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O que as borboletas não sabem

Pablo Capistrano

Ilustração

Em uma entrevista disponibilizada no Youtube, o pensador alemão Peter Sloterdijk dá um diagnóstico certeiro sobre o atual estado de animo na banda ocidental da Terra: “os partidos políticos não conseguem mais dar vazão ao ódio social”.

Se há uma função importante na política é evitar a guerra. Sempre que as instituições e os mecanismos que dão conta das práticas políticas em uma sociedade entram em decadência, o diálogo sucumbe e a violência se torna uma perspectiva real.

Se há algo neste inverno que as borboletas não sabem é que Peter Sloterdijk muito provavelmente está certo.

Parece que as borboletas não sabem que vivemos um desconcertante paradoxo. Nós assumimos com voracidade uma moral capitalista, mas espantosamente continuamos a manter as velhas instituições da política aristocrática. Continuamos atrelados a um modelo antigo, arcaico, rural e familiar de poder. Um modelo no qual as instituições políticas, jurídicas e econômicas, vinculadas por misteriosas interconexões genealógicas, se fundem sob o pano de fundo de uma casta que mantém vivo o nauseante absurdo de termos aceitado uma economia de mercado mantendo uma política feudal.

Essas borboletas não entendem que existe uma estranha náusea perpassando nossas instituições políticas. Uma náusea que tem a ver com a percepção da contradição, que monta um discurso de liberdade, justiça e isonomia para esconder tradicionais práticas de exclusão e de distanciamento das ruas que marcavam as velhas monarquias do antigo regime.

Ali estão os homens da lei com seus diplomas. Estão os netos dos velhos fazendeiros do couro e do algodão, os filhos dos antigos comerciantes das cidades do interior que controlavam à bala, no tempo de Jesuíno Brilhante, a política desses sertões. Ali está a imprensa, com seus compromissos, suas conexões, suas dependências. Ali estão os representantes do povo, eleitos por trás das bandeiras dos velhos partidos, símbolos mortos que hoje perdem cada vez mais seu significado, incapazes de desmascarar a náusea de um Estado que sabe não ser aquilo que dizem que ele é.

As borboletas não sabem, mas em algum lugar está o povo (essa abstração sem forma que o Romantismo alemão inventou) observando o cenário com sua letargia cotidiana, com seu rancor histórico concentrado, com sua fome de justiça entorpecida pela novidade do consumo, que chega as classes mais baixas do abecedário.

O povo, esse detalhe que não acredita mais nas instituições.

Eles sabem que essas instituições não os representam. Que elas não conseguem mais ser porta-vozes de suas demandas. As ruas já sabem há muito tempo da estranha náusea moral que esse regime tenta esconder.

Talvez as borboletas não saibam, mas o movimento já estava guardado em potência, por muito tempo, nas entrelinhas cotidianas dessas massas de anônimos que se apertam entre porres de cachaça, forró e futebol, zonzos com o milenarismo eletrônico das seitas pós-modernas e das redes sociais e com a loucura consumista desses tempos fraturados. Estava retido no coração do povo.

Nós sabemos. Sim, nós sabemos, mesmo que intuitivamente, desses paradoxos. Sentimos essa náusea, que é um pouco a náusea de outros brasileiros, que é um pouco a desesperança desses anos em que a utopia foi enterrada na cova rasa do pragmatismo político.

Por isso, por favor, não mexa no que sobrou desse velho desejo de mudança. Não feche as portas para o que resta de nossas crenças políticas. Não permita que nossos nacos de utopia venham a padecer no balcão das negociações eleitorais. Porque, quando a política morre, o que sobra é a guerra, e na guerra ninguém – nem os servos nem os senhores – são felizes.

Sloterdijk, o velho pensador alemão, conterrâneo de Marx, Hegel e Heidegger, foi questionado pela entrevistadora estrangeira: “o senhor acredita na revolução?”. Ele respondeu: “a vida é uma permanente revolução”.

Isso, com certeza, as borboletas não sabem.

Publicado em 30 de julho de 2013

Publicado em 30 de julho de 2013

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