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Ler on e off life
Claudia Nunes
Professora
Estou de férias. Hora de guardar as rotinas e criar outras mais leves, animadas e imperfeitas. Isso! Férias é o momento das imperfeições, de agir ao sabor de um estalo e de acordar quando os olhos se cansam de estar fechados. Sem muitas regras ou horários, temos o direito de nos desconcentrar e agir realmente nas incertezas do puro prazer, mesmo que isso signifique fazer nada. Nada é um palco de maravilhosas orgias mentais.
Estou em férias e só penso nas leituras que posso fazer. Ler é o meu descanso, meu devaneio, minha forma de limpar o cérebro. Este é o período das escolhas avulsas e despretensiosas. Não há um fim, o prazer está no meio ou nos meios. E disso minha estante está repleta. Muitos livros sem ler. Muitos livros guardados na esperança de um toque. É bom não saber o que escolher com tantas escolhas à frente. Em férias mexo em todos os meus livros. Todos têm histórias, marcas, importância. E fico embalada por qualquer leitura que me faça feliz.
Em férias, estou com o cérebro aceso, atento e em expectativa: que mundos vai conhecer? Que cenas irá vivenciar? Que informações o encantarão e modificarão? Porque é isso: a leitura prazerosa acelera as conexões neurais e garante a contínua relação entre neurônios, pensamentos e emoções. Ou seja, a leitura é o exercício de adaptação cerebral e de transformação pessoal de qualquer sujeito. Aí, sem querer, eu me pergunto: o que aconteceu com esse cérebro do impresso ao virtual? Será que há a mesma funcionalidade/plasticidade quando relacionado com as letras, cores e imagens em ambiente virtual? Eu acredito que sim.
A leitura carrega uma energia hipertextual porque conecta o cérebro em múltiplos pontos de força. Em input e/ou por output, os sistemas cerebrais são transpassados por informações gráficas, sequenciais, sonoras e textuais complexas e ininterruptas. Tudo que sempre se fez no campo do imaginário agora é realizado em âmbito virtual e velozmente. É outro processo de assimilação, associação e armazenamento eletroquímicos. São hipotálamos com outros tipos de controle mnemônico. São novas habilidades corticais e emocionais envolvidas na ideia de sobreviver, de se integrar e de colaborar com uma realidade cheia de possibilidades.
Estou de férias e penso: que cérebro é esse que chegou e se adaptou tão rapidamente às ações do ambiente virtual? É um cérebro cujos centros visuais estão em excessiva atividade. É um cérebro que exige mais ocitocina, serotonina e adrenalina para realizar diferentes atividades em tempo recorde. E é um cérebro com infovias neurais mais densas e largas à passagem de informações e o acontecimento da aprendizagem. Mas o tempo é curto e a atitude sináptica, diante do tempo curto, é impressionante. Ler aqui é uma ação da prática, e não reflexiva. Ler aqui é uma ação de uso, e não mais uma sugestão estimulante de um potencial.
É verdade que o cérebro se adapta a quase tudo, mas, ao se adaptar, ele se desapega (descarta?) de memórias anteriores e de algumas habilidades. É a limpeza que mencionei antes. As experiências se sobrepujam, e o mais interessante é o que as constroem hoje e não o que se pretende com elas amanhã. Nesse sentido, com a velocidade de apreensão imprimida, muito das capacidades neuronais é consumido e sobra pouco para outras habilidades, ou mesmo dificulta muito o acontecimento de operações mentais muito importantes ao cotidiano como interpretar, analisar e argumentar.
Hoje, em férias, reconheço que os sujeitos sempre transitaram entre dois mundos: o online e o offline. E ambos difíceis de se ligar, porque demandam do cérebro forças neuronais associativas muito intensas em pouco tempo. Entre nativos e imigrantes digitais, esta é a diferença. Daí ler e entender o significado da leitura serem atos tão problemáticos quanto os primeiros momentos em que se aprende a andar de bicicleta. Há desgoverno, desequilíbrio, estranhamento e várias quedas. É um processo de adaptação cerebral cuja realização gera mutações, por exemplo, nas atenções e ações dos hemisférios cerebrais. Andar de bicicleta e aprender a ler requerem ajustes profundos na natureza, no imaginário e no pensamento humano.
Começo a pegar e ler partes de livros sobre novas tecnologias e outros sobre neurociências. A informação rápida (informática) realmente modificou nossas memórias biológicas, sociais, históricas e afetivas. Estamos sob os efeitos das tecnologias digitais e virtuais em todos os espaços do cotidiano. E isso, de um lado, estende nossas possibilidades de alcançar múltiplas informações, de estabelecer contatos e de ampliar nossos campos de ações profissionais; mas, de outro, pode comprometer a atenção e a concentração, criar desentendimentos sobre o que é a realidade e estimular uma dependência tecnológica cujas áreas da saúde e da psicologia são constantemente acessadas.
Em alguns livros, cheguei a ler que, mais do que na Era da Informação, estamos na Era da Ansiedade. Mas o que isso tem a ver com a leitura? Ora, se os cérebros estão modificados ou estão se modificando ao sabor das escolhas on ou off life, ler é algo que a chamada “geração Y” faz de outra forma, noutra dimensão e a partir de uma realidade completamente diferente; e essa relação entre cérebro e realidade será mesmo muito diferente.
Estou de férias e com o cérebro quase queimando. Que leituras podem despertar o prazer de ler? Que textos podem estimular neurônios tão recheados de informações adversas sobre si mesmo? Que cérebros são esses que estão comigo o ano todo na expectativa de aprender a ler e a escrever sem angústias ou baixa autoestima? No meu caso, são cérebros em conflito, em busca de identidade e se experimentando sem regras em diversos ambientes; são cérebros usando novas tecnologias com menos afetividade e mais praticidade e lucro fácil; são cérebros imersos em mundos imaginários (e virtuais), criando-se em avatares cujas ações são controladas apenas pelo próprio desejo, pelo mouse e pelo teclado do computador; são cérebros experimentando manejos emocionais diferentes porque o córtex parietal está com os sentidos disfuncionais; são cérebros em processo de reestruturação mental em solidão.
Conclusão: ler é muito difícil porque requer operações mentais complexas e contínuas que, no processo evolutivo, não foram aprofundadas. E sem resolver esse problema viver-se-á para sempre essa Era da Ansiedade cujas emoções pessoais estão cada vez mais flutuantes e desconexas. O melhor dos mundos? O convívio com sujeitos equilibrados e com múltiplas habilidades corticais voltadas para o bem de todos e do meio ambiente. O pior dos mundos? Hoje!
Férias é um tempo conturbado e cheio de surpresas!
Publicado em 18 de junho de 2013
Publicado em 18 de junho de 2013
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