Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Uma solução criativa para a criançada comer melhor: fazê-las botar a mão na massa
Mariana Cruz
Uma das grandes querelas entre pais e filhos é a dificuldade de fazer com que os meninos se alimentem saudavelmente, com frutas, legumes e grãos, e deixem um pouco as besteiras de lado. Mas como fazer isso sem transformar a hora da refeição em um campo de batalha?
Para saber o que se pode fazer para melhorar a qualidade da alimentação dos pequenos, ninguém melhor do que quem trabalha com crianças e comida. Assim, a revista Educação Pública fez uma entrevista com Fabiana Figueiredo e Roberta Furtado, sócias do Ateliê das Ideias, um espaço situado na Zona Sul do Rio de Janeiro, que oferece oficinas de culinária para crianças de diversas idades. A dupla ensina a preparar pratos saudáveis com ingredientes simples e fáceis de encontrar. As oficinas têm como objetivo “transformar a nossa percepção sobre culinária, reinventar o prazer de comer e resgatar a arte de cozinhar”.
Educação Pública – Como surgiu o projeto do Ateliê das Ideias e a ideia de dar aula de culinária para as crianças?
Ateliê das Ideias – Oferecemos aulas de culinária para crianças desde 2007, no Rio de Janeiro. A ideia surgiu ao observarmos a relação dos nossos próprios filhos com a alimentação. Percebemos que quando levávamos as crianças para a cozinha com a gente elas se interessavam pelo assunto e sempre comiam bem tudo aquilo que tinham feito. Entendemos que essa poderia ser uma ótima via para aproximar esse assunto, da alimentação, do universo das crianças. Já havíamos percebido há um tempo que as crianças simplesmente não conhecem nada de comida. Em geral, nas casas da classe média ou classe média alta esse é um assunto tratado como obrigação. Do mesmo modo que tomar banho, escovar os dentes, fazer o dever de casa, elas têm que comer, de preferência tudo e de tudo. Elas não têm nenhuma ingerência sobre aquilo que vai no seu prato, apenas a obrigação de comer tudo!
Quantos alunos são por turma? Vocês trabalham com que faixas etárias? O que muda em relação às idades?
Nossas turmas têm no máximo 8 alunos, pois, como fazemos uma receita com toda a turma para toda a turma, temos que ter funções para todo mundo! Não incentivamos a competição entre os alunos; eles trabalham em um esquema de colaboração. Geralmente temos a receita da semana, que é a mesma para todas as turmas (damos aula para crianças de 3 anos até 18), e preparamos a aula de acordo com a faixa etária deles. Por exemplo: se a receita leva tomates picados, para a aula dos adolescentes colocamos os tomates inteiros na mesa, a tábua e a faca; se a aula é para crianças pequenas, os tomates já vão picados. Temos algumas turmas que têm crianças de idades variadas e é sempre muito legal observar o cuidado dos maiores com as crianças menores. Nesses casos nós dividimos as funções de acordo com a idade; os pequenos medem os ingredientes, misturam, colocam a mão na massa, enquanto os maiores cortam e ralam os ingredientes e, dependendo da idade e da habilidade, até manejam uma panela na boca do fogão.
A partir de 7 ou 8 anos já começamos a ensinar o manejo das facas, mas começamos com uma faca por turma. Porém, mais do que a idade, o que define esse momento é a habilidade, a responsabilidade e a atenção de cada um. Já tivemos crianças de 7 anos que nos sentimos seguras de ensinar a manejar a faca ou o ralador e já tivemos crianças de 10 anos que não deixamos mexer na faca. Na turma dos adolescentes, eles já usam a faca com mais liberdade, mas assim que percebemos que o adolescente não está atento, ele perde temporariamente o direito ao uso. Minha filha mesma, que hoje tem 13 anos, só começou a mexer na faca aos 10 e mesmo assim perdeu o direto ao uso da faca várias vezes, por estar distraída.
As crianças que participam das oficinas de culinária geralmente já têm alguma intimidade com a cozinha? Às vezes chegam crianças que nunca cozinharam?
Recebemos basicamente dois tipos de crianças. As que já demonstraram interesse pela cozinha e muitas vezes já chegam aqui com uma certa experiência e algumas receitas na bagagem. Muitas vezes essas crianças têm famílias que valorizam e gostam do assunto. Mas recebemos também aquelas que, por algum motivo, estão preocupando os pais na questão da alimentação, seja porque comem muito e errado, seja porque comem pouco ou são muito seletivas.
