Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
A proteção ao patrimônio cultural afro-brasileiro: laudo, parecer e perícia étnico-racial
Antonio Gomes da Costa Neto
Mestre em Educação, Perito Judicial em Educação.
Introdução
A Constituição Federal, entre seus objetivos, dispõe sobre a garantia ao exercício dos direitos culturais, porém o “Estado protegerá as manifestações das culturas afro-brasileiras”. Buscar-se-á neste artigo complementar a lacuna sobre as questões atinentes, por diversas vezes alegadas, em razão da inexistência de laudos periciais, técnicos e pareceres no campo das relações étnico-raciais, além do direito das comunidades quilombolas.
Especialmente em relação à proteção da cultura dos africanos e dos afro-brasileiros, eis que recente na ordem legal brasileira, quando se trata em relação à cultura dos povos historicamente formadores da nação brasileira.
Nesse passo, a cultura dos africanos e dos afro-brasileiros está expressa na dicção dos direitos individuais, sociais e difusos; portanto, sua proteção gera por via de consequência dever-poder do Estado em sua manutenção e tutela.
Atualmente, observa-se certa dificuldade na elaboração de laudos técnicos no campo das relações étnico-raciais e dos quilombolas, o primeiro em relação à implementação de estudos e da proteção à cultura dos africanos e afro-brasileiros e o segundo em relação ao direito de titulação para fins de reconhecimento.
Ambas as situações envolvem questionamentos teóricos, jurídicos e sociais cuja aplicabilidade do tema tem relação direta com os personagens sociais envolvidos no campo da cultura e das comunidades quilombolas, à sociedade como um todo.
Não se adentrará no conceito de comunidades quilombolas, cultura e relações étnico-raciais, uma vez que o presente texto tem por objetivo demonstrar os instrumentos disponíveis aos interessados e como resguardá-los.
O laudo étnico-racial
Para o exercício dos direitos, bem como a certeza dos elementos de convicção a subsidiar uma decisão a ser proferida em relação à questão étnico-racial, quer seja administrativa ou judicial, destacar-se-ão o laudo, parecer técnico e o laudo pericial.
No campo da proteção ao patrimônio cultural em relação à temática étnico-racial se constitui em laudo, parecer técnico ou perícia como o instrumento utilizado por pessoas, instituições, órgãos administrativos e judiciais, a partir de uma análise técnico-científica, cuja finalidade será instruir possível decisão ou ato que venha a ser deliberado em razão de questões atinentes à cultura dos africanos e dos afro-brasileiros.
Pode ser efetuado tanto no sentido de confirmar, indicar ou discorrer sobre a existência de critérios para fins de avaliação no exercício do controle (accountability) social e governamental ou até como objetivo de demonstrar a existência do racismo.
Já em relação às comunidades quilombolas, assim denominados laudos antropológicos, têm por objetivo garantir aos seus integrantes de determinada área as garantias e direitos constitucionais aos grupos reconhecidos como quilombolas.
Nesse passo, após o reconhecimento, integram o rol de beneficiados de políticas públicas destinados aos mesmos, ou seja, pela valorização e manutenção da cultura dos africanos e dos afro-brasileiros junto àquelas comunidades.
Ambas as situações têm em comum, a prática, por profissional capacitado para emissão de laudo ou parecer circunstanciado, contendo os elementos, fatos e motivos que ensejaram a sua conclusão. O procedimento técnico deve conter os critérios utilizados, instrumentos de avaliação, metodologia, descrição detalhada do objeto pesquisado ou avaliado, fundamentos jurídicos e teóricos, respostas a quesitos quando solicitados e, por derradeiro, a conclusão.
Dever do Estado no laudo étnico-racial
Notadamente, a grande dificuldade do exercício regular de direitos subjetivos está exatamente na ausência de documento hábil a ser utilizado pelos interessados no exercício regular dos elementos de convicção das autoridades (administrativas e judiciais).
No que tange ao laudo pericial a ser utilizado em juízo, haver-se-á de ser produzido por profissional habilitado, em que a outra parte por certo apoiar-se-á também de outro técnico.
Nessas situações, havendo necessidade, a autoridade judiciária designará perito judicial para apoiar sua decisão, utilizando o chamado cadastro de peritos do juízo.
Todavia, na ausência de profissionais cadastrados ou habilitados, haver-se-á outra forma de fazê-lo, inclusive como serviço prestado diretamente pelo Estado sem custos ou ônus ao erário, apenas a remuneração dos seus servidores.
Esse instrumento, pouco utilizado na área judicial ou administrativa, encontra amparo na ordem legal nacional e internacional de proteção ao patrimônio cultural dos africanos e dos afro-brasileiros.
Como é de conhecimento geral, existem os chamados órgãos de acompanhamento e monitoramento de políticas públicas para a questão racial; atualmente devem possuir obrigatoriamente em seu quadro efetivo especialistas em relações étnico-raciais.
Porém, a ausência desses profissionais poder-se-á ser suprida, especialmente, quando considerado que o laudo ou parecer técnico deva ser produzido por profissional devidamente habilitado, com alto grau de conhecimento sobre o tema.
Nesse passo, utilizando-se do princípio da legitimidade e economicidade, haver-se-á de buscar dentro dos quadros da administração os servidores públicos, efetivos ou temporários, habilitados para esse desiderato.
