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Construtivismo e o ensino-aprendizagem na sala de aula

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Mestrando (Prodema/UFPB); pesquisador do Gepea-Gepec (UFPB)

Um dos maiores danos que se pode causar a uma criança é levá-la a perder a confiança na sua própria capacidade de pensar

Emília Ferreiro

Jean Piaget e o construtivismo

Jean Piaget (1896-1980), suíço, formado em Biologia e que se dedicou a estudos na Psicologia voltados à Educação, trouxe enormes contribuições para as Ciências Humanas, pela elaboração da teoria cognitiva da aprendizagem, a partir de suas pesquisas sobre o desenvolvimento biológico do indivíduo ao longo das fases iniciais da sua vida – criança e adolescência (Fernandes, 2012a).


Figura 1 – Jean Piaget

Piaget (1970) concluiu que o desenvolvimento da aprendizagem e entendimento de mundo ocorre na medida em que o cérebro, com suas conexões neurais e mnemônicas, interligam os fatos, fenômenos e percepções, permitindo um aprendizado e, ao mesmo tempo, ampliando essa capacidade ao longo do tempo e do desenvolvimento fisiológico e anatômico humano. “Não existe, entretanto, um método Piaget”, como ele próprio gostava de frisar. Sua teoria foi inicialmente conhecida como epistemologia genética (Ferrari, p. 1). Esse conceito – sujeito epistêmico – teve início com os estudos do processo de construção de conhecimentos de Matemática e Física na criança pequena, transformando definitivamente o que se sabia até então sobre o papel do aluno em sala de aula, pois o conhecimento tem sua gênese a partir da interação com o meio, não sendo admissível apenas termos em sala de aula crianças passivas que só escutam a explanação dos conteúdos sem que tenha sua interação com o conhecimento (Fernandes, 2012b).

Segundo Vellani e Pacca (1997, p. 1), as pesquisas mais recentes caracterizam esse processo como extremamente complexo, devido aos processos – físicos, psicológicos, cognitivos, afetivos, etc. – envolvidos no desenvolvimento do ensino-aprendizagem, bem como da relação professor-aluno, que é “considerada fortemente capaz de influenciar o nível de envolvimento dos estudantes nas tarefas escolares e sua vontade de persistir nelas”, gerando a aprendizagem cognitiva.

Quadro 1 – Estágios de desenvolvimento da criança, segundo Jean Piaget


ESTÁGIO

IDADE

CARACTERÍSTICAS

 

Sensório-motor

 

0-2 anos

As crianças adquirem capacidade de administrar seus reflexos básicos para que gerem ações prazerosas ou vantajosas. É um período anterior à linguagem, no qual o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos objetos a sua volta.

 

Pré-operacional

 

2-7 anos

Caracteriza-se pelo surgimento da capacidade de dominar a linguagem e a representação do mundo por meio de símbolos. A criança continua egocêntrica e ainda não é capaz, moralmente, de se colocar no lugar de outra pessoa.

 

Operações concretas

 

7-11 anos

Tem como marca a aquisição da noção de reversibilidade das ações. Surge a lógica nos processos mentais e a habilidade de discriminar os objetos por similaridades e diferenças. A criança já pode dominar conceitos de tempo e número.

 

Operações formais

 

12 anos

Essa fase marca a entrada na idade adulta em termos cognitivos. O adolescente passa a ter o domínio do pensamento lógico e dedutivo, o que o habilita à experimentação mental. Isso implica, entre outras coisas, relacionar conceitos abstratos e raciocinar sobre hipóteses.

Fonte: Ferrari, 2012, p. 3

Piaget mostrou, em sua obra, que as crianças não raciocinam como os adultos; ao longo dos estágios de desenvolvimento cognitivo e sensório-motor elas vão gradualmente se inserindo no universo da vida adulta, com suas regras, valores e símbolos da maturidade psicológica. Segundo Ferrari (2012), essa inserção se dá mediante dois mecanismos:

  1. assimilação, que é a incorporação de objetos do mundo exterior a esquemas mentais preexistentes; e
  2. acomodação, que se refere às modificações dos sistemas de assimilação influenciadas pelo mundo externo.

Figura 2 – Aprendizagem calcada na evolução dos estágios de desenvolvimento da criança

Para a criança, quando aprende, por exemplo, que aves voam por possuírem penas e assas, toda e qualquer ave que possuir essas duas características irá voar. Porém existem aves (como os pinguins e os avestruzes) que não voam, e isso afeta a criança na assimilação. Porém, na acomodação, a criança passa a entender que existem aves que não voam, passa a entender e acrescenta ao seu conhecimento que algumas aves não voam (Ferrari, 2012).

No processo de construção do conhecimento na criança, há necessidade de desmistificar o que seria “conhecimento prévio” e os chamados “pré-requisitos”. O conhecimento prévio são os saberes que os alunos já possuem; os pré-requisitos “constituem uma lista, muitas vezes arbitrária, de conteúdos e habilidades sem as quais, teoricamente, não seria possível avançar para o conteúdo seguinte” (Fernandes, 2012c, p. 2). Os pré-requisitos causam dois problemas:

  1. excluem do processo educativo alunos que não dominam determinado tema; e,
  2. quando os pré-requisitos determinados pelo professor são aleatórios, acabam não tendo relação com o processo de aprendizagem.

