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A construção da globalização no Brasil – traços históricos

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

Alicerce filosófico e a realidade social paralela urbana brasileira: Keynes imaginou a extinção do lucro, devido e prosperidade e segurança material crescente em 1930, mas houve uma mudança brusca que impossibilitou a sua teoria. A grande depressão fez com que o homem de negócios se tornasse uma figura mais previsível, monótona, sintetizada por Sloan Wilson como “o homem do terno de flanela cinza”.

Objetivo que envolvia empregados predominou sobre o simples motivo do lucro, a busca individual da riqueza fora substituída por um ideal empresarial em que as pessoas ficavam com parte do lucro da sua empresa. Heilbroner disse que a acumulação adicional de riqueza no futuro poderia gerar uma nova motivação econômica para substituir a “mão invisível” de Adam Smith. No Brasil, uma significativa quantidade de pessoas (crioulos) ficava fora do olhar do Estado. Trata-se de um grande corpo social visto como vagabundos, desocupados, em fim, a sinagelastia de favelas no Rio de Janeiro. Muitos, jovens ainda, sem oportunidade na escola, vivendo de dar tristes espetáculos pela cidade que, segundo Carlos Lessa, “era de todos os brasis”.

Após 1929, com a crise econômica mundial, países e nações abalados e alguns governos latino-americanos buscaram endurecer seus regimes ou se tornaram interventores (Estado autoritário) na economia. Uns chegaram ao extremo de se apresentarem “segregacionistas”, como a política nazista da Alemanha de Hitler contra os judeus, transferindo-lhes a culpa pelos insucessos econômicos. Tratava-se de uma “fatia da burguesia capitalista fracassada” que ele liderava e/ou havia passado a liderar; excludente, por isso mesmo segregacionista, buscava arranjar culpado para tudo aquilo que se passava na nação.

Os países de economia recém-liberta do velho colonialismo, apresentando perfil de economia periférica, buscaram justificar a mímica que faziam de governos europeus, apelando para ditaduras – algumas militares, outras caudilhescas – modismo do ato de governar de trágicas consequências.

O exemplo do nazifascismo alemão e italiano foi usado de forma pouco diferenciada nos países latino-americanos e em alguns outros da Europa. A palavra de ordem era “intervenção na economia liberal”, apoiada sempre em uma desesperada classe média e nos trabalhadores urbanos com baixo poder de compra.

Alguns governos chegaram a se denominar “socialistas”, como o nacional-socialismo alemão, mas o porte governamental era claramente marcado pelo “velho modelo de capital monopolista-imperialista e expansionista”, com vistas à conquista de novos mercados consumidores, principalmente em áreas da futuramente chamada “economia periférica” ou tornadas assim pela crise, inclusive dentro do continente europeu.

O resultado foi o conflito internacional, pois muitos já se apresentavam como mercado consumidor de velhas potências imperialistas que não se sentiram confortáveis com a violenta política de anexações implantada por países como Alemanha e Itália.

A América Latina

O presidente argentino Irigoyen, que governou de 1916 a 1928, era um representante da classe média e dos trabalhadores urbanos contrários à tradicional oligarquia agrária do gado e do trigo. Após 1929, foi apresentado bloqueio às exportações, e houve o impositivo declínio dos preços. O governo do general José F. Uriburo (representante do interesse dos ruralistas, que derrubou Irigoyen em 1930) propôs ao país um sistema corporativista, copiando a Itália de Mussolini. Depois dele, o general Agustín P. Justo, que foi eleito pelo voto direto, garantiu a predominância dos conservadores, sendo conhecido como governo de concordância (1931-1943), mas assinou o humilhante Convênio Roca-Runcioman com a Inglaterra, em 1932, que fez retornar as tarifas sobre as mercadorias inglesas aos tempos de 1930 e a Inglaterra obrigou-se a não reduzir as importações de carne argentina.

No México, Porfírio Díaz ficou no poder de 1876 a 1910, com apoio dos grandes proprietários e oferecendo cooperação à Igreja. A massa de índios era explorada. Sob a orientação dos positivistas (científicos), deu-se a Revolução Industrial, com capitais estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos. Em 1910 foi publicado por Francisco Madero o Plano de San Luis de Potosi, que surgiu contra o “porfirismo”; o plano desejava a reforma agrária e era contra o capital estrangeiro. A população rural foi mobilizada por Pancho Villa no norte e Emiliano Zapata mais no centro. Em 1920, Obregón dedicou-se a obra de consolidação, buscando a paz social e a ordem interna.

Com a crise de 1929, houve no México novo rigor com a revolução. Surgiram muitas organizações políticas e sindicais de massas reivindicando leis trabalhistas como jornada de trabalho de oito horas, salários mínimos, direito de greve e arbitragem obrigatórias dos dissídios entre patrões e empregados. Em julho de 1931 houve a adoção do padrão ouro, após o abandono da prata. Em 1932, criou a Pemex (Petróleos Mexicanos) e expulsou as empresas estrangeiras. Em dezembro de 1933, o governo Calles optou pelo planejamento econômico com um plano sexenal, mas foi Cardenas que o colocou em prática em 1935, com a socialização das indústrias e a distribuição de terras aos agricultores. Constituiu-se assim, um Estado Intervencionista, semelhante ao New Deal, mas contrapondo-se ao liberalismo smithiano.

