregados na indústria alimentícia (19,1%); droguistas, floristas, galinheiros, lenheiros, peixeiros e sorveteiros (17,8%); ou atendentes (12,6%).
O IDJ parte do pressuposto de que até os 24 anos o jovem não deve ingressar no mundo do trabalho. Esse ingresso rebaixaria a qualidade de vida da juventude, fase reservada à formação educacional básica e superior. Em contraste com tal convenção metodológica, verificou-se que os jovens entendem que sua qualidade de vida piora quando não podem ou não conseguem trabalhar (INSTITUTO, 2010). Assim, não há nada que legitime atribuição de menos pontos a uma situação em que o jovem concilia trabalho com estudos, quando comparada a outra situação em que o jovem só estuda.
Conclusões acerca da qualidade de vida podem incorrer em erro justamente porque presumem uma superposição das necessidades sobre as demandas de determinada população ou segmento. As necessidades são fundamentalmente derivadas de prognóstico, ex ante. As demandas são conhecimentos objetivos, descobertas por meio de observação factual, ex post. Conjugar essas duas dimensões num único indicador viável é algo complexo e, assim mesmo, provisório e restrito aos objetivos a que se preste.
Todo indicador é limitado pelo recorte que faz da realidade. É uma ferramenta de decisão política que nunca esgotará toda miríade de variáveis subjetivas e objetivas que poderiam definir exatamente a qualidade de vida de uma comunidade. Funcionam como pegadas. Observando-as, sabemos que alguém passou por determinado local á pouco tempo. Podemos até estimar sua altura. Mas jamais poderemos dizer qual era a cor da sua pele. A cor da pele, para seguirmos neste exemplo, seria indiscutivelmente um dado relevante se quiséssemos afirmar algo acerca da qualidade de vida dentro de uma sociedade racista.
O recorte feito pelo formulador é decorrente do método de elaboração do indicador, que, por sua vez, é orientado pelos objetivos para os quais se destina e pelas contingências às quais deve se adaptar para buscar ser exequível. Um exemplo de contingência é a ausência de dados que o formulador julga indispensáveis para que seu indicador de fato seja representativo de dada realidade social. Esses dados precisam mesmo ser passíveis de atualização periódica para possibilitar estudos de séries temporais. Também é bem relevante que os dados possam ser obtidos em vários territórios para fins de comparações espaciais.
No caso da juventude, é pertinente a inclusão de mais dados num índice de maior amplitude etária (até 29 anos) e que revele o estado da vivência juvenil em atividades culturais (notadamente artísticas e religiosas), de esporte e na participação sociopolítica. O estudo sobre a viabilidade de tal índice fazia parte do plano estratégico da Gerência de Articulação da SEJE. Todavia, havia o consenso de que o IDJ era o norteador mais importante para o sistema de PPJ em Pernambuco.
Trabalhando a intersetorialidade
O processo de formulação da agenda das PPJ em Pernambuco levou em conta também, e principalmente, os meios para garantir a qualidade da política. Passaram a compor o horizonte estratégico dos gestores a estruturação de um espaço de discussão intersetorial e a implantação de um Conselho Estadual de Políticas Públicas de Juventude (CEJ), reconhecido como fórum de deliberação. Esses mecanismos de gestão e de democracia participativa diminuem o risco de fragmentação e descontinuidade, promovendo também alternativas de controle social e transparência.
A intersetorialidade, nesse caso, é um pré-requisito solicitado pela própria pluralidade de juventudes, afirmada tanto pela por parte da literatura especializada que entende as juventudes como uma construção social (MAIA, 2010) quanto pela produção da sociedade civil organizada que assume o jovem como um sujeito de direitos (CONSELHO, 2006). A eficácia da ação do Estado nas PPJ está na relação direta da integração de suas linhas de ação distribuídas pelas suas diversas pastas (ALBUQUERQUE, 2009). Falar de PPJ é, portanto, estabelecer um esforço de concertação governamental face ao discernimento do que é especificamente relacionado à juventude e de como os problemas sociais se apresentam para essa faixa etária. Com efeito, a instauração de um conselho responde à demanda por reconhecimento dos jovens como protagonistas e ao no esforço de afirmação da cidadania por meio do controle social e da participação no processo decisório. Instituir um conselho é consolidar a priorização de um tema na agenda de formulação de políticas (RUA, 1999); confere um lastro de legitimidade às PPJ que reflete a forte mobilização social em torno do tema e, não por outro motivo, garante a continuidade das ações exitosas como ações de Estado.
