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A oralidade no universo escolar: o gênero seminário em foco

Silvio Profirio da Silva

Graduando em Letras (UFRPE)

Consoante Nascimento et al (2010), a oralidade consiste em uma ferramenta linguística de sustancial importância tanto no âmbito escolar quanto nas práticas corriqueiras do dia a dia. Em face disso, o trabalho com essa competência linguística é essencial para a escolarização do Português. Contudo, a abordagem desse conteúdo requer uma gama de estratégias de sistematização, conscientização e reflexão (NASCIMENTO et al, 2010). Em outras palavras: o trabalho com a oralidade é algo que exige preparação sistemática atrelada aos propósitos que o docente visa a atingir face a seus alunos. Mas nem sempre tal postura se fez presente na prática pedagógica do ensino de Língua Portuguesa.

De acordo com esse autor, por um longo tempo a oralidade foi relacionada à fala desprovida de planejamento. Em alguns casos é associada à informalidade e ao erro, assumindo assim uma posição secundária em face da escrita. No entanto, estudos das Ciências da Linguagem – com destaque para a Análise da Conversação – evidenciam como a modalidade oral da linguagem pode registrar marcas/traços de coesão e coerência. É nesse cenário que o trabalho com a oralidade passa a ganhar mais espaço no universo escolar. Tal inserção não se dá de forma neutra, mas tem como propósito levar o aluno a lançar mão da sua competência comunicativa nas práticas corriqueiras do dia a dia.

É nesse contexto, também, que os gêneros orais ganham extenso espaço nas pesquisas acadêmicas na área da Língua Portuguesa. Estes são exemplos que podem ilustrar esse tipo de gênero: comunicação oral, debate, debate deliberativo, debate regrado, entrevista, júri simulado, palestras, relatos de experiência etc. Dentre esses gêneros, está o Seminário.

Para Gonçalves e Bernardes (2010), o gênero seminário está diretamente relacionado à perspectiva do letramento – “práticas de leitura e escrita atreladas às práticas sociais” –, na medida em que não se limita aos propósitos escolares, mas, sobretudo, abrange o contexto sócio-histórico, isto é, a realidade circundante. Esse gênero de texto assume, assim, a instância pública, como o âmbito profissional (GONÇALVES; BERNARDES, 2010). É nesse contexto que se dá a relevância de um trabalho pautado nos gêneros orais no contexto escolar, possibilitando ao aluno desenvolver sua expressão oral e, consequentemente, a utilizar a linguagem oral nas mais diversas práticas cotidianas.

Na fala de Gonçalves e Bernardes (2010) no tocante ao gênero seminário, a necessidade da elaboração de uma metodologia sistematizada não irrompe de maneira neutra, pelo contrário; isso se dá com a pretensão de fazer com que os alunos se apropriem das condições de produção do gênero textual. São elas: o propósito comunicativo (intencionalidade discursiva ou intenção de dizer), o lugar (contexto/espaço social), o tempo (momento de produção), o papel da relação entre o enunciador e o coenunciador (GOULART, 2005, apud GONÇALVES; BERNARDES, 2010). Todos esses componentes da situação de produção são de suma importância e, como tal, devem ser objetos de reflexão por parte do discente.

A exposição oral é um gênero que deve pressupor um planejamento prévio, no qual os alunos deverão demonstrar a capacidade de elaboração de um texto oral relacionado com o tema e o conteúdo de determinada pesquisa, além de demonstrar também a capacidade de utilizar alguns recursos linguísticos (verbais e não verbais) e discursivos apropriados a esse gênero (GOULART, 2010, p. 243).

Gonçalves e Bernardes (2010) também evidenciam que o trabalho com a oralidade, no cenário pedagógico, está intimamente ligado ao ato de fazer com que o aluno trabalhe os usos mais formais e convencionais da modalidade oral da linguagem. Na ótica dos autores,

uma vez que o aluno já manipula a modalidade oral da língua na esfera cotidiana, é necessário, durante o percurso escolar, fazer novas descobertas referentes a outros contextos nos quais a oralidade (aquela que exige um “controle mais consciente e voluntário da enunciação”) acontece (GONÇALVES; BERNARDES, 2010, p. 6).

A escola assume, no dizer desses autores, a função de levar o aluno a atentar para a questão das modalidades da linguagem oral e para a questão dos contextos e dos espaços sociais nos quais tais modalidades devem ser empregadas. Porém fazer isso não é algo fácil. Pelo contrário, é algo que requer uma serie de estratégias, a fim de que ele possa exercer sua tomada de posição nas esferas públicas.

O diálogo, para que o aluno aprenda a confrontar, defender, explicar suas ideias de forma organizada, em diferentes esferas de prática da palavra pública, compreende e reflete sobre as marcas de atualização da linguagem (a posição dos interlocutores, o contexto extraverbal, suas normas, de acordo com a expectativa em jogo, a escolha do gênero e recursos) (GONÇALVES; BERNARDES, 2010, p. 7).

