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A ECOSOFIA E AS TRÊS ECOLOGIAS DE FÊLIX GUATTARI NA FORMAÇÃO DO SUJEITO ECOLÓGICO

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Mestrando (Prodema/UFPB); pesquisador do Gepea/UFPB; diretor de Educação Ambiental SEMA (Cabedelo)

Existe uma ecologia das ideias danosas, assim como existe uma ecologia das ervas daninhas.

Gregory Batson

Felix Guattari (1930-1992) foi um filósofo francês considerado um pensador multifacetado, polêmico e aventureiro, que passeava entre muitos artistas, obras, partidos e movimentos sociais. Procurou, em suas obras, abarcar as questões sociais, humanas, políticas, econômicas e ambientais, com base na subjetividade e na transdisciplinaridade. As três ecologias teve sua primeira edição em 1990; hoje está na 20ª; sua densidade é surpreendentemente distribuída em apenas 56 páginas. A obra alerta para a condição humana neste planeta em virtude das nossas ações sem projeção consciente, que vêm ocorrendo ao longo das gerações e que culminaram nos graves desequilíbrios ecológicos da contemporaneidade, além de enfatizar a formação de um novo ser humano, com base nas três ecologias que ele descreve ao longo da leitura.

A linguagem profunda e subjetiva do autor remete a inúmeros fatos, períodos e contextos sócio-históricos da humanidade, cabendo ao leitor ter conhecimentos prévios para seu total entendimento. Os problemas dos desequilíbrios ambientais estão no âmago da evolução da sociedade, nas relações econômicas, políticas, sociais, na padronização dos comportamentos e dos pensamentos, que reduzem a subjetividade e conduzem a uma “implosão e infantilização” (p. 8) da condição humana. A subjetividade que o autor expõe é quanto à percepção de mundo e de nós mesmos, estando limitada e condicionada aos padrões expostos pelo sistema que comanda nossas vidas ao longo dos séculos, para vermos apenas o que a maquinaria do sistema econômico-capitalista deseja que vejamos e que permeia até mesmo a ciência e a educação.

O enfoque abordado por Guattari está no fracasso em entendermos e aprendermos sobre a problemática ambiental, sobre as ações que a causaram e suas implicações/projeções ao longo do tempo. Para o autor, estamos perdendo tempo precioso, esforços mentais teóricos e científicos focando sempre as questões dos danos industriais e perdendo a ótica da sistêmica do problema, onde deveríamos, sim, considerar a articulação entre a ética e a política para o que ele denomina Ecosofia, que tem por base as três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana (mental).

Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais (p. 9).

No centro dessa discussão estão as relações dos países de primeiro mundo com os de terceiro mundo; no primeiro ocorre a proliferação de tecnologias que provocam riscos graves e irreversíveis ao meio ambiente, como na produção energética por usinas nucleares; no segundo, há uma manutenção de sua pauperização absoluta para manutenção de benefícios e fluxo de materiais e dependência científico-tecnológica.

Para Guattari, dois pontos são cruciais nas relações políticas e econômicas entre os países:

  • o imperialismo do mercado mundial, que nivela a um único plano os bens materiais, os bens culturais, as áreas naturais etc.; e
  • as relações sociais e internacionais que estão sob o domínio de uma máquina policial e militar que fiscaliza, ameaça e até mesmo pune.

Sua análise sobre as questões mundiais socioambientais navegam pelos polos do planeta, indo de Leste a Oeste, retratando os países do Ocidente e do Oriente nas questões operárias, econômicas, políticas e espirituais. E de Norte a Sul para retratar os países em miséria absoluta e a fome avassaladora que dizima vidas, além de enfocar a distribuição desigual de capital que continua a alimentar o estado de pobreza dessas nações e a gênese do antônimo das anteriores, que se erguem como novas potências industriais e centros de hiperexploração, como no caso de alguns países orientais: Taiwan, China (incluindo Hong Kong), Coreia do Sul etc.

Assim, para onde quer que nos voltemos, reencontramos esse mesmo paradoxo lancinante: de um lado, o desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos potencialmente capazes de resolver as problemáticas ecológicas dominantes e determinar o reequilíbrio das atividades socialmente úteis sobre a superfície do planeta; de outro lado, a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações subjetivas constituídas de se apropriar desses meios para torná-los operativos (p. 12).

Numa anamnese da essência humana, dos seus paradoxos e antagonismos, Guattari mergulha nas relações de gênero quanto à exploração da mulher, o feminismo e, por outro lado, no trato ao abordar o trabalho e a exploração infanto-juvenil, a desculturalização das comunidades que absorvem culturas artificiais estrangeiras, ideologias arcaicas, demagogias massificantes e descaracterizam a nacionalidade, estimulam a violência e as desigualdades, tudo isto, culminando para agravar a crise ecológicas vivenciada desde o início do século XIX.