Emília Ferreiro e o Construtivismo

Nesse contesto do conhecimento está o Construtivismo, técnica desenvolvida por Emília Ferreiro (1936-) na alfabetização de crianças (Mello, 2005). “O desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem duvida, em um ambiente social. Mas as praticas sociais, assim como as informações sociais, não são recebidas passivamente pelas crianças” (Ferreiro, 1996, p. 24). Suas pesquisas em Psicogênese da Língua Escrita ganham o território nacional com sua primeira publicação em 1984 e expandindo-se rapidamente na pedagogia brasileira, sendo atualmente fonte da qual derivam várias das diretrizes oficiais do Ministério da Educação (Ferrari, 2011).


Figura 3 –Emília Ferreiro

Segundo Ferrari (2011), a construção do conhecimento pelo construtivismo tem uma lógica individual com interação social, na escola ou fora dela, ou seja, a criança passa por etapas, com avanços e recuos, até se apossar do código linguístico e dominá-lo, transformando e construindo o conhecimento. O tempo necessário para transpor as etapas da formação do saber é muito variável para cada indivíduo.

Quadro 2 – Fases da aprendizagem da Psicogênese da Língua Escrita (Construtivismo)

ETAPAS

DESCRIÇÃO

Pré-silábica

Não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada

Silábica

Interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada uma

Silábico-alfabética

Mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas

Alfabética

Domina, enfim, o valor das letras e sílabas

Fonte: FERRARI, 2011, p. 1.

O Construtivismo parte do princípio de que o processo de conhecimento por parte da criança deve ser gradual, já que cada salto cognitivo depende da assimilação e da reacomodação internalizados pela criança. Os erros são um momento de construção do conhecimento, e devem ser valorizados, pois “nada mais revelador do funcionamento da mente de um aluno do que seus supostos erros, porque evidenciam como ele “releu” o conteúdo aprendido. O que as crianças aprendem não coincide com aquilo que lhes foi ensinado” (Ferrari, 2011, p. 2).


Figura 4 – Representação abstrata do Construtivismo Cognitivo

Construtivismo e a sala de aula

A sala de aula é um o espaço no qual os sujeitos – aprendizes – estão reunidos para aprender, pois, segundo Rizon (2010, p. 4), “o propósito desse espaço não é apenas a reprodução, memorização e revisitação de conteúdos prontos e isolados e, por vezes, com pouca significação para o aprendente”, mas sim um local em constante movimento de entrada de conhecimentos, possibilidades, criatividade, sonhos e acontecimentos.

 


Figura 5– Representação da aplicação do construtivismo na aprendizagem escolar.

O professor/a professora, ao adentrar a sala de aula para ministrar os conteúdos curriculares, adotando o Construtivismo como técnica predominante em sua didática, deve ter como máxima o respeito à evolução nos processos de aprendizagem de cada criança, compreendendo que cada uma tem seu próprio tempo de assimilação e acomodação do conhecimento; além disso, cada indivíduo encerra dentro de si um conhecimento prévio (hipóteses), que precisa ser respeitado, resgatado – externalizado – e que deve ser utilizado no processo formal do ensino-aprendizagem (Ferrari, 2011).

Para que o conflito entre o conhecimento prévio e os pré-requisitos não ocorra – o que ensinar, como ensinar e quando ensinar –, é necessário que o professor/a professora realize o planejamento pedagógico para ter clareza desses três parâmetros citados e, assim, ter nitidez das metas, objetivos e resultados a serem alcançados, além do que fazer com os resultados que foram surgindo durante o desenvolvimento desse processo. “O reconhecimento de tais características impõe vínculos significativos ao processo de formação, básica e em serviço, dos professores” (Villani; Pacca, 1997, p. 6).

Quadro 3 – Planejamento do professor para condução plena do processo de ensino-aprendizagem

ETAPA

DESCRIÇÃO

Resultados do ano anterior

Analise os resultados do que deu certo e errado no ano anterior.

Qualidade do aprendizado

Crie um sistema de avaliação que priorize a qualidade de aprendizado e não apenas a quantidade de conteúdo memorizado.

Fazer diferente

Levante novas estratégias pedagógicas, adequadas aos modelos de aprendizagem dos seus alunos.

Gerenciamento da sala de aula

Crie procedimentos para o gerenciamento e gestão de sala de aula.

Resolução de conflitos

Crie um sistema de resolução de conflitos aluno x aluno, aluno x professor, professor x pais.

Relacionamento com a família

Crie estratégias para encantar e se relacionar com as famílias dos alunos.

Participação da família

Crie estratégias e atividades para a participação da família no ambiente escolar e fora dele.

