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Minha aluna respondona

Mariana Cruz

Comecei a dar aula para uma turma do terceiro ano do Ensino Médio há pouco tempo; peguei a turma no meio do período, pois na minha escola algumas turmas foram “otimizadas” (termo que, para grande parte dos professores, quer dizer exatamente o oposto, isto é, “pessimizadas”). A otimização das classes significa que muitos professores ficarão “sobrando” e terão bater de escola em escola atrás de turmas para lecionar. Aliás, esse termo “sobrando” também coloca o professor em uma condição de quase objeto: “esse pão ficou sobrando, se ninguém comer vou jogar fora” (o mesmo ocorre quando se diz que um professor será “devolvido”, parece que se está falando de um sofá que voltará ao antigo dono porque não coube na nova sala).

O fato é que no meio do semestre, quando cheguei à escola para dar aula me deram um papelzinho amarelo com minhas novas turmas, sem nenhum aviso prévio. E lá fui eu dar aula para o terceiro ano, apesar de só ter preparado as aulas para as turmas da outra série. Logo no primeiro dia, bem no começo do segundo bimestre (ou seja, algo não muito agradável nem para mim nem para os alunos), senti que era daquelas turmas barulhentas, e o fuzuê era comandado por um grupinho de alunas que sentava na frente (não era a turma do fundão), cuja líder gostava de fazer graça com os colegas à custa do professor. Já nos dez minutos iniciais uma das meninas estava jogando papel de bala pela janela; eu disse que não era para fazer isso, e voltei à aula (de soslaio percebi que ela continuava a fazê-lo, mas decidi não parar a aula para dar a atenção que ela estava querendo). A líder da panelinha ria alto. Mas o resto da turma prestava atenção na aula, o que me encorajou a continuar a matéria. Este primeiro dia me fez antever a possível dor de cabeça que teria com a turma. Mas as semanas seguintes mostraram-me que a coisa não era tão feia assim. A chefe da bagunça até que não é má pessoa, é participativa, engraçada, mas, como as próprias amigas diziam, era “cheia de marra”. Além disso, o porte da menina ajudava a manter a sua fama de má perante a turma: alta, magra, forte e com um singular vozeirão. Era daquelas pessoas que até quando diz “bom dia” parece estar brigando. A sua liderança não era apenas em relação às meninas à sua volta, como também ao resto da turma. Qualquer pedido que eu fazia, mesmo que atendesse, ela não conseguia deixar sem resposta. Às vezes tinha a impressão de que estava testando minha paciência, que nem as crianças pequenas fazem com os pais. Acabei dando um pouco de corda para ver até aonde a “marra” da menina ia. Então, depois de umas três aulas, já estava ciente de que as respostinhas não eram questão de um dia de mau humor, TPM etc., e sim que era seu jeito de ser. De uma ou duas respostas da garota até dava para achar graça ou fingir que não estava escutando, para não dar muito ibope; o problema é que a galerinha dela começava a rir das respostas e isso a estimulava a continuar. Ademais, tentar competir com a risada da turma não dava.

Por outro lado, a menina sempre anotava a matéria, participava, fazia os trabalhos pedidos, era preocupada em entregar os trabalhos no prazo estabelecido. Ou seja, era do tipo de aluna que não fazia corpo mole. A menina era respeitada pela turma. Poderia ser até uma boa representante. Depois de um mês dando aula para a turma, no final de uma aula chamei-a para uma conversa e fiz uma crítica a seu comportamento, de maneira sutil, a fim de evitar que ela tomasse aquilo como uma bronca e resolvesse dar mais um de seus “forinhas” típicos.

Falei, olhando nos olhos dela, de forma calma e didática, que ela tinha uma mania, quase um vício de responder a tudo de forma atravessada, ainda mais coisas que não exigiam uma resposta, eram meros toques. Ela respondeu (mais uma vez) que esse era o jeito dela. Ainda assim, ao longo do papo, foi baixando a bola (nada como ter uma conversa franca tête-à-tête com aluno-problema e falar sobre as coisas que incomodam). Então perguntei se ela respondia a todo mundo assim, pois se agisse desse jeito não pararia em nenhum emprego.

Ela respondeu que era assim com todo mundo, até com a mãe dela, mas a mãe era braba e não aturava aquele seu jeito. Ela contou, em tom de graça, que já viveu o “mico” de 2013: ela deu uma resposta atravessada para a mãe, que não pensou duas vezes: bateu nela com uma tábua de carne. O curioso é que ela contava a história com certo orgulho, e isso ficou ainda mais evidente quando explicou que, apesar de ter apanhado, não chorou. Ela dizia isso como se fosse algo normal uma menina de 17 anos apanhar da mãe com um tábua de carne. E pelo visto é mesmo, pois a amiga dela que estava perto disse que dia desses a mãe tinha dado nela com colher de pau.

Primeiramente pensei nas múltiplas utilidades que os utensílios de cozinha têm para certas pessoas. As meninas riam de tais tragédias e gabavam-se como em uma competição velada para ver quem tinha a mãe mais brava. Independentemente da relação que ela tem com a mãe, virei-me para ela e disse que ela era uma liderança da turma; as pessoas a ouviam, a respeitavam e que era uma pena que ela estivesse chamando mais atenção pelo lado ruim. Ela poderia escolher entre ser uma liderança positiva ou negativa e estava, infelizmente, escolhendo a segunda opção. A turma, que já era agitada, ficava ainda mais com as gracinhas dela, e isso acabava prejudicando a todos: alunos e professores. Ela reconheceu e concordou com isso. E despediu-se com uma voz quase afetuosa.

Agora, resta esperar a próxima aula para ver como a respondona se sairá.

Publicado em 18/06/2013

Publicado em 18 de junho de 2013

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