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Lyotard, o conhecimento e a ciência no Brasil
Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva
A Condição Pós-Moderna, Jean François Lyotard, é um relatório sobre o conhecimento, feito para o Governo de Quebec; a obra examina o conhecimento, a ciência e a tecnologia em sociedades capitalistas avançadas para o período. Ali, o conceito de sociedade como forma de unicidade, como em identidade nacional, é considerado em processo de perda de credibilidade! Não é novidade tal fenômeno.
Contudo, os tempos passam e as leituras evoluem. A sociedade como unicidade, concebida como um todo orgânico (ideia defendida por Durkheim), já se encontrava em processo de questionamento severo. Outros viam-na como um sistema funcional conhecidíssimo, como Parsons. Não esqueçamos a visão que a afirmava como um todo dividido em duas classes opostas, como defendia o velho e aceito – mas filho de uma visão concreta e cartesiana – Karl Marx; talvez essa maneira de abordar fosse ou devesse à facilidade econômica e à simplicidade que permitia. Tomou oportunamente até cores ideológicas fortes na ocasião, sabemos todos. Mas era uma maneira de fugir da leitura talvez do caráter complexo de seu modo de se apresentar, intrincado, hibrido em alguns casos.
Sabemos que não é mais crível a legitimidade de coisas como, as metanarrativas defendidas por Lyotard, pois esse sociólogo nos deu subsídios para que leiamos agora realidades complexas como as de favelas, com as quais convivemos no período em que olhamos para uma nova realidade, como a da pós-escravidão-favelas-cidadania.
Essas metanarrativas seriam, por exemplo, as que afirmavam que toda sociedade existe para o bem de seus membros, ou seja, “o todo une as partes”; a relação entre as partes é justa ou injusta, dependendo da situação. Elas fornecem uma teleologia que legitima tanto o elo social quanto o papel da ciência e do conhecimento com relação a ela, como diz Lyotard. Uma metanarrativa, então, forneceria um propósito crível para ação, ciência ou sociedade como um todo. Em um nível mais técnico, uma ciência é moderna se tenta legitimar suas próprias regras por intermédio de referência a uma narrativa fora de sua própria esfera de competência. Max Weber diz que “desde a Segunda Guerra Mundial, as técnicas e tecnologias desviaram a ênfase dos fins da ação para seus meios” e que “um jogo de linguagem significa que nenhum conceito ou teoria poderia capturar adequadamente a linguagem em sua totalidade, no mínimo porque a tentativa de fazê-lo constitui seu próprio jogo particular de linguagem. Assim, as grandes narrativas não têm mais credibilidade, pois fazem parte de um jogo de linguagem que é ele próprio parte de uma multiplicidade de jogos de linguagem” (Lyotard, 1988).
“A obrigação não é o resultado da minha lei, mas da lei do outro”, reitera. Só se “pode ser obrigado se a obrigação vier de fora do meu próprio mundo, do exterior do meu mundo, do mundo do outro”. A Lei do outro que obriga “é então prova da impossibilidade de jamais se construir uma representação adequada dela”, com o que concordamos em gênero e número. “A frase ética só pode ser um sinal indicando uma obrigação que nunca possui forma concreta”. Assim, o autor conclui que:
- Só afirmações narrativas denotativas (descritivas) são científicas;
- Afirmações científicas são muito diferentes daquelas relativas às origens, que constituem o laço social;
- A competência só é exigida da parte do emissor da mensagem científica, não da parte do receptor;
- Uma afirmação científica só existe dentro de uma série de afirmações que são validadas por argumento e por provas;
À luz do que se diz no item quarto, o jogo da linguagem científica exige um conhecimento do estado existente do conhecimento científico. Assim, sabemos que a ciência não mais exige uma narrativa para sua legitimação, pois as regras da ciência estão imanentes em seu jogo.