O CIJ, foco de debate aqui, foi instituído pelo Decreto nº 30.966/07, logo depois de concluído o Projeto Dialogando (GOVERNO, 2008), uma pesquisa de opinião feita especificamente para dar suporte às PPJ em Pernambuco, realizada em meados de 2007. Foram ouvidos cerca de 2.500 jovens em 167 municípios espalhados pelas 12 regiões de desenvolvimento (RD) de Pernambuco a respeito de quais deveriam ser as ações prioritárias do governo. De posse dos resultados dessa escuta inicial, o CIJ realizou sua primeira reunião, cuja pauta buscou trazer à baila os principais pontos do debate conceitual e da situação dos jovens no estado.
A necessidade de abrir o espaço de concertação intersetorial com divulgação de informações de perfil, situação da juventude e com elementos da literatura teórica acerca do tema, especialmente aquela ligada à Sociologia da Juventude, é um imperativo da composição diversificada de membros. Ansiava-se, a partir disso, qualificá-los para a participação ativa na elaboração do Plano Estadual de Políticas Públicas de Juventude (PEJ), que viria a ser o primeiro plano estadual de juventude do Brasil (Lei Estadual nº 13.608/08).
Secretaria Especial de Juventude e Emprego, Secretaria de Articulação Social, Secretaria de Defesa Social, Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária, Secretaria Especial de Esportes e Lazer, Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Secretaria Especial da Casa Civil, Secretaria Especial de Imprensa, Secretaria de Planejamento e Gestão, Secretaria de Educação, Secretaria de Turismo, Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Secretaria das Cidades, Secretaria Especial da Mulher, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente e Secretaria de Saúde.
O CIJ é composto por 16 secretarias e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). O critério para sua composição foi a afinidade da temática da pasta com o tema da juventude. Esperava-se que cada pasta já desenvolvesse pelo menos uma ação especifica ou diretamente relacionada ao público jovem, o que não necessariamente implica existência de PPJ na pasta. Mais adiante explicaremos as diferenças entre os tipos de ação. Deduz-se do exposto que o desafio inaugural do CIJ fora tornar o debate sobre PPJ algo familiar, de entendimento objetivo e claro para secretarias que, a princípio, não orientam seus trabalhos para as juventudes.
A gestão das informações
A coordenação natural desse processo coube à SEJE. A Secretaria era responsável por mobilizar, organizar estruturalmente o CIJ, formar seu núcleo de execução e, principalmente, coletar, analisar e difundir informações. Todas as informações relevantes, inclusive as oriundas da I Conferência Estadual de PPJ e das mais de 80 conferências municipais incitadas pela gestão, foram sistematizadas na Gerência de Articulação da SEJE e colocadas a serviço do seu aprimoramento, isto é, do aprimoramento das ações identificadas em cada secretaria-membro do CIJ.
O CIJ, portanto, foi um fórum privilegiado para potencializar o conhecimento institucional. Dentro das teorias de gestão da atualidade, temos que a maior parte do conhecimento necessário para garantir a sustentabilidade de um trabalho coletivo, seja de fins públicos ou privados, pode ser encontrada no seio da própria organização que os demanda (BEAL, 2004). Falar em sustentabilidade já inclui, numa perspectiva mais ampla, os ideais de eficiência e eficácia. Entretanto, não são poucas as ocorrências de falhas nas organizações devido a erros na gestão do seu conhecimento.
