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Vamos fazer um filme? Do quadro-negro à tela grande: reflexões sobre o cinema na escola

Hugo Carvalho Villa Maior

Professor de Língua Portuguesa na rede estadual de educação; técnico em assuntos educacionais relacionados à Educação Básica na UFRJ.

Na sala de aula se busca o que queima, não a gramática...

Cezar Miglorin

Ilustração

O surgimento do cinema não está relacionado a uma circunstância ou, muito menos, a uma única personagem. Uma série de acontecimentos em diversos pontos da Europa e dos EUA concorrem quando se trata de reconstruir a história do cinema, que, segundo se conta, tem sua origem no início do século XX, mas já no século XIX temos noticia de que alguns “brinquedos ópticos” já começavam a aparecer.

A história do cinema não está apenas relacionada à projeção das imagens em movimento; há uma série de divertimentos populares, como uma feira de variedades que misturava circo, espetáculos de música e de mágica onde se fazia aparecer e desaparecer imagens (MASCARELLO, 2006). O aperfeiçoamento das técnicas fotográficas e o aparecimento do celuloide, um suporte fotográfico mais flexível, contribuíram bastante para o aprimoramento das técnicas e definitivamente para a inserção do cinema no último século.

O primeiro estúdio de cinema do mundo iniciou suas atividades por volta de 1894 em Nova York; foi apelidado de Black Maria por parecer com um camburão de polícia da época. Constituía-se em uma construção totalmente pintada de preto com um teto retrátil que permitia a passagem da luz e que girava sobre si mesmo, a fim de acompanhar a luz solar. No seu interior, dançarinos, acrobatas de vaudeville, atletas e animais tentavam reproduzir os números realizados nas feiras de variedades, trazendo as atrações de rua para dentro dos estúdios.

A história do cinema faz parte de uma história mais ampla, que engloba não apenas a história das práticas de projeção de imagens, mas também a dos divertimentos populares, dos instrumentos óticos e das pesquisas com imagens fotográficas. Os filmes são uma continuação na tradição das projeções de lanterna mágica, nas quais, já desde o século XVII, um apresentador mostrava ao público imagens coloridas projetadas numa tela, através do foco de luz gerado pela chama de querosene, com acompanhamento de vozes, música e efeitos sonoros (COSTA, apud MASCARELLO, 2006, p. 17).

As interfaces entre o cinema e a educação, porém, são bastante comuns. As tentativas, frutíferas ou não, de inserção da escola no cinema ou mesmo do cinema na escola são uma prática corriqueira entre os profissionais da área. A forma com que professores e educadores se apropriam de uma extensa cinematografia é que pode ser diversa: desde o entretenimento ao simples “tapa-buraco” para cumprir os duzentos dias letivos da Lei nº 9.394/96.

O cinema olha os professores/as, capturando a docência. Apreende-os, compreende-os em sua humana condição. Observa-os e interroga-os, mirando-os em seus encontros e desencontros com as crianças, adolescentes e jovens nos territórios da escola. Reporta-se às salas de aulas, aos corredores, aos pátios, aos espaços escolares das relações do ensinar-aprender-aprender-ensinando (TEIXEIRA, 2010, p. 245).

Ainda que haja preocupação de não fazer do “cinema na escola” um mero preenchimento de lacunas, as práticas educativas que se apropriam da sétima arte para encaminhar discussões no contexto escolar podem estar fadadas ao fracasso se o encaminhamento dado ao trabalho pós-exibição não conseguir dos alunos uma inscrição minimamente autoral. Ao se observar a relação entre escola e cinema, percebe-se que de nada adianta “um bom filme” se não se sabe o que fazer com ele, embora o fato de “nada se fazer” ser um bom começo por significar muitas vezes que o educador conseguiu vencer a tentação de transformar o filme em avaliação para nota: “é preciso aprender e desaprender com o cinema. Desaprender um certo modo de olhar, de pensar e de sentir, para constituir um outro. É preciso trans-ver, ver com imaginação. Com sensibilidade e delicadeza” (FRASQUET, apud TEIXEIRA, 2010, p. 263).