Todavia, a prática do seminário não se resume ao ato de lançar mão da linguagem formal para uma tomada de posição. Conforme dito antes, a aplicação desse gênero textual requer a sistematização e a estruturação das informações, das falas, das posturas etc.. Diante dessa acepção, o gênero seminário envolve uma gama de estratégias anteriores à sua realização. Uma dessas estratégias diz respeito à articulação entre elementos linguísticos e não linguísticos. São exemplos que ilustram estes últimos: o gesticular, o olhar etc.. Recorremos, nesse ponto, a Dolz et al (2004, p. 218 apud Gonçalves; Bernardes, 2010, p. 9), que conceituam esse gênero de texto como “um gênero textual público, relativamente formal e específico, no qual o expositor especialista dirige-se a um auditório, de maneira estruturada (explicitamente), para lhe transmitir informações, descrever-lhe ou explicar alguma coisa”.

A aplicação do seminário, em muitas práticas escolares, concede primazia ao domínio do conteúdo exposto. O foco recai sobre o conteúdo, deixando de lado a reflexão quanto à situação comunicativa. Não se trata de diminuir a apropriação do conteúdo, uma vez que isso é algo de fundamental importância. Todavia, não é tudo. Gonçalves e Bernardes (2010), amparados em Goulart (2005), esclarecem que a aplicação do gênero seminário deve levar o aluno a refletir acerca das condições de produção e da adequação a esse gênero de texto.

No dizer de Goulart (2005. p. 80, apud Gonçalves; Bernardes, 2010, p. 9), o gênero seminário consiste em uma prática interativa “entre professor, alunos expositores e audiência”. Partindo desse pressuposto, esse gênero é alçado à perspectiva de interlocução e de coletividade. Por esse motivo, é necessário trabalhar a oralidade em uma perspectiva de adequação ao público. Dito de outro modo: a linguagem oral utilizada no decorrer da aplicação desse gênero deve estar adequada aos seus interlocutores. Ora, o enunciador/locutor atrela suas escolhas linguísticas ao seu coenunciador, atentando, desse modo, para uma gama de aspectos/fatores de diversas ordens, tais como: “Sociais - idade, sexo, raça, classe social, profissão; Psicológicas - amável, agressivo, sério, calmo, nervoso, inquieto etc.; Relacionais – participantes, conhecidos ou não, grau de intimidade entre eles” (FÁVERO et al, 2011, p. 16).

Como dito antes, lançar mão da aplicação desse gênero de texto não é algo fácil. Pelo contrário, é algo que requer elaboração sistematizada. Nascimento et al (2010, p. 5) citam os pressupostos de Dolz e Schneuwly (2004) a fim de abordar a relevância da utilização das sequências didáticas no ato de sistematizar o trabalho com um dado conteúdo. Na fala desses autores, a sequência didática está dividida nas seguintes partes:

  1. Apresentação da situação de comunicação;
  2. Produção inicial, ou seja, elaboração de um texto (oral ou escrito) do gênero a ser estudado;
  3. Os módulos; em cada módulo, então, escolhe-se um aspecto relativo ao gênero para ser foco de análise/estudo; dessa forma, o objeto vai sendo apropriado;
  4. Produção final, ou seja, o momento último em que os alunos demonstrarão todas as aprendizagens alcançadas (NASCIMENTO et al, 2010, p. 5).

Destacamos, sobretudo, a organização textual e estrutural da apresentação durante o decorrer da aplicação do gênero seminário. Gonçalves e Bernardes (2010, p. 10) e Nascimento et al (2010, p. 4), destacam as etapas desse gênero textual. Na ótica desses autores, o seminário compõe-se das seguintes etapas:

Abertura: saudação

Introdução ao tema: contextualização e delimitação temática (perspectivas macro e micro da temática abordada)

Apresentação do plano da exposição

Desenvolvimento

Retomada/Síntese

Conclusão/Considerações finais

Encerramento/fechamento

Nesse sentido, o trabalho com os gêneros de texto que lançam mão da oralidade não é fácil. Realizar essa faceta requer a elaboração de uma metodologia sistematizada. Ou seja, levar os gêneros orais para o cenário pedagógico não é algo que possa ser realizado de qualquer forma. Pelo contrário, tal prática exige do docente a sistematização das ações a serem realizadas face aos gêneros, que comungam da oralidade (GONÇALVES; BERNARDES, 2010).

Referências

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CARDOSO, S. H. B. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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GONÇALVES, A. V.; BERNARDES, E. S. O gênero seminário: usos e dimensões ensináveis. Revista Linguasagem, São Carlos, 2010.

GOULART, C. As práticas orais na escola: o seminário como objeto de ensino. 2005. 210 f. Dissertação (mestrado em Linguística Aplicada). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. In: GONÇALVES, Adair V.; BERNARDES, E. S. O gênero seminário: usos e dimensões ensináveis. Revista Linguasagem, São Carlos, 2010.

MARCUSCHI, L. A. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”. In: BEZERRA, M. A.; DIONÍSIO, Â. P.. (Orgs.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

NASCIMENTO, J. C. do; SILVA, M. A.; SILVA, L. N. O ensino sistemático da linguagem oral a partir do gênero “seminário”. Anais do Encontro de Pesquisa em Educação de Alagoas - EPEAL, Maceió, 2010.

SUASSUNA, L. Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas: Papirus, 2009.

Publicado em 11 de junho de 2013

Publicado em 11 de junho de 2013

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