O que a experiência de Pernambuco mostrou é que a sentença “conhece-te a ti mesmo” (aforismo que estaria escrito na entrada do Templo de Apolo, em Delfos, na Grécia Antiga) possui máxima importância também na implementação de políticas públicas. Passada a fase de familiarização dos membros do CIJ com as controversas da temática juvenil, a coordenação do CIJ iniciou uma ampla coleta de dados. Cada membro recebera um formulário com campos de respostas padronizadas, mas que também incluía algumas questões abertas. Com o conhecimento adquirido nas primeiras reuniões do CIJ, os membros já estavam aptos a identificar, no rol de ações planejadas naquele início de governo, quais poderiam ser consideradas de juventude.
No decorrer do recebimento das respostas, observaram-se alguns obstáculos metodológicos. Muitas vezes os membros não informavam ações de juventude. Em vez disso, incluíam programas que abarcavam a juventude em algumas de suas diversas ações. Era a dificuldade de ter os dados detalhados, da forma solicitada pela SEJE, que fazia os membros relatarem programas como um todo e não ações específicas. Ou seja, ao tentar recolher informações para integrar e aprimorar o sistema de juventude do governo, a SEJE ficou diante de um dos maiores impasses da gestão pública hoje: a desorganização que gera impossibilidade de que funcionários do Estado acessem rapidamente informações relevantes para a tomada de decisão. Além disso, os problemas típicos de uma pesquisa por formulário não deixaram de ocorrer: respostas imprecisas, campos em branco e devoluções fora do prazo acordado. Para superar esse último empecilho, foram agendadas reuniões bilaterais entre a SEJE e cada uma das secretarias-membros em pendência com o CIJ.
Todos os membros relatavam dificuldade de desagregar as informações disponíveis para o recorte específico de juventude. Um exemplo dessa dificuldade pode ser observado em relação ao programa Academia Cidadã. Sabe-se, por mero empirismo, que grande parte do público que frequenta as atividades de condicionamento físico é composta por jovens. Todavia, é inacessível ao gestor quanto do seu orçamento pode ser considerado recurso que beneficiou a juventude ou quantos são os jovens beneficiados entre todos os participantes regulares e esporádicos.
Vários programas e ações recebidos pela coordenação do CIJ geravam oportunidade de melhoria de qualidade de vida dos jovens, mas, da mesma forma, careciam de traços essenciais que os caracterizassem como uma PPJ. Para tanto, uma ação precisa pelo menos ser especificamente planejada para o segmento juvenil de determinado território. Com o recebimento dos formulários respondidos, as ações ou programas foram classificados pela coordenação em três tipos:
- Específicos: ações ou programas cujo objetivo se orienta apenas para os jovens (15 a 29 anos);
- Diretos: ações ou programas que têm os jovens como público prioritário, ainda que voltado também para outros segmentos;
- Indiretos: ações ou programas que promovem o bem-estar dos jovens, mas casualmente.
O critério utilizado para classificação se ateve estritamente às descrições das ações ou programas enviadas pelas secretarias-membros do CIJ.
Dos 74 programas ou ações catalogados, 27 foram classificados como específicos, 33 como diretos e 14 como indiretos. Por rigor, a análise se restringiu às 60 classificadas como específicas e diretas, executadas por apenas 12 secretarias. A SEJE trabalhou cerca de um ano para receber, discutir, tirar dúvidas, e tabular todas as informações recebidas.
Após essa áspera fase de coleta, começou a estruturação do banco de dados. A SE correlacionou cada um dos 74 programas/ações aos cinco eixos estratégicos do PEJ e pôde, assim, visualizar o quanto o conjunto se aproximava do que acabara de ser planejado. Havia, finalmente, a possibilidade de realizar um diagnóstico de como Pernambuco edificava seus alicerces para a melhoria da qualidade de vida da juventude. Ele foi feito e apresentado para o CIJ e para os conselheiros. Nele constaram: o total de ações para cada eixo do plano, por secretarias, pelo tipo (específico, direto e indireto), o total do investimento planejado até aquele momento, o custo médio por ação, o custo médio por jovem em Pernambuco, o impacto no orçamento geral de 2008 e a estimativa de oportunidades geradas.
