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PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURAS

CYANA M. LEAHY-DIOS

Professora (UFF), tradutora, escritora de prosa e poesia, pianista. Tem16 obras publicadas por várias editoras. Coordena a CL Edições. É PhD em Educação Literária como Metáfora Social (London University).

Ler é olhar e ver. Lemos não apenas palavras escritas ou impressas, mas também as pessoas e os objetos que nos cercam, uma leitura da qual nos apropriamos através dos sentidos, das emoções, da razão – do pensamento. A primeira grande divisória da história humana está na capacidade de comunicação simbólica, que prenunciou a invenção da escrita. Em que pese a importância da tradição oral, a invenção do livro ampliou sua fixação e transmissão em grandes quantidades e em formas especiais, de grande valor para a compreensão história da estrutura social de forma permanente, aumentando as possibilidades críticas, racionais, lógicas de comunicação do pensamento.

O livro exerce um fascínio multidimensionado na maioria das sociedades: seu poder totêmico se exibe nas bibliotecas das classes abastadas, nas lombadas trabalhadas a ouro para serem admiradas. Dominar a leitura e a escrita significa a capacidade política de cruzar a soleira do passivo para o ativo, de passar de vítima a dominador da palavra escrita.

Toda narrativa escrita pressupõe um leitor, uma leitora: pode se adaptar ao texto, pode contribuir para múltiplas interpretações e novos modos de percepção do lido. É necessário que leitores mantenham os olhares abertos às múltiplas leituras e interpretações das linguagens escritas, orais, recontadas, memorizadas. Ler exige a colocação de cada leitor de cada leitora, em primeiro plano: é um processo de transformação permanente, que se revela por meio do conhecimento construído, algo que não se mede, nem se precisa medir. Ler é inclusão desmedida.

II

A leitura, essa metáfora social, exige a integração consciente e profunda das nossas reações sensoriais, emocionais, racionais: os sentidos, as emoções, os pensamentos e as reflexões serão sempre únicos, levando a descobertas individuais. Ler é olhar e ver, não apenas as palavras escritas ou impressas, mas também as pessoas os objetos que nos cercam, uma leitura da qual nos apropriamos através dos sentidos, das emoções, . s a palavra, a pessoa, o cenário, o mundo que nos cerca, através dos sentidos, das emoções, do pensamento. Ler e pensar são processos indissociáveis, que caminham juntos da expressão nossa e do outro, na revelação e na partilha de idéias e sentimentos.

A leitura de literatura já foi considerada uma habilidade, um exercício espiritual, atividade sagrada, meio de instrução da elite, acesso à verdade absoluta e, em alguns lugares, causa de várias doenças. A invenção do livro ampliou a fixação e transmissão da tradição oral em grandes quantidades e formas especiais, de grande valor para a compreensão histórica da estrutura social de forma permanente, aumentando as possibilidades críticas, racionais, lógicas de comunicação do pensamento. O poder totêmico do livro se exibe nas bibliotecas das classes abastadas, com lombadas trabalhadas a ouro para serem admiradas.

Toda discussão social e política exige uma argumentação construída através de leitura, reflexão, análise, interpretação do discutido. A leitura também possui uma história: quem leu, o que leu, onde, quando, como. Essa história da leitura e dos leitores vem sendo cada vez mais objeto de estudos de historiadores, para entender as sociedades do passado. Afinal, se os seres humanos se comunicam através da linguagem, leitura e escrita resultam da história social, origem de todos os estudos gramaticais, lingüísticos e teóricos que dominam nossos padrões acadêmicos.

Dominar a leitura e a escrita significa a capacidade política de cruzar a soleira do passivo para o ativo e pode mudar o rumo de nossa história, nossa visão de mundo, do outro, de nós mesmos, com nossos cinco sentidos, nossas vastas emoções e todos os pensamentos possíveis.

Embora haja profissionais competentes e empenhados na dinamização da leitura nas escolas, nas salas de aula, parte considerável do corpo docente envolvido com projetos de leitura efetivamente não lê: sua disponibilidade para a leitura é mínima, e a resistência, máxima. Consideram leitura a preparação de aulas através da leitura dos manuais didáticos pré-prontos, e optam freqüentemente por ações de caráter prático, técnicas, estratégias, receitas prontas, ‘dicas’ cibernéticas facilitadoras para copiar e usar em seus espaços de trabalho. Isso dificilmente favorece a cultura popular, resíduo e sintoma do arcaísmo dos nossos meios acadêmicos, mesmo com tantas reformas de ensino.

Conforme dados colhidos em pesquisas, ler, analisar, discutir textos é um exercício cansativo, soporífico, difícil e inadequado, mesmo as coleções infantis e/ou juvenis enviadas pelo governo federal para distribuição nas escolas. Por motivos e dificuldades diversas, a maioria de nós está mais interessada nos fragmentos e retalhos de informação disfarçados como leitura literária e, pior ainda, na vida cibernética que tudo facilita. Não se trata de resistência eletiva à leitura: a maioria de nós se sente desconfortável e inseguro quanto à própria competência de ler, sem saber exatamente por que.

Como agentes da leitura da palavra e do mundo, precisamos manter os olhares abertos para as múltiplas linguagens escritas, orais, recontadas, memorizadas, com reflexões dentro e fora da escola e da sala de aula sobre o processo de transformação permanente, a leitura, reconstruída sem pesos nem medidas.

Ler permite o acesso amplo e extenso aos bens culturais da humanidade, e as variadas formas de sua produção e consumo. Esse é o princípio fundamental de educar para a cidadania: não há pedagogia sem autonomia, sem a prática da liberdade. A leitura pode desmanchar fronteiras, estendendo pontes sobre as diferenças. Ler é inclusão desmedida.

Sugestões de leitura:

Paulo FREIRE. Pedagogia da Autonomia. RJ: Paz e Terra

Pedro B. GARCIA. ‘Literatura e identidade: tecendo narrativas em rodas de leitura’, Leitura: Teoria e Prática nº 54, 2010, pp. 65-73

Marisa LAJOLO. Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. SP: Ática

Cyana LEAHY-DIOS. Educação Literária como Metáfora Social. EdUFF/ Ed. Martins Fontes (2ª ed.)

Maria Helena MARTINS. O que é Leitura? Ed. Brasiliense

Magda SOARES. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: CEALE/Autêntica

Publicado em 23 de julho de 2013

Publicado em 23 de julho de 2013

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