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Como eventualidades mudam a vida dos alunos

Alexandre Alves

Estava fazendo minha caminhada ontem à noite quando de dentro de um caminhão de entregas ouvi uma voz gritando, alto:

– Boa noite, professor!

Tive a pretensão de que era comigo. E era. Washington foi meu aluno no início dos anos 1990, na escola da Ilha do Governador em que trabalhei por três anos. Desceu para falar comigo enquanto seus colegas descarregavam as mercadorias do baú frigorífico.

Engraçado como, nessa escola, cercada por unidades militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, os alunos tinham a preocupação de acabar o Fundamental (na época chamado 1º grau) antes de completar 18 anos para poderem se alistar com chance de serem convocados. Washington era um dos que enumerava as vantagens de servir, das quais eu lembro de comida de graça no almoço e cursos profissionalizantes – inclusive o que ele estava exercendo, motorista de veículos de grande porte.

Lembro-me até hoje da alegria desses garotos quando recebiam a notícia de que tinham sido aprovados na 8ª fase (era supletivo). Era a porta aberta para o sucesso no serviço militar obrigatório.

Tempos depois de começar a servir o Exército, Washington apareceu na escola; o garoto extrovertido, conversador estava mais calado, sério. Perguntei se tinha havido algum problema.

– Não, professor, é que o capitão me deu uma bronca hoje... E eu não posso responder...

– Pois é, isso é respeito à hierarquia...

– Mas ele foi injusto, e eu não pude dizer isso a ele...

– Se você retrucar...

– Eu vou preso, né, professor...

– Então é melhor esquecer essa história. Segue a vida e continua perseguindo seus objetivos lá dentro.

Ele abriu então aquele sorriso cativante, como quem diz “é melhor mesmo”.

Essas situações de vida transformam as pessoas; alunos que eram criadores de caso estavam mais tranquilos, menos atabalhoados, ouvindo mais. Edvaldo era um daqueles que dava uma boiada pra entrar numa discussão com o professor. Toda hora era expulso de sala por desacato. Passei dois anos sem dar aula pra ele; quando voltei a encontrá-lo, no terceiro ano, ele estava atento ao que era falado em sala, pedia silêncio aos colegas que conversavam sobre coisas fora do assunto da aula. No fim da primeira semana de aula chamei-o para saber o que tinha havido com ele.

– Casei, professor, estamos esperando um filho, aí a responsabilidade pesa. Tenho que aturar meu chefe, o ônibus cheio, ficar vendo TV em casa porque a grana está curta...

No meio do ano ele estava mais tenso que o normal, pediu para sair mais cedo; depois descobri a razão: a mulher dele estava para ser operada, não sei a razão. Correu tudo bem com ela e a criança não foi afetada, e pouco tempo depois ele estava tranquilo. Ainda bem, pois era a semana de apresentação de trabalhos.

Outras vezes, alunos desaparecem da escola. Quando procuramos saber o que houve com eles, os colegas comentam:

– Ah, ele se mudou para Santíssimo, não vai mais estudar aqui... Ou

– Ele arranjou um emprego de vigia numa fábrica, vai trabalhar de noite e parou os estudos.

O injusto nessa história é que, pelo sistema de meritocracia que a Secretaria de Educação criou, nesse caso a escola é penalizada, porque essa situação é considerada evasão.

Talvez a situação mais frequente seja de gravidez. De repente a aluna começa a faltar. Quando o professor dá pela sua falta, sempre vem uma colega explicar:
– É que ela está enjoando muito, nem tá saindo de casa; ou

– Ela ficou envergonhada de ter engravidado, não vai voltar esse ano.

A gente aproveita para mostrar as condições especiais de estudo de que as alunas grávidas podem se beneficiar, como fazer trabalho em casa, ter faltas abonadas etc. e tal, mas nada adianta. Somem mesmo. Às vezes, só voltam dois ou três anos depois, porque a criança já cresceu e vai para a creche...

Coisas da vida, coisas de escola.

Publicado em 20/08/2013

Publicado em 20 de agosto de 2013

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