Ciclos de monitoramento e avaliação
Para a formatação de uma estrutura de gestão de informações de PPJ na SEJE, foram formuladas rotinas de monitoramento e avaliação. Tal empresa representava um grande desafio, uma vez que continuaria a requerer um nível cada vez mais aprofundado de intersetorialidade, capaz de integrar os resultados de cerca de 60% das instâncias de execução do governo. Novamente, o CIJ desponta como a arena privilegiada para essa discussão, que envolve prazos conjugados, ajustamento do conjunto heterogêneo de intervenções ao objetivo estratégico da PPJ, definição de fluxo e atualização de informações, distribuição de competências intersetoriais em correspondência a um diagrama de responsabilização objetivo e direto, harmonização com os exercícios de controle e fiscalização efetuados pelo CEJ etc. Tudo isso ia requerer uma nova dinâmica de aprendizado institucional no CIJ.
Normalmente tais conceitos geram confusão tanto na diferenciação de seus significados quanto em sua aplicação. A correta compreensão exige alguns conhecimentos prévios sobre planejamento, mas aqui vamos apenas pontuar os elementos mais importantes. Além disso, os detalhes de qualquer método de que se dispuser para monitorar e avaliar as ações que compõem o sistema de PPJ do governo de Pernambuco deverão ser consensuados entre os membros do CIJ. Essa é uma exigência da natureza transversal das PPJ.
Cabe ao Comitê verificar o nível de intersetorialidade que pode potencializar as ações promotoras do bem-estar juvenil. Caso se verifique a necessidade de integrar ações ou dividir uma ação entre mais de um membro, cada um desses formatos fará mercê a um esquema diferente de monitoramento e avaliação. Os modelos de monitoramento e avaliação não ferem a autonomia dos gestores nem desmobilizam a hierarquia burocrática, posto que apenas visam à consecução eficiente dos objetivos acordados, dada a escassez de recursos. De toda sorte, todo o processo de monitoramento e avaliação foi partilhado, com o CIJ assumindo desde o início a construção dos modelos pertinentes.
O monitoramento está no nível operacional e não atribui notas. Não reprova nem aplica sanções. Monitorar é acima de tudo colaborar com o sucesso dos responsáveis por determinada ação, garantindo ao mesmo tempo sua transparência. Para tanto, os monitores, afinados com os fundamentos básicos da proposta de PPJ, servem como consultores que, pelo próprio trabalho de monitoramento, atingirão uma visão de conjunto privilegiada. Essa prerrogativa dos monitores é uma demanda da escala de intervenção estatal na realidade social. O trabalho de monitoramento é, portanto, extremamente caro à intersetorialidade e profundamente desafiador para os responsáveis por ele. Mas é, acima de tudo, muito útil para o coordenador da ação que está sendo monitorada. O monitoramento acompanha os resultados operacionais e táticos da ação.
A avaliação vem após o prazo para realização do objetivo estratégico planejado. Situa-se depois de várias sessões de monitoramento, inclusive sendo influenciada por elas. Vai além de uma simples prestação de contas. Lida com custos econômicos, contábeis, aferição de impacto, retorno e com indicadores de bem-estar. Abrange mais informações relevantes, como número de beneficiários, orçamento, territorialidade, objetivo, prazos, eventos necessários, mobilização, frequência dos participantes, nível de participação, clareza e objetividade dos registros etc.
Para tanto, é preciso mensurar também o bem-estar de um grupo de controle com características semelhantes às dos beneficiários. Vale salientar a possibilidade de avaliações ex ante que buscam justificar uma PPJ a partir da verificação de causalidade entre variáveis explicativas do problema social enfrentado.
A avaliação em nível de estratégia é bem mais complexa do que o monitoramento, e exige, como o planejamento, um diagnóstico situacional. Ela vai mensurar o bem-estar que foi gerado exclusivamente pela execução da PPJ. Estabelece indicadores que revelarão para qual cenário a política conduziu os beneficiários e, por consequência, a própria gestão. Com eles, poderemos saber o quão distantes estamos do diagnóstico-base (que subsidiou o planejamento estratégico), e qual a nossa proximidade do objetivo estratégico. Persistindo a distância do que foi planejado, a avaliação mostra que a intervenção falhou e por quanto falhou, subsidia a identificação minuciosa das falhas e aponta para um novo planejamento aperfeiçoado.
