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Compartilhando salas, quadros, murais... E outras coisas mais

Alexandre Alves

Trabalho numa escola estadual que funciona apenas no turno da noite, num prédio compartilhado com a Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro. Isso traz alguns problemas – inclusive de ergonomia, pois as carteiras são adequadas para as crianças que frequentam os turnos da manhã e da tarde: primeiro segmento do ensino fundamental. Ou seja, mesas e cadeiras que de dia são usadas por crianças de até 10 anos à noite servem para adultos. Já tive vários alunos que levantavam suas mesas nos joelhos para anotar a matéria ou ler o livro, pois suas pernas não cabiam sob a mesa.

Os murais das salas são todos usados pelas turmas do município. Ou seja, há várias figuras coloridíssimas estampadas, quadros próprios para alfabetização, séries de letras em diferentes formatos (cursiva, palito, maiúscula, minúsculas), imagens com o respectivo nome... E tabuadas! Houve uma vez, numa prova de Matemática, em que inúmeros alunos olhavam para trás, mas não para baixo, para a prova do vizinho; olhavam para a porta do armário onde estava afixada uma tabuada em números grandes. Se o professor não desejava que eles consultassem a tabuada eu não sei; considerei um recurso lícito que os estudantes aproveitassem os objetos disponíveis na sala para fazer sua prova.

Semana retrasada apliquei uma prova de interpretação combinando uma análise do filme Faroeste Caboclo com a música homônima, que deu origem à fita. Acho que me empolguei com a boa recepção dos alunos ao filme e à música – que é muito extensa – e preparei uma prova com mais de 20 questões dissertativas (ainda que quase todas objetivas), imensa. Errei a mão mesmo, reconheço, e pretendo compensar esse erro na forma de correção.

Enquanto acompanhava o sofrimento dos alunos com aquele provão, fiquei observando os murais nas salas, bem cuidados, com desenhos dos alunos do município sobre festas juninas, fotos de um passeio que fizeram, algumas poesias infantis (inclusive A casa, de Vinícius de Moraes e Toquinho). Entre elas estava a famosa O sapo não lava o pé, que eu conheci pela minha sobrinha, que quando estava no jardim de infância passava o dia cantando.

Só que o cartaz estava assim:

O sapo não lava o pé
Não lava porque não quer
Ele mora lá na lagoa +
Não lava o pé porque não quer.
Mas que chulé!

Para crianças que estão se alfabetizando, há alguns erros aterradores:

  • o uso de símbolos ( + ) em vez de letras – ora, se é possível usar símbolos, para que alfabetizar? Uma coisa é escrever no Facebook que alguém é D+ (em lugar de demais), outra coisa é, numa turma que está se alfabetizando, usar símbolos em vez de palavras – parecem aquelas frases enigmáticas das revistas Coquetel;
  • a confusão feita pela professora entre duas palavras de sons semelhantes (especialmente para o sotaque carioca): mais e mas; entretanto, é inadmissível que, numa situação dessas, uma professora confunda a conjunção e o advérbio, especialmente pela perturbação que isso trará ao entendimento das crianças;
  • e um agravante: no último verso aparece novamente a conjunção, desta vez escrita corretamente. Ou seja, uma criança atenta (e normalmente elas são, ainda que possam não ter percebido isso) vai achar que o + do terceiro verso é diferente do mas do último – o que não é verdade!

Ok, em sã consciência ninguém vai estudar conjunção enquanto alfabetiza, mas os conceitos de ligação, associação por oposição podem ser tratados junto às crianças – e isso está muito prejudicado pelo erro na forma escrita da poesia do sapo.

Mais do que isso: num ambiente que deve ajudar o aluno a se expressar de modo um pouco mais formal do que a conversa em família (não estou aqui defendendo que na escola só se deve usar o padrão culto da língua!), o uso de símbolos na escrita (e símbolos que confundem) só pode trazer problemas.

E depois há quem reclame que os alunos, nas redações, escrevem vc (por você), hj (por hoje), td (por tudo), kra (por cara), pq (por porque), msm (por mesmo) e aki (por aqui). Ou que critique alunos que não sabem ortografia...

Afinal, é papel do professor (e é por isso que ele é referência para os estudantes) levar aos alunos a informação correta da maneira mais adequada, que atenda às formas de aprendizagem da turma.

Por falar nisso, se os alunos, em apoio ao sapo, decidirem não lavar o pé (ou só tomar banho de lagoa) os professores também não podem reclamar. Que chulé!

Publicado em 2 de julho de 2013.

Publicado em 02 de julho de 2013

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