Citando Heisenberg, afirma ainda que, nos próprios termos do sistema como performance, o controle pelo conhecimento reduz seu desempenho, já que a incerteza aumenta e não o diminui. Diz ele que hoje um novo paradigma pós-moderno está surgindo, um paradigma que enfatiza a imprevisibilidade, a incerteza, a catástrofe, o que é também analisado na obra de René Thom, Caos e, acima de tudo, no paralogismo ou na dissensão, como insistimos que a pós-escravidão brasileira deve ser estudada. A “dissensão” sempre desafia as “regras” existentes do jogo.
A paralogia torna-se impossível quando o reconhecimento é contido e a legitimação negada para novos movimentos no jogo. Silenciar ou eliminar um jogador é equivalente a um ato terrorista. A ideia de ser incapaz de apresentar uma posição que seja diferente das regras dominantes da argumentação e da validação fornece um ponto de transição adequado para a obra mais recente de Lyotard, Le différent. Diferente é o nome que ele dá ao silenciamento de um jogador em um jogo de linguagem. Pena que muitos dos nossos cientistas sociais ainda não perceberam o quanto é revolucionária tal posição e vivam de ocultamentos sistemáticos como as reverberações que amargamos de coisas não vistas com a propriedade merecida das favelas fluminenses. O jogo existe quando não existem procedimentos acordados para o que é diferente – seja uma ideia, um princípio estético, uma reclamação – ser apresentado no domínio atual do discurso. Ao invés dos “jogos de linguagem” defendidos por Lyotard, Thom fala de “regimes de frases” e “gêneros de discursos” comuns nos relacionamentos de classes, afirmando que elas possuem suas regras de formação e cada frase representa um universo absoluto. Não existe, portanto, um universo, mas uma pluralidade de universos.
Na fase da grande indústria, é a universidade de qualidade que forma os “cérebros de obra” e as escolas técnicas, com algumas raras exceções. São elas que norteiam a composição dos jogos de linguagem na oficialidade da sociedade da ordem, mas têm deixado no esquecimento parte da sociedade urbana – essa parte que optamos por solicitar socorro a J. C. Schmith com sua tão combatida “sociedade paralela” – que viveu e vive no esquecimento, abrigada nas favelas fluminenses e nas áreas de baixa renda, em que quase sempre a comportamentabilidade é oriunda de um cotidiano construído com muita dificuldade. Sua composição acaba sendo frequentemente uma questão de preocupação constante.
Para os habitantes das favelas faltou, portanto, uma inclusão social e sociocultural efetiva, e/ou mais efetiva de seu todo corpóreo, principalmente após o movimento abolicionista e o desenrolar do que denominamos pós-escravidão, guardando sua época de descompasso capitalista, a qual não se pode desconsiderar. Possivelmente, quando muito, acaba-se com a pressa, lendo com maior ou menor precisão os seus fatos representativos. Sabemos que eles são apinhados de fases distintas, em mundos socioculturais, econômico e políticos, como escravidão e pós-escravidão, mas todos foram marcados pelo império da visão científica cartesiana de outrora.
Conclusão
É bom que tenhamos nossos olhares bem abertos, espertos, vivos, para que não amarguemos quadros surpreendentemente novidadeiros. Sabemos que desde muito tempo tais sociedades eram compostas por pessoas que se organizavam/abrigavam em grupos excluídos e não podiam contar com a atenção do Estado sempre. A sociedade paralela do professor Jean Claude Schmith, em razão de seu caráter proxêmico, emocional, era corporificada na violência, principalmente pela necessidade de manter sua territorialidade, visto que sua estruturação sempre se caracterizava por ser diferente da tradicional (Zusman, 1991).
Acreditamos terem sido formadores de uma cultura própria e especial que os identificava e hoje merece ser estudada. E que hoje vemos explodir em espaços como o de favelas, onde também mora o traficante de drogas, na pratica de uma criminogênese que evolui aos olhares petrificados.
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Publicado em 09 de julho de 2013.
Publicado em 09 de julho de 2013
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