Se a avaliação revela que estamos onde queríamos, voltamo-nos para o esforço de manutenção do bem-estar atingido, caso ele seja o máximo possível dentro das condições dadas, ou para a continuidade imediata da tendência de aumento do bem-estar mediante um novo planejamento. Ou seja, monitoramento e avaliação são rotinas cíclicas e inseparáveis do processo de planejamento.
Uma consequência dessa lógica de monitoramento e avaliação é que tanto os monitores quanto os gestores das diversas ações são responsáveis pelo nível dos resultados verificados na avaliação. O único detalhe é que os monitores têm responsabilidade apenas sobre os resultados estratégicos, enquanto os gestores são responsáveis também sobre os resultados das ações que coordenam. Isso implica que o objetivo estratégico pode ser atingido mesmo que algumas ações não apresentem bons resultados.
Conclusão
Como toda essa dinâmica de trabalho, de institucionalização, de planejamento etc. estaria à disposição da observação diária do pesquisador de Ciências Humanas, se ele só esporadicamente descesse da “torre de marfim” para fazer suas observações agendadas? O privilégio dessa experiência é dispor de uma observação participante sem interferir no sentido da ação dos diversos agentes. Assim, ao mesmo tempo que se pesquisa a partir das referências científicas que já são dominadas, também se vive um aprendizado ativo, ou melhor, atuante.
O pesquisador em momento algum se confunde com o objeto de pesquisa. Este é constituído das tentativas de gerar e gerir a informação num ambiente organizacional dotado de grandes proporções desde sua fundação. Contudo, ao mesmo tempo, o pesquisador forja o objeto por meio de sua parcela no trabalho coletivo. Assim, é possível visualizar tanto a intensa demanda de informação por parte sistema de planejamento e intervenção governamental quanto a extrema dificuldade que esse mesmo sistema tem para lidar com as informações sobre si mesmo.
Nesse laboratório, a despeito do que acontece no âmbito das Ciências Naturais, os instrumentos, “agentes” e “reagentes” estão fora do controle do pesquisador. Mas não é essa a particularidade que faz da experiência ora relatada um tipo de sala de experimentos. A semelhança está na qualidade do processo que se presta à análise. Eu o denominaria “naturalmente social”. Se nosso pesquisador tivesse a chance de dispor os “objetos sociais” desse laboratório de Ciências Humanas da forma que lhe fosse conveniente, certamente concordaria que não poderia abrir mão da sorte. Para que suas observações sejam válidas, ele sabe que tais objetos precisam, acima de tudo, ser como eles são.
Referências
ALBUQUERQUE, Juliene T. Comitê Intersetorial de Políticas Públicas de Juventude do Governo de Pernambuco: sistematização do primeiro ano de funcionamento. Recife: Equip/SEJE, 2009.
ANGELONI, Maria Terezinha et al. Gestão estratégica da informação e o processo decisório: uma preparação para a gestão do conhecimento. Disponível em: http://www.julitur.com.br/angelggc/artigos/7.pdf. Acesso em 01/09/2012.
BEAL, Adriana. Gestão estratégica da informação. São Paulo: Altas, 2004.
CARLEY, Michael. Indicadores sociais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
CONSELHO Nacional de Juventude. Política Nacional de Juventude: diretrizes e perspectivas. Brasília: CNJ, 2006.
GOVERNO de Pernambuco. Plano Estadual de Juventude: construindo um pacto pela juventude. Recife: SEJE, 2008.
INSTITUTO Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Livro das Juventudes Sul-americanas. Rio de Janeiro: IDRC-CRDI, 2010.
MAIA, Romero Galvão. Juventude como valor: referencial e método para uma definição a partir do cotidiano. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, vol. 2, nº 4, dezembro de 2010.
POCHMANN, M. Desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004.
RUA, Maria das Graças. Análise de políticas publicas: conceitos básicos. In: CARVALHO, Maria Isabel Valadão; RUA, Maria das Graças (orgs.). O estudo da política: estudos selecionados. Brasília: Paralelo 15, 1999.
Publicado em 28 de maio de 2013.
Publicado em 28 de maio de 2013
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