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O SABOR DO SABER: DESGUTANDO O CONHECIMENTO

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Mestrando do Prodema (UFPB), pesquisador do Gepea-Gepec (UFPB)

Introdução

Saber, conhecer, compreender, buscar o entendimento dos fenômenos, fatos e coisas que nos rodeiam são os impulsionadores que movem o ser humano, retroalimentados pelo nosso sentido de curiosidade que existe graças ao nosso telencéfalo, que evoluiu por milhões de anos, assim como sua estrutura corporal desde o nosso ancestral mais remoto (CÓRDULA, 1999a).

Figura 1
Figura 1 – Evolução humana, da Pré-História à contemporaneidade tecnológica.
Fonte: http://g1.globo.com/platb/files/18/2009/02/evolucaohumana.jpg.

Essa mesma evolução nos permitiu desenvolver um sistema sensorial que estimula a nossa mente e permite um aprendizado mais integrado e complexo, o que nos confere habilidades únicas e inerentes à nossa espécie, como a criatividade.

A criatividade, algo comum a todos os seres racionais (...), é usada para propor soluções fáceis a problemas inicialmente complexos e difíceis. É inata, ou seja, nasce com o ser humano, manifestando-se naturalmente e de forma inusitada (CÓRDULA, 1999b, p. 56).

O fator ambiental

À medida que passamos a entender o ambiente à nossa volta, exploramos seus recursos; começamos após milhares de nãos, principalmente na Europa, o processo civilizatório da humanidade (CÓRDULA, 2012). O ambiente deu suporte ao desenvolvimento e expansão dos aglomerados humanos que passaram a explorar as formas de construção de moradias, de facilitar o trabalho e do escambo de produtos; posteriormente, surgem a escrita, a moeda, os artesãos de ofícios e as primeiras ciências como a matemática, a filosofia e as artes (ARANHA, 1989).

A escrita por sua vez, deu início ao registro do conhecimento, que antes se dava pela oralidade e memória, passando a registrar os fatos, a vida e a história das civilizações ao longo do tempo (CÓRDULA, 2011).

A escrita causou uma revolução tão significativa nas comunicações que os historiadores estabeleceram o encerramento da Pré-História e o nascimento da História no período em que o homem começou a escrever (GOMES, 2007).


Figura 2 – Primeira forma de escrita conhecida na humanidade.
Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-x-zhJsfYFBY/TnDZAGUbqQI/AAAAAAAABrA/zs1PRJ7gEG4/s1600/nibiru26.jpg.

O sabor e a arte

Os sabores têm ligação com os saberes pela origem das palavras saber e sabor no latim; "sapor, 'sabor', relacionado ao verbo sapere, que tanto queria dizer 'ter gosto, sentir gosto', como 'compreender, saber" (LEÃO, 2013). Os sabores como fenômeno fisiológico estão ligados a um dos sentidos humanos – gustação – sendo percebido pela língua em coação com o nariz, já que são dois órgãos de percepção química, e todo sabor (ácido, amargo, doce, salgado) tem cheiro (Figura 3).


Figura 3 – Percepção conjunta do sabor pela gustação com o olfato. Fonte: http://www.sobiologia.com.br/figuras/Corpo/palada.jpg.

Um dos maiores prazeres do ser humano é a degustação dos alimentos – tanto na forma primária como nas mais elaboradas combinações – para constituir pratos típicos, regionais ou da culinária internacional. Vários filmes hollywoodianos retratam a ligação de forma poética do ser humano com a alimentação, como um romantismo ligado às degustações e apreciação dos alimentos. É tão intrinsecamente ligada à essência humana que cozinhar é considerado, por quem o faz com maestria, como uma arte de amor, pois desperta, em quem consome seus pratos, emoções profundas e um estado momentâneo de prazer absoluto (TRUCOM, 2013).

Tais emoções eram até então manifestas pelas artes: na poesia, no teatro, no cinema e em todas as suas formas de expressão. Portanto, conseguir resaltar o sabor é uma arte para poucos, pois desperta emoções variadas e, como consequência, marca na memória um momento único que é levado ao longo da vida, o que se assemelha ao saber, que deve ser aprendido, apreendido e perpetuado ao longo do tempo e de nossas vidas.


Figura 4 – Representação do sabor e a arte
Fonte: http://blogs.ne10.uol.com.br/social1/files/2012/08/gastronomia-gnocchi.jpg.

O saber e o sabor

Estudar, aprender, conhecer e entender tudo que está à nossa volta deve ser ligado a momentos de degustação do saber. Nas escolas, não se ensina a degustar, a apreciar o conhecimento como algo prazeroso; o alunado o vê como algo que cancã, maltrata, esgota a capacidade do alunado; alguns ou se identificam com alguma disciplina ou não pela falta de empatia pelo professor, pela professora. O conhecimento não emociona, mas, quando o faz (Figura 5), desperta no alunado a fome por aprender cada vez mais.

Porém, durante a formação dos profissionais do magistério não há tendência nem intencionalidade, tampouco direcionamento para despertar e estimular os sentidos humanos por meio do saber, principalmente pelo novo, sendo uma carência dos cursos de graduação (VALDEMARIM, 2004).

O conhecimento, quando é intencionalmente estimulador dos nossos sentidos, gera um momento de êxtase e despertar das emoções, clarificação mental pelo domínio de um novo saber adentrando nossa cognição (Figura 6), provocando aprendizado vívido que se perpetua em nossas vidas e tende a ser repassado da mesma forma emotiva, assim como foi aprendido, a outros sujeitos e até mesmo a outras gerações (COELHO, 2003).