Habilidades e necessidades

Levante pontos fortes e fracos dos alunos, trace objetivos, crie intervenções e monitore semanalmente.

Portfólio individual

Levante os modelos de aprendizagem dos seus alunos e trabalhe as inteligências.

Portfólio do professor

Levante seus pontos fortes e fracos e trace um plano para sua mudança pessoal, com metas, estratégias e tarefas a realizar.


Fonte: BRITO, 2012, p. 2.

A epistemologia construtivista acredita na importância da experiência da criança como sujeito parte fundamental do processo para elaboração do conhecimento de forma contínua, ou seja: como a construção do conhecimento está dividida por estágios do desenvolvimento, seguindo uma linearidade progressiva, onde um só ocorre quando o anterior lhe proporcionar condições físicas e cognitivas para tal, cada um é necessário e vital para saltar aos níveis superiores da formação do cognitivo da criança (Rizon, 2010; Villani; Pacca, 1997).

Considerações finais

O papel do professor/da professora está em compreender as necessidades do alunado aprendente, buscar meios para que ocorra a fluidez máxima do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o Construtivismo poderá atender não só às séries iniciais do ensino fundamental como também nas séries finais. O planejamento pedagógico entra como suporte a garantir a promoção do trabalho docente, do seu pensamento epistêmico, respeitando os saberes próprios de cada criança – conhecimentos prévios – do seu mundo e do seu cotidiano, e de como fazer para que eles o externalizem – pré-requisitos – dos processos de construção do saber – assimilação e acomodação –;cada indivíduo é único, sujeito de sua própria história e, portanto, tem seu próprio tempo nesse longo processo que busca formar não apenas cidadãos, mas seres humanos que garantam a plenitude do futuro de nossa sociedade.

Referências

BECKER, Fernando. Desenvolvimento e Aprendizagem. Série Idéias, n. 20. São Paulo: FDE, 1994, p. 87-93. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_20_p087-093_c.pdf. Acesso em 01 out. 2012.

BRITO, Roseli. Planejamento escolar e indisciplina. Disponível em: http://www.sosprofessor.com.br/blog/planejamento-anual-e-a-indisciplina-diaria/. Acesso em: 01 out. 2012.
FERNANDES, Elisângela. Esquemas de ação de Piaget. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/esquemas-acao-piaget-sujeito-epistemico-jean-617999.shtml. Acesso em: 01 out. 2012a.

FERNANDES, Elisângela. O sujeito epistêmico de Piaget. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/sujeito-epistemico-piaget-611940.shtml?page=0. Acesso em 01 out. 2012b.

FERNANDES, Elisângela. Conhecimento prévio. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/conhecimento-previo-esquemas-acao-piaget-621931.shtml?page=2. Acesso em: 01 out. 2012c.

FERRARI, Márcio. Emília Ferreiro. Revista Educar e Crescer, 01 jul. 2011. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/emilia-ferreiro-306969.shtml. Acesso em 01 out. 2012.

FERRARI, Márcio. Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio. http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/jean-piaget-428139.shtml. Acesso em: 01 out. 2012.

FERREIRO, Emilia. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 1996.
MELLO, Márcia Cristina de Oliveira. O pensamento de Emilia Ferreiro sobre alfabetização. Revista Moçambrás, n° 47, 2005, USP/UEM: CNPq e UNESCO. Disponível em: www.acoalfaplp.net. Acesso em: 01 out. 2012c.

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Trad. Alvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

RIZON, Gisele. A sala de aula sob o olhar do Construtivismo piagetiano: perspectivas e implicações. In: V CINFE – Congresso Internacional de Filosofia e Educação, Caxias do Sul-RS, Anais, mai. 2010. Disponível em: http://www.ucs.br/site/midia/arquivos/Construtivismo_Piagetiano.pdf. Acesso em 02 out. 2012.

VILLANI, Alberto; PACCA, Jesuína Lopes de Almeida. Construtivismo, Conhecimento Científico e Habilidade Didática no Ensino de Ciências. Rev. Fac. Educ. vol. 23 n. 1-2, São Paulo jan./dec. 1997. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-25551997000100011. Aceso em: 01 out. 2012.

Figuras

1: Fonte: http://www.portalangels.com/educacao/wp-content/uploads/2013/02/Jean-Piaget.jpg

2: Fonte: http://www.concursospublicos.pro.br/wp-content/uploads/2012/07/concursos-p%C3%BAblicos-como-estudar-mem%C3%B3ria-aprendizagem-como-passar-em-concurso-tempo-para-aprova%C3%A7%C3%A3o-devido-processo-cognitivo-240x180.jpg.

3: Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/img/lingua-portuguesa/022_emilia_ferreiro.jpg.

4: Fonte: http://portalsaudebr.files.wordpress.com/2012/01/construtivista.jpg

5: Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-xRTnIvOIpHg/UHypMGhQ8UI/AAAAAAAAADs/8nEPn3WRlSQ/s1600/construtivismo.png.

Publicado em 09 de julho de 2013.

Publicado em 09 de julho de 2013

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