Para atuar na reversão do quadro pandemônico das questões ambientais instaladas, entra a Ecosofia, para mudar a práxis humana tanto individual quanto coletiva, no âmago dos problemas sociais e ambientais. Para Guattari, a subjetividade deve ser aprendida, pensada e repensada para reformar a concepção do ser humano sobre si mesmo, perante a coletividade e sobre este planeta. Com novos usos dos conhecimentos já existentes, tal preceito – a subjetivação –, que ainda é pouco considerada pela comunidade científica, deve ser analisado estroboscopicamente para promover novos paradigmas para a sociedade contemporânea.

Uma crítica velada que Guattari faz é quanto às práticas arcaicas de modos de transmissão e produção de conhecimentos, que ficam, em sua maioria, apenas no campo da teorização e da repetição das linhas e pesquisas, em que poucos ousam o novo, a renovação e a reinvenção de novos modelos para continuidade da evolução social, cultural e científica da humanidade.

Chernobyl e a Aids nos revelam brutalmente os limites dos poderes técnico-científicos da humanidade e as ‘marchas à ré’ que a ‘natureza’ nos reserva. É evidente que uma responsabilidade e uma gestão mais coletiva se impõem para orientar as ciências e as técnicas em direção a finalidades mais humanas (p. 23).

A natureza não pode ser dissociada da cultura, e o ser humano precisa aprender a desenvolver um pensamento transversal para compreender de fato e implantar em sua essência cognitiva e psíquica, a fim de entender as frágeis relações que regem o macrocosmo deste planeta e o microcosmo entre os seres viventes.

Com relação às questões econômicas globais, Guattari trata como sendo o Capitalismo Mundial Integrado (CMI) que interfere e controla a mídia e os meios de comunicação de massa, necessitando uma evolução para subdividi-la em categorias semióticas: econômica, jurídica, técnico-científica e subjetivação. Vários modelos de pensamento oprimiram por muito tempo os cidadãos, opacizando suas mentes e fazendo-os repetir o discurso de seus opressores do CMI.

A esse respeito, um desconhecimento dogmático foi mantido por numerosos teóricos, reforçando um obreirismo e um corporativismo que desnaturalizaram e desfavoreceram profundamente os movimentos de emancipação anticapitalistas dessas últimas décadas (p. 32).

As práxis ecológicas evocadas por Guattari são definidas como:

  • Ecologia subjetiva ou mental; será levada a reinventar a relação do sujeito como o corpo, a psique (inconsciência) e o consciente;
  • Ecologia social; deve trabalhar as relações humanas, reconstruindo-as em todos os níveis do socius;
  • Ecologia do meio ambiente, onde tudo é possível de acontecer, quanto às evoluções flexíveis e quanto às piores catástrofes ambientais; “cada vez mais, os desequilíbrios naturais dependerão das intervenções humanas” (p. 52), principalmente quanto à regulação das relações entre o oxigênio, o ozônio e o gás carbônico.

É no conjunto dessas frentes emaranhadas e heterogêneas que, parece-me, deverão articular-se as novas práticas ecológicas, cujo objetivo será tornar processualmente ativas singularidades isoladas, recalcadas girando em torno de si mesmas (p. 34).

As três ecologias se unificam em um ponto comum, “liberar as antinomias de princípio entre os níveis ecosóficos” (p. 38), ou seja, dotar a humanidade de um fator incitador à práxis aberta e infinita, sem moldes, recortes ou singularidades.

Não se trata aqui de propor um modelo de sociedade pronto para usar, mas tão somente de assumir o conjunto de componentes ecosóficos cujo objetivo será, em particular, a instauração de novos sistemas de valorização (p. 49).

Para Guattari, a Ecosofia é um modelo prático e especulativo, ético-político e estético, não sendo uma disciplina, mas sim uma simples e eficaz renovação das antigas formas de concepção do ser humano, da sociedade e do meio ambiente. E conclui sua obra afirmando que deve ser calcada na heterogênese de um processo contínuo de ressingularização, em que há “toda uma catálise de retomada de confiança da humanidade em si mesma para ser forjada passo a passo e, às vezes, a partir dos meios os mais minúsculos. Tal como esse ensaio que queria, por pouco que fosse, tolher a falta de graça e a passividade ambiente” (p. 56).

Referência

GUATTARI, Felix. As três ecologias. 20ª ed. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 2009, 56p.

Publicado em 13 de agosto de 2013

Publicado em 13 de agosto de 2013

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