Profissionais pareceristas
Consoante dispõe as legislações nacional e internacional de proteção ao patrimônio cultural, ora recepcionada na ordem legal brasileira, verifica-se que na ausência de profissionais à disposição dos órgãos diretamente interessados, haver-se-á como solicitar sua intervenção de terceiros devidamente habilitados.
No caso do Poder Judiciário ou da autoridade administrativa, encontra-se disciplinada no regulamento do processo administrativo e civil a possibilidade de solicitar a emissão de parecer ou quando o órgão não dispuser de profissional especializado por outro técnico integrante da administração.
Esse instrumento, inclusive, está previsto na legislação referente aos processos licitatórios perante a administração pública, especialmente pelo fato de que, em se tratando de tema referente à proteção à cultura afro-brasileira, notadamente haver-se-á de subsidiar em parecer especializado.
Outra previsão na ordem legal internacional, de que o Brasil é signatário, dispõe sobre os organismos internacionais poderem solicitar assistência técnica e de igual forma fornecer, quando solicitado, pareceres de peritos.
No mesmo sentido, a legislação cultural prevê inclusive a cobertura dos custos referentes à emissão do respectivo laudo por especialista, nesse caso, quando solicitado e previsto no devido programa de apoio.
Existem, ainda, os denominados conselheiros, em nível federal, estadual, distrital e municipal, para relações étnico-raciais e cultura cuja seleção é norteada em face de seus profundos conhecimentos relacionados à temática; portanto, na qualidade servidores públicos temporários, também deverão atuar quando chamados.
Observe-se que os quadros desses conselheiros é constituído em sua grande maioria por especialistas, que são indicados para compor esses órgãos pelo seu amplo envolvimento e conhecimento sobre o assunto abordado.
Porém, no campo do conhecimento, existe um local por excelência que constitui o maior banco de especialistas para a cultura e valorização do patrimônio afro-brasileiro, os quadros dos pesquisadores-docentes universitários e demais técnico-especialistas.
Como é notório, aquelas instituições são geridas e administradas com recursos públicos; portanto, no seu dever de ofício, aqui nos referindo à obrigatoriedade de prestação de serviços à cultura afro-brasileira, eis que atividade reconhecida como de interesse público.
Por sinal, uma vez que já remunerados pelo Estado, com garantia de excelência do conhecimento, não há como recusar efetuar a prestação do serviço em favor da sociedade, do Estado especialmente em favor da população beneficiada, inclusive como forma de política pública afirmativa, além de atividade inerente à política pública do Estado antirracista.
Esse conhecimento e essa capacidade teórica, aliados ao objetivo do Estado de propiciar à população um serviço essencial para o desenvolvimento da população, seriam em princípio o local ideal para convocar esses especialistas, desde já demonstrando que seria sem custos para o Estado, afinal apenas transcorreria a devolutiva da sua própria atividade como servidor público.
Oportuno consignar que, como se trata de atividade do Estado, incluída dentro de uma política pública antirracista, haverá de ser considerada como critério de produtividade permanente, valendo inclusive para inclusão no sistema de avaliação das instituições e dos próprios pesquisadores-docentes e demais técnicos especialistas.
Conclusão
Buscamos discorrer neste breve ensaio sobre o que existe no sistema administrativo e judicial brasileiro quando da necessidade de elaboração de laudos técnicos, parecer ou perícia no campo das relações étnico-raciais, profissionais devidamente habilitados nos quadros da administração, efetivos ou temporários.
Quando em juízo poder-se-á recorrer ao cadastro de peritos; em sua ausência, deverá solicitar junto à administração pública, por seus entes administrativos, profissionais capacitados para o desenvolvimento de tal mister, eis que se trata de serviço publico relevante e de interesse da administração.
Em relação à atividade administrativa, quando necessário, dever-se-á solicitar, em razão do dever de ofício, servidores do quadro administrativo, efetivos ou temporários, especialmente nos órgãos de proteção à cultura e à igualdade racial, incluindo aqui obrigatoriamente os pesquisadores-docentes universitários em razão do seu notório conhecimento.
Nesse tocante, as legislações nacional e internacional recepcionadas na ordem legal preveem dentre outras coisas o direito e o dever da participação e auxílio de profissionais para emissão de laudos, pareceres técnicos e perícias judiciais e administrativas acerca da proteção e valorização da cultura afro-brasileira.
Notadamente, a recusa somente poderá ocorrer em hipóteses de impedimento, suspeição, desconhecimento do tema ou fora da sua área de atuação, conforme dispõe a legislação do processo administrativo e civil; caso contrário, sujeitam-se às sanções administrativas quando do exercício de atividade de Estado de proteção à cultura afro-brasileira e no exercício regular da atividade de pesquisadores-docentes e técnico-especialistas.
Os laudos, pareceres e perícias serão emitidos sem custos ou ônus para o Estado, ressalvada a hipótese de programa específico, eis que se trata de política pública de Estado antirracista e ação afirmativa permanente, cuja atividade poderá ser incluída no critério de avaliação dos seus elaboradores como de interesse público.
Assim, baseado no princípio da economicidade e legitimidade, haver-se-á de buscar dentro dos quadros da administração os servidores públicos habilitados para esse desiderato, uma vez que se trata de dever-poder do Estado na proteção e tutela da cultura afro-brasileira, constituindo-se em serviço público relevante e de interesse nacional e internacional.
Publicado em 22 de janeiro de 2013.
Publicado em 22 de janeiro de 2013
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.