Figura 6 – Ilustração do sabor e o saber no processo emotivo de ensino-aprendizagem.
Fonte: http://www.livroacessivel.org/blog/wp-content/uploads/desenho-de-um-hippie-comendo-um-sanduiche-de-livros.jpg.

A educação, o ensino e a aprendizagem devem ter sabor, cheiro, textura, intensidade visual e auditiva agradáveis, estimulando corpo e mente; devem ser incitadores e provocadores da sede pelo saber, em que o conhecimento interliga-se a outro, que leva a uma nova conexão de ideias e saberes, e assim por diante. Estudar dessa forma leva o alunado ao verdadeiro prazer e desejo pelo aprender (COELHO, 2003; CÓRDULA, 1999b).

O saber com sabor desperta o bem mais precioso da criança: a imaginação, que estimula sua criatividade e a faz voar em sua mente por mundos e aventuras imagináveis, que são alimentados pelo desejo pelo saber (Figura 7).

O professor, a professora é responsável pela formação do alunado e pode tanto estimulá-lo positiva quanto negativamente, ocasionando uma marca pedagógica e psicológica que permanecerá por toda vida; assim, o estudante poderá ser impulsionado para sempre a buscar o saber e o sabor do conhecimento, mas também poderá ser levado a parar e desistir do processo (Figura 8) (BALTAZAR, 2013).


Figura 7 – Representação do conhecimento desenvolvendo a mente da criança.
Fonte: http://comunidade.sol.pt/photos/anatarouca/images/785760/original.aspx.
Figura 8
Figura 8 – Fluxograma da complexidade da formação humana pela didática do sabor.

Considerações finais

O sabor pode estar presente na busca pelo saber, cabendo aos professores, às professoras, primeiramente degustar o saber em suas próprias vidas e aprender a apreciá-lo, despertando emocionalmente para assim conduzir poeticamente seus alunos por caminhos afetivos onde os sentidos, à flor da pele, trarão prazeres imensuráveis pelo gosto doce que possui o aprender e, com isso, sua sede e sua fome na busca pelo conhecimento nunca cessarão.

 O aluno por sua vez, deve ir com a mente, o coração e os sentidos abertos aos saberes, instigado desde sua formação familiar, pois é ela que inicia o processo educador. A família tem papel vital no processo de estimulação da criança, de desenvolver seus sentidos, levando-os a entender que existem sons diferenciados e melodias; que podemos identificar com a visão formas, cores, luz, sombras; que os alimentos individualmente possuem particularidades gustativas, odoríferas e táteis e, quando se combinam diferentes alimentos, temos novos tons de sabor; e os aromas estão em quase tudo à nossa volta, combinando e criando em nossa mente uma pintura odorífera de uma paisagem de infinitas possibilidades que mudam a todo instante; por último, mas não menos importante, o papel da pele, principalmente das mãos, em descobrir as texturas, sentindo suas sutilezas, tocando e reconhecendo objetos com o passear das mãos sobre eles, manuseando-os e sendo de fundamental importância para nos situarmos espacialmente.

Todos os sentidos permitem milhões de possibilidades e combinações; cabe despertá-los para apreciar o verdadeiro sabor do saber.

Referências

ARANHA, M. L.. História da educação. São Paulo: Moderna, 1989.

BALTAZAR, Rita. O papel da pesquisa científica na formação do biólogo nos cursos de licenciatura. Mesa-redonda. In: Congrebio, João Pessoa, 2013, UFPB/CE.

COELHO, Tom. O sabor do saber. 2003. Disponível em: http://www.tomcoelho.com/index.aspx/Artigos_Exibir/5/O_sabor_do_saber. Acesso em 19 mar. 2013.

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. EU! In: GUERRA, R. A. T. (Org.). Educação Ambiental: textos de apoio. João Pessoa: Ed. Universitária da UFPB, 1999a, p. 48-49.

______. Realidade e criatividade no contexto educacional. In: GUERRA, R. A. T. (Org.). Educação Ambiental: textos de apoio. João Pessoa: Ed. Universitária da UFPB, 1999b, p. 56-57.

______. Leitura e identidade: um processo de construção do ser humano. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, n° 29, 26 jul. 2011. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/portugues/0042.html. Acesso em 30 jul. 2011.

______. Ser humano holostêmico. Cabedelo: EBLC, 2012, 46p.

GOMES, Eduardo de Castro. A escrita na história da humanidade. Revista Dialógica, Manaus, vol. 1, n° 3, 2007. Disponível em: http://dialogica.ufam.edu.br/PDF/no3/Eduardo_Aspectos_da_escrita_na_Historia_da_humanidade.pdf. Acesso em 19 mar. 2013.

LEÃO, Eliete de Lucena. Etimologia das palavras saber e sabor. Disponível em: http://sabersapor.blogspot.com.br/2011/06/etimologia-da-palavra-saber-e-sabor.html. Acesso em 21 mar. 2013.

TRUCOM, Conceição. Alimentação: prazer x compulsão. Disponível em: http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=06689. Acesso em 21 mar. 2013.

VALDEMARIN, Vera Teresa. Os sentidos e a experiência: professores, alunos e métodos de ensino. In: III Congresso Brasileiro de História da Educação, Londrina, Anais..., 2004, PUCPR-UEL. Disponível em: http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Coord/Eixo3/484.pdf. Acesso em 26 jun. 2013.

Publicado em 30 de julho de 2013

Publicado em 30 de julho de 2013

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