O cinema tem se ocupado bastante da educação (e por que não dizer da escola?) e já há algum tempo as salas de aula dos mais diversos lugares e realidades têm servido de cenário para uma rica cinematografia, assim como os atores sociais que circulam pelos corredores escolares têm se transformado em personagens na tela do cinema. Teixeira (2010) analisa três filmes que têm como tema principal à instituição escolar:

Falamos de um tipo de cinema que agrega ideias e beleza à educação do olhar: que precisa, que ajusta e amplia. Que indaga e convoca. (...) Encontramos esse tipo de cinema em quatro obras cinematográficas, de diferentes diretores, vindas do Irã, da França e do Brasil recentemente, quais sejam: O jarro, de Ebrahim Forouzesh (Irã, 1993); Quando tudo começa, de Bertrand Tavernier (França, 1999), Entre os muros da escola, de Laurent Cantet (França, 2008) e Pro dia nascer feliz, de João Jardim (Brasil, 2006). Nestes filmes, professores e docência são trazidos à tela em sua humana, desafiante e frágil condição. Neles estão questões e inquietações de uma arte da docência. (TEIXEIRA, 2010, p. 246).

A autora tece algumas considerações sobre cada uma dessas produções; a primeira delas é uma produção iraniana cujo enredo se desenvolve em torno de uma situação-problema vivenciada pelo professor e suas duas turmas na escola: a quebra de um jarro, o único recipiente disponível para guardar a água daquela escola. Teixeira (2010) ainda traça uma possível aproximação entre a realidade vivida naquela película e a brasileira, sobretudo se considerarmos as escolas do interior. O filme é definido pela autora como belo e de “despojada linguagem”:

Como o professor aparece em O jarro, esta encantadora obra de Ibrahim Forouzesh? Que imagens traz à tela sobre a docência numa escola do deserto? O filme apresenta em vários tons e matizes o sujeito sociocultural professor. Ali está um professor em sua humana condição, em uma pequena escola de um vilarejo no deserto do Irã, onde estão suas duas turmas de crianças e adolescentes. Uma escola semelhante às que existem no campo ou em pequeninas cidades do Brasil, com turmas multisseriadas (TEIXEIRA, 2010, p. 246).

Em Quando tudo começa (1999) vemos um professor-diretor de uma escola infantil angustiado, que não consegue em suas inúmeras outras situações de vida, seja como filho, padrasto, namorado separar-se do seu eu-professor:

Este trabalho, diferentemente dos demais, é denso, intenso e largo quanto às cenas situações vividas pelo professor-diretor Daniel, o protagonista central, em seus outros tempos de vida. Suas relações, tensões e experiências como filho, como companheiro e como padrasto compõem o enredo, dando visibilidade a seus outros pertencimentos e experiências, sua condição não somente de trabalhador professor e gestor escolar, mas de homem, de filho, de namorado, de cidadão francês, sensível e comprometido com os problemas sociais, com a política, com a problemática do sistema educacional francês (TEIXEIRA, 2010, p. 248).

Já em Entre os muros da escola o grande protagonista passa a ser de fato a sala de aula, cenário de conflitos e tensões entre corpo docente e discente. O filme mostra uma escola francesa que, assim como no Brasil, é miscigenada e heterogênea; a maioria de seus alunos é de famílias não francesas, trazendo à baila a discussão sobre imigração. O filme se confunde com a linguagem-documentário, embora se trate de uma obra de ficção:

Na linguagem e na estética fílmica, o diretor se utiliza basicamente de sons locais e de ruídos do ambiente. Buscando enfatizar e direcionar nossa atenção para determinado ponto, Cantet Laurent elimina tudo que poderia desviar o olhar e sentidos dos espectadores para além do espaço da sala de aula. A filmagem desse interior o desnuda através de closes e outros ângulos fotográficos que levam o público a implicar-se com o que ali se passa, a envolver-se com os dilemas do professor (TEIXEIRA, 2010, p. 250).

Em Pro dia nascer feliz (2006), de João Jardim, a direção tenta abarcar o panorama da educação no Brasil visitando as escolas e seus personagens em várias capitais do país, ainda que para isso tenha que sacrificar boas e pequenas histórias desses mesmos personagens, o que só a intimidade e o close da câmera de filmar poderia trazer. O grande trunfo desse documentário é justamente se tratar de obra-documentário, gênero a princípio não tão visitado pelo grande público e por dar voz aos alunos muito mais que a seus professores.

Nas cenas e imagens juvenis vamos nos encontrando com o vigor da juventude, com suas ousadias e possibilidades, com suas angústias e alegrias. Ali estão eles e elas, jovens brasileiros, com seus projetos e sonhos – ou mesmo sem eles –, com suas vidas e histórias individuais e coletivas (TEIXEIRA, 2010, p. 253).