No Brasil, a oligarquia do café dissidente se juntou aos tenentes que representavam a pequena classe média e realizaram a revolução de 1930. Caiu Washington Luís, por não permitir que o governo federal comprasse o café não exportado por causa da crise. Esse episódio foi denominado, por motivos econômicos, General Café.

O pan-americanismo pregava a solidariedade continental como resultado da história americana e a igualdade jurídica entre as repúblicas (OEA). Na época organizaram-se várias conferências pan-americanas, e na 4ª reunião, em Buenos Aires, em 1910, foram feitas várias censuras ao imperialismo norte-americano. Criou-se também o pan-iberismo. Quando da 7ª reunião, em Montevidéu, em 1933, Roosevelt desenvolveu sua política da boa vizinhança.

Em 1944 foi implantado o chamado sistema de Bretton Woods, que combateu os especuladores de moedas; dólar ficava fixo em relação às moedas de outros países. No Brasil, desenvolveu-se uma política de pleno emprego, com diminuição da vagabundagem urbana – que passou a ser caso de polícia. Mas já apareciam os sinais perigosos da sinagelastia.

Dois anos depois, o Mercado Futuro de Grãos foi limitado pela escassez. O norte-americano Truman era contra a cobrança dos especuladores pelo preço dos grãos. Houve falso mercado contido e a falsa empregabilidade no Brasil. Em sua esmagadora maioria, os crioulos continuam no desemprego e na vagabundagem, como excluídos.

Em 1956, formou-se um quadro social de crise econômica mundial e instabilidade internacional, com a Crise do Canal de Suez Os banqueiros suíços são tachados de especuladores, os “Gnomos de Zurique”. Uma grande diáspora sociopolítica ocorre no Brasil, com movimentos populares de esquerda apoderando-se de oportunidades. Poucos anos depois, o Brasil viveu a euforia do governo da elite territorial mineira (JK), garantida por um populismo ufanista de massas e um pseudocombate às formações sinagelásticas.

Em 1967, os banqueiros tiveram sua vingança, forçando o governo inglês a desvalorizar a libra esterlina. Grandes pressões populares contra as ditaduras latino-americanas, inclusive o Brasil. Os crioulos e suas manifestações culturais ficam na exclusão. Nossa multiculturalidade se manifestava na música e no popular, nos Festivais da Canção.

Nos Estados Unidos, em 1971 Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro, pondo fim ao sistema de Bretton Woods. Com isso, o dinheiro tornou-se um produto de imaginação. O valor em moeda seria um reflexo de seus valores futuros percebidos; o presente seria tão determinado pelo futuro quanto o futuro pelo presente. Ou seja, o grande árbitro desse confuso sistema era o especulador. O padrão da informação substitui o padrão ouro como base das finanças mundiais.

Aumentou o corpo social dos excluídos sociais no Brasil, basicamente no Rio de Janeiro. As favelas se manifestavam principalmente por meio de seu braço mais criminoso, o tráfico. As escolas de samba apresentavam-se como um verdadeiro palanque para os crioulos oprimidos e desempregados. A afrodescendência se manifestava revoltada e consciente, como um corpo cultural de excluídos sociais.

Dez anos mais tarde, a Grã-Bretanha foi forçada a desvalorizar a moeda e a abandonar o mercado de taxa cambial. O Primeiro-Ministro dizia que por trás dos especuladores estava um “projeto judeu” para devolver os países em desenvolvimento à condição de colônia do modelo imperialista. O discurso era de identidade, mas de mímica com manifestações de funk e dos rappers copiando os movimentos externos, sem nenhuma poiese. O crioulo brasileiro continuou adotando a mesma crioulice em um mundo agora a caminho da globalização.

Trinta anos depois, a Coreia do Norte explodiu sua terceira bomba atômica, apresentando-se como uma virtual desafiante dos EUA, lembrando o exercício de uma velha rixa, fruto da escolarização deixada pelo antigo colonialismo imperialista. O Brasil atingiu a condição de segunda economia do continente americano.

Hoje é necessária nova revolução financeira para acomodar essas mudanças; essa revolução foi facilitada pelos avanços tecnológicos de informação. Com os avanços nas comunicações pela internet, surgem os Day Trades. O Brasil fica a reboque de uma economia convulsionada e sem patrão; somente o FMI constitui-se como tábua de salvação, mas o endivida sobremaneira. O país é a maior nação latino-americana hoje, mas sem identidade definida; acima de tudo, parece recusar a se aceitar absolutamente crioula, a maior república de estrangeiros dos trópicos, ou seja, latino-americana.

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Publicado em 25 de junho de 2013

Publicado em 25 de junho de 2013

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