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Freud e a Antropofagia Modernista

Alexandre Amorim

De acordo com Freud, em seu ensaio Moisés, o seu povo, e a religião monoteísta, o homem primitivo vivia em pequenas tribos, centradas em uma figura masculina. As mulheres eram propriedade dessa figura central e os outros homens eram submissos a seu desejo. Eles poderiam ser mortos, castrados ou expulsos do grupo, de acordo com as ordens do líder. E esse líder, sozinho, agregaria uma família. Mas um fato mudaria o curso desse tipo de sociedade: aqueles expulsos do grupo se juntariam para roubar as mulheres de seu próprio pai (ou líder), matá-lo e comê-lo.

O canibalismo, aqui, difere as complexas relações humanas de uma mera disputa de poder social. O fato de um filho comer seu próprio pai faz a luta pela sobrevivência se tornar mais do que uma busca por posses ou poder. É uma espécie de sinal de respeito por aquele que foi derrotado. Esse sinal é a origem da teoria de Freud sobre o canibalismo: filhos odeiam e temem seus pais e desejam tomar seu poder, apesar de honrá-lo como um modelo a ser seguido.

Não é à toa que Oswald de Andrade, em 1928, saúda a “deglutição do Bispo Sardinha” e lança seu movimento com as palavras de ordem “tupi or not tupi, that’s the question”. A paródia de Shakespeare é como um reconhecimento de que o bardo deve ser honrado, mas já é hora de fazer valer a consciência dos índios encontrados em nossas terras pelos portugueses e outros europeus. E a consciência indígena que Oswald valoriza é “participante [...] contra todos os importadores de consciência enlatada”, porque há vida nessa consciência, e não apenas uma reprodução sistemática, acrítica e morta de regras ou leis. A vivacidade e a vivência são a ordem antropofágica, para que não haja mais a idolatria pelo tabu das regras. As regras devem ser comidas e transformadas.

“Transformar tabu em totem”, manifesta-se Oswald. Para Freud, o objetivo de um tabu criado é basicamente a manutenção de um determinado Estado comunitário. O tabu serve para manter relações sociais, e a desobediência a ele acarretará inevitavelmente a modificação da relação indivíduo-sociedade. O temor ao tabu se cinde em veneração e horror. O tabu se relaciona com a neurose (apresentada como uma fixação obsessiva) em seu mecanismo de estruturação de proibições, que serão temidas e desejadas de modo inconsciente. A partir dessas proibições, regras são criadas e o conjunto dessas regras constitui um totem, uma norma de conduta que perde sua origem e continua a existir pela sua função mantenedora do status comunitário.

Essa manutenção de um estado se consolida em totem, em ordem que perde sua origem e se mantém por tradição. O tabu transforma-se em uma “força com base própria [...]. Desenvolve-se nas normas do costume e da tradição e finalmente da lei”, de acordo com Freud em Totem e tabu. E, antes mesmo de sua consolidação em lei, o tabu passa a formar o totem, o código moral de uma comunidade. Por essa razão, todo tabu, conforme os ensinamentos freudianos, pode ser comparado à obsessão neurótica da proibição. O tabu é em si um anteparo social contra o instinto selvagem dessa mesma sociedade, aliado à sua natureza irracional, fundamentada no medo do misterioso e dando lugar à veneração do sagrado. Em outras palavras, o tabu traz em si a força da metafísica, se considerarmos o conceito aristotélico de metafísica como a busca das causas primeiras do ser, já que o tabu nasce de forma indeterminada e se fortalece através de si mesmo, alimentado pelos costumes sociais. O tabu é metafísico em sua natureza indeterminada e na tentativa de uma resposta à sua existência em sua essência, ou seja, uma busca em si mesmo. O tabu é coletivo, e o totem consolida a ideia de que o coletivo é maior do que o individual.

Ainda em termos freudianos, é sabido que a quebra do tabu destrói o totem, por isso o autor modernista conclama a transfiguração do tabu em totem: tudo deve ser recriado, migrado para outras ideias éticas e estéticas. Deve haver a “fuga dos estados tediosos”, recomenda Oswald. Porque a Antropofagia é, antes de tudo, a criação – e a criação fecundada de alegria. Também por isso o Modernismo leva o índio ao patamar de ser idolatrado e idealizado como figura fundadora dessa ideologia: “antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”. E a Antropofagia requer a felicidade para a criação.

A partir daqui, a análise do Manifesto Antropofágico se torna um tanto quanto influenciado pela visão dionisíaca de Nietzsche, mas aí, já é um outro artigo...

Publicado em 22 de janeiro de 2013

Publicado em 22 de janeiro de 2013

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