Porém, o lugar que o cinema ocupa, ou vem ocupando, dentro das salas de aula é que ainda não está claro. Qual o real espaço ocupado pelo cinema na Educação Básica?

Ensinar a olhar, ver, contemplar e perscrutar o mundo à nossa volta faz parte da tarefa do educador. Assim, cabe questionarmos como vemos e lemos o mundo e suas representações e como podemos compreender os inúmeros textos, em formas de palavras, sons e imagens que nos cercam. Essas questões fazem parte da prática contemporânea, pois a leitura e a compreensão de diferentes linguagens expressas em variados suportes constituem formas de letramento (THIEL, 2009, p. 12).

Em ensaio sobre o tema, Frasquet (2007), ainda que não responda diretamente a essa questão, discorre sobre o assunto desdobrando a discussão a partir de alguns pontos elaborados por Aumont e Marie (2003). Aqui trataremos os pontos que, de alguma forma, mais dialogam com cinema e educação.

O primeiro deles, o cinema como escrita, trata justamente da potencialidade do cinema como linguagem, seja o cinema-documentário, seja o cinema-ficção, com todas as suas especificidades, idiossincrasias e incoerências. Porém, devido à sua natureza fílmica, imagética, limitada, em certo sentido, e, ao mesmo tempo, provocativa e indagadora, alguns preferem entender o cinema como uma escrita, muito menos por sua capacidade linguística do que por sua facilidade de se inscrever no real, subvertendo-o, inventando uma outra lógica e, por que não dizer, um outro real.

A escrita é um processo que supõe, fundamentalmente, dois processos: lembrar e inventar. Precisamos da memória para escrever. Do que já temos lido e escrito, ao mesmo tempo precisamos “repetir diferente”, parafraseando Manoel de Barros. No cinema também existe essa possibilidade de ativar lembranças da memória e da imaginação, de inventar o passado e lembrar futuros (FRASQUET, 2007, p. 44).

O segundo ponto seria justamente entender o cinema como pensamento e acreditar na capacidade do cinema de colocar ordem no caos, organizar o real, ainda que, como arte, uma de suas potencialidades seja a capacidade de desordenar, desconstruir e desorganizar a realidade que o cerca, propondo sempre o inacabado, o que está por fazer, por construir, a ponto de a realidade poder ser discutida não apenas pelo cinema, mas a partir dele.

Se podemos pensar no cinema como uma máquina de pensar, de produzir pensamentos, de atravessar a história, o tempo, o espaço, o real, o possível, o imaginário, o sonhado, estamos sendo implicitamente convocados a pensar e sonhar acordados algumas ideias, possibilidades, aventuras, temores, sensações, desejos, lembranças e projetos (FRASQUET, 2007, p. 45).

O cinema como produção de afeto é o terceiro ponto ao qual podemos nos dedicar, sobretudo se entendemos o cinema como uma das interfaces possíveis com a educação. Educação que, na condição de aprendizagem, também se articula como espaço do desejo. Não há aprendizagem se não há o desejo de aprender, ou, como dizem os colegas psicopedagogos, de aprender a aprender.

Ao assistir a uma película, raramente podemos pressentir, para não dizer pré-sentir, a experiência que esse filme pode nos causar, desde lembranças relativas ao passado às lembranças futuras, do que não foi vivido, vivenciado, experimentado pelo espectador, desde a completa passividade ao total estranhamento: “as emoções e os sentimentos se sacodem frente à tela grande, transcendem o momento presente, levam-nos de passeio a nosso próprio passado e, às vezes perduram, fazendo-nos pensar, sentir...” (FRASQUET, 2007, p. 46).

Outro ponto que também se entrelaça com o cinema como produção de afeto é o cinema como simbolização do desejo, uma vez que simbolizar, sobretudo nessa esteira entre arte e educação, é notadamente a possibilidade de criar, inventar, além de ampliar, diversificar, partilhar desejos, experiências e afetos, circunscrevendo e intervindo na organização do espaço e no mundo à nossa volta.

A simbolização do desejo é outra possibilidade com o cinema. Simbolizar o desejo é também uma forma de criar. Talvez ela constitua a primeira etapa de sua consumação. Além da possibilidade de simbolização, a experiência estética – em alguns filmes – permite-nos inclusive diversificar nossos desejos, abrir novas possibilidades reais ou fantasiadas (FRASQUET, 2007, p. 46).