Muitas crianças apresentam alguma dificuldade de se alimentar corretamente, isto é, gostam muito de besteira e não comem legumes nem frutas? Por que isso acontece?
Geralmente essa é uma questão de hábitos familiares. Se os pais não comem legumes ou frutas e não dão o exemplo, não vai adianta falar, pedir e implorar que as crianças não vão comer. Se os pais não tem o hábito de comer junto com os filhos, a mesma coisa acontece. Muitas vezes as famílias entram em um círculo vicioso em que os pais só fazem as comidas que sabem que as crianças vão comer e as crianças passam a ficar cada vez mais restritas. Quando a gente vê a crianças só comem carne, arroz, batata e macarrão!
Acredito também que o mundo moderno fez com que as crianças ficassem muito afastadas de alguns assuntos. A comida é um deles. A gente se afastou desse universo. Cada vez mais pessoas comem na rua ou compram refeições congeladas. E parece muito mais fácil e simples abrir um pacote, uma lata e colocar no micro-ondas do que fazer a sua comida. Os adultos ficaram sem tempo e tendem a ver essa tarefa como uma coisa menor, uma obrigação. Ninguém questiona que as crianças devem ir à escola, fazer atividades físicas ou brincar, e todos querem que seus filhos se alimentem bem. Entendo que, para despertar o interesse das crianças para a comida, é necessário aproximá-las desse universo. Muitas vezes recebemos no Ateliê das Ideias crianças que sequer conhecem os alimentos ou têm alguma ideia de onde aquilo veio. Quando damos um jogo ou um brinquedo de presente para um bebê ou uma criança pequena, geralmente mostramos aquilo, falamos sobre aquilo e chamamos a atenção da criança para aquele novo objeto. Sempre fiquei intrigada por que a maioria das pessoas não faz isso com a comida. Não mostramos para um bebê que está comendo banana pela primeira vez aquele alimento inteiro, para que ele possa pegar, cheirar, apertar, enfim conhecer o alimento para só depois ser oferecido para ele comer. Se isso é tão óbvio com brinquedos, pessoas e objetos, por que não é com a comida? Se a gente não mostra e não apresenta, as crianças não conhecem – e ninguém se interessa por algo que não conhece.
Vocês têm alguma dica para os pais tentarem mudar isso?
Levá-los para a cozinha! Falar sobre os alimentos de forma divertida; assim como se fala de futebol, de brinquedos, de cinema, de desenhos, devemos falar de comida. Levar as crianças a supermercados, feiras e hortifrútis, mostrar os alimentos, propor de experimentarem um ingrediente novo a cada semana, por exemplo, pode ser uma ótima forma de estimular as crianças que têm resistência a provar algo novo.
Tem algum caso pitoresco sobre as oficinas?
Tivemos um aluno que tinha muita dificuldade em colocar a mão na comida. Era daquelas crianças que, mesmo com 8 anos, a mãe ainda cortava a banana em rodelinhas para ele comer. Cortamos um dobrado para que ele começasse a pegar as coisas sem nojo. A primeira vez que pedi para ele descascar uma banana ele ficou me olhando e pediu um descascador. Ele nunca tinha descascado uma banana na vida! Um dia íamos fazer um salmão no forno e ele pegou o salmão com tanto nojo que o derrubou no chão. Quando perguntou o que fazer, eu disse para ele levar para a pia e lavar. De repente só escuto outra criança gritando: "Com sabão não, João!" E ele entrou para a história como o garoto que deu um banho de espuma no salmão!
Qual o prato que eles mais curtem fazer? Pode dar a receita?
Os menores adoram receitas que tem mão na massa! Biscoitos, pizza, pão de queijo e bolo estão na lista de preferências. E eles amam também receitas que têm muitas transformações, como fazer chantili, sorvete e pipoca! Os maiores, que já têm mais autonomia, adoram fazer receitas mais complexas, com muitas etapas e que podem virar uma refeição: quiches, tortas, saladas são sucesso garantido. Para quem quiser botar a mão da massa, aí vai a receita do biscoito de amendoim, que é um clássico desse período junino no Ateliê!
11/06/2013
Publicado em 11 de junho de 2013
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.