Apenas entendendo o cinema como produção de afetos e simbolização do desejo é que passamos a vislumbrar também o adulto que renuncia aos desejos da infância e que encontra no cinema a possibilidade de resgatar seus desejos mais infantis que foram abandonados em função da urgência do mundo dos adultos: “Se o cinema favorece a expressão de afeto e simbolização dos desejos, estamos, neste final, encontrando uma ideia, uma forma de recuperar os desejos da infância dos adultos, que cresceram pagando o alto custo de afogar seus desejos” (FRASQUET, 2007, p. 46).

Miglorin (2010), em texto sobre a relação entre educação e cinema, fala dessa promiscuidade de linguagens que a própria natureza fílmica nos proporciona, o que em sala de aula torna-se extremamente rico e oportuno, uma vez que o contato com as diversas formas de textos, nos mais variados suportes, constituem em si práticas de letramento.

Os filmes são sempre imbricados, misturados a tantas outras formas de expressão e muitas outras formas de diálogos com o espectador. Da publicidade ao Youtube, da TV ao elevador, somos exploradores de naturezas eletrônicas, coloridas, ruidosas. Não existe cinema fora desse universo (MIGLORIN, 2010, p. 2).

Ainda pensando a respeito dessa relação entre cinema e educação, o autor fala dessa escolha, ou mesmo dessa não escolha, da escola pelo cinema em detrimento de todas as outras formas de arte. Por que o cinema cabe, ou não cabe, na sala de aula, uma vez que frequentemente é privilegiado, ou relegado pelos próprios professores em suas práticas?

Não significa dizer, simplesmente, que o cinema se confunde com todas essas imagens ou todas as outras artes. Fora a possibilidade de pensarmos o cinema como paradigma teórico para as imagens em movimento, o que nos interessa aqui é que o cinema não se difere em natureza em relação às experiências possíveis nas outras artes, mas em intensidade (MIGLORIN, 2010, p. 2).

E talvez essa intensidade, como característica intrínseca ao cinema, seja a mais cara e a mais rechaçada pelos profissionais de educação de modo geral, pois a medida exata dessa intensidade é que não se sabe, ou que não se pode ao certo definir, o que se torna extremamente perigoso em contexto escolar, uma vez que a escola é a via que tenta, bem ao seu modo, padronizar as sensações, as experiências, medos e desejos de tal forma que torna desinteressante qualquer tipo de partilha entre alunos e professores.

Seu poder reside justamente em um buraco, uma fenda entre os filmes e seus efeitos. Como sabemos, cinema não é uma secretária eletrônica que recebe e envia imagens. Não há passagem ideal entre o que um filme quer dizer e a experiência que se faz com esse filme (MIGLORIN, 2010, p. 4).

O que está posto no cinema, então – se é que isso ainda é possível quando falamos em cinema – é o que Ranciére chamou de regime estético das artes, o que coloca o espectador em jogo com os inúmeros signos, imagens, diálogos e janelas que se abrem e se sobrepõem umas às outras, ao passo que, em contato com a sala de aula, é trazida para o contexto escolar toda essa discussão, assim como toda essa impossibilidade de previsão que se instala entre a mensagem que o cinema traz e o espectador.

Tal descontinuidade é própria a um certo regime de imagens, (...) que insere o espectador em um processo no qual a fruição passa por uma recepção de signos heterogêneos, elementos que se negam, somam, dialogam, mas que não organizam o mundo a partir de um conhecimento que antecede as imagens (MIGLORIN, 2010, p. 4).

Tal impossibilidade se dá justamente porque dialogamos com a esfera da criação, uma vez que, ao assistir a um filme, estamos, assim como seu autor, recriando um novo filme, ressignificando o real, a própria película, o que foge, necessariamente, do controle de educadores e educandos, ao passo que criar significa, ainda que simbolicamente, dialogar com o que de fato ainda não existe no mundo real, apenas no mundo das ideias. Criar significa, notadamente, dialogar com o impossível.

Eis o primeiro risco do cinema na escola. Com o cinema na escola não se ensina mais isso ou aquilo, e sim o abandono; a potência de não ser mais isso ou aquilo. A experiência com o cinema instala-se na insegurança, estranhamento e instabilidade na criação (MIGLORIN, 2010, p. 3).

Ainda segundo Miglorin (2010), o cinema se instaura na ignorância sobre o mundo, nada sabe, nem pretende saber sobre ele. O cinema se instaura na dúvida e não se propõe a explicá-la; pelo contrário, reforça o não saber, o que interroga, o que invoca e o que evoca. A escola que se vê como aquela que é detentora de todas as respostas de repente se encontra ameaçada pelo cinema que prima pela possibilidade de fazer perguntas.

O cinema é um relacionar-se com o mundo que mais interroga, vê e ouve do que explica. Trata-se de um posicionamento propriamente estético da ordem da ocupação dos espaços, dos tempos, dos ritmos, dos recortes, das conexões e rupturas. No limite do que é espaço e do que é vazio, do que é fala e do que é grito, do que é sonho ou realidade, do que é este mundo e do que já é outro. Instalar-se nessas indiscernibilidades é o que o cinema pode e arrisca (MIGLORIN, 2010, p. 3).

O cinema propõe, então, a experiência no seu sentido mais benjaminiano, o de estar no lugar do outro e experimentar, a priori, algo que, se não fosse essa experiência, o sujeito jamais experimentaria. O cinema possibilita ao professor sair do lugar daquele que ensina, podendo talvez experimentar o seu reverso: estar no lugar daquele que aprende. Aprende com os alunos, com o próprio cinema, aprende com um software livre de animação, que quem sabe não poderá ser utilizado na sua sala de aula e, finalmente, animá-la. É pela experiência que o professor pode sair do lugar daquele que ensina para experimentar com os alunos. Experimentar no lugar de interpretar – como tanto insistiu Deleuze. “Podemos dizer, então, que o cinema é uma experiência na transformação da realidade” (MIGLORIN, 2010, p. 4). O cinema é uma ação estética de forte dimensão política, diz Miglorin (2010) em seu ensaio, e ao se deparar com os efeitos devastadores do cinema na sala de aula realça a possibilidade de criação e invenção que esse mesmo cinema pode ter entre as crianças de qualquer idade, mesmo um adulto-criança ou uma criança-adulta, o que já é, necessariamente, um grifo meu.

Na escola o cinema se insere como potência de invenção, experiência intensificada de fruição estético-política em que a percepção da possibilidade de invenção de mundos é o fim em si. Como coloca Jean-Marie Straub em entrevista a Bergala, em um plano que vale a pena “Há algo que queima no seu interior” (MIGLORIN, 2010 p. 5).

O cinema como mediador da criatividade, inventividade, só se realiza de fato porque a partir dele pode se organizar, desorganizar, pessoas, idades, inteligências, vivências as mais variadas possíveis em torno de um único filme, história, narrativa... O cinema que, como uma obra aberta, pode aconchegar, acolher, dialogar com múltiplas leituras e perspectivas torna, por extensão, a própria escola, ainda que, a seu modo e a seu tempo, um espaço essencialmente democrático, o que pode ser essencialmente perigoso, em se tratando de um contexto escolar, porque põe em jogo, em xeque, a autoridade e, mais do que isso, o saber desse professor.

O cinema não se encontra na escola para ensinar algo a quem não sabe, mas para inventar espaços de compartilhamento e invenção coletiva, colocando diversas idades e vivências diante das potências sensíveis de um filme. Digamos assim: a democracia é o acontecimento que provoca o encontro não organizado de diversas inteligências, uma ação em si emancipatória (MIGLORIN, 2010, p. 5).

Referências

FRESQUET, Adriana (Org.). Imagens do desaprender: uma experiência de aprender com o cinema. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2007.

MASCARELLO, Fernando (Org.). A História do cinema mundial. São Paulo: Papirus, 2006.

MIGLORIN, Cezar. Cinema e escola, sob o risco da democracia. Revista Contemporânea de Educação. UFRJ, Rio de Janeiro, v. 5, nº 9 janeiro/julho 2010.

TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. O que nos retém aqui? O cinema interroga a docência. Coleção Didática e Prática de Ensino: Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte, Autêntica, 2010.

THIEL, Grace Cristiane; THIEL, Janice Cristine. Movie Takes: a magia do cinema na sala de aula. Curitiba: Aymara, 2009.

Publicado em 22 de janeiro de 2013

Publicado em 22 de janeiro de 2013

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