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Ensino regular e ensino técnico, tudo junto e misturado?

Mariana Cruz

O estado de guerra que algumas comunidades do Rio de Janeiro vivem parece não causar mais perplexidade nas pessoas. As pessoas se acostumam a tais “transtornos” e dão seu jeito na hora que “o bicho pega”. Saem mais tarde para trabalhar, chegam mais cedo, não mandam as crianças para escola. Foi assim que as aulas de segundo semestre da minha escola começaram: sem começar. Um traficante morreu, a bala comeu solta, mais alguém foi baleado, depois um policial, outro traficante. No fim de dez dias já eram nove mortos. A chapa estava quente no morro. 

Para não perder a viagem, o procedimento dos professores agora é dar uma “ligadinha” para a escola a fim de confirmar se haverá aula. Lembro-me de que há uns dois anos houve um grave problema de falta d'água por lá. O procedimento era o mesmo. Diante dessas incertezas, tanto na época da falta d'água quanto quando da falta de segurança, muitos alunos simplesmente não vão. Os que vão correm o risco de dar de cara na porta ou assistir a aulas com dois ou três alunos – especialmente no período da noite. Depois, a situação se normaliza e a escola enche de novo.

Esses são alguns dos problemas que já presenciei na minha escola. Em outras, os problemas são diversos: falta de professor e/ou de carteiras, professores esgotados que dão aula em cinco escolas e trabalham aos sábados no cursinho pré-vestibular são alguns deles. Junto a isso vem a questão talvez mais preocupante: muitos jovens não se enquadram naquele ensino tradicional que está sendo dado na escola. Não sacam nada de Física, Literatura, Gramática e odeiam Química.

Todos esses ingredientes me vieram à cabeça quando li a matéria “Geração desperdiçada” em O Globo (11/08/2013). Nela, especialistas falavam da necessidade de os jovens brasileiros se qualificarem, uma vez que, até “2023, a população de jovens entre 15 e 24 anos somará mais de 33 milhões. É uma força de trabalho que tem potencial para aumentar o crescimento econômico do país”. O problema, porém, é que o desempenho dos jovens está aquém da média nacional. E o professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia aponta como uma das causas de tal defasagem os “baixos níveis de qualidade do Ensino Médio e a falta de um viés mais profissionalizante na educação”. Isso significa que o aumento de anos de escolaridade não basta, pois isso não leva necessariamente a um aumento de qualidade. A solução seria tentar fazer uma educação mais voltada para o que o aluno quer de fato aprender.  Muitos estão mais interessados no ensino técnico do que no tradicional, cujo conteúdo contém diversas coisas que nunca utilizarão. Parte de meus alunos mais aplicados buscam fazer paralelamente ao ensino regular algum curso técnico – a moda agora é o curso de petróleo e gás –, mas esses são privilegiados, pois não precisam trabalhar no contraturno, têm o apoio financeiro dos pais ou de algum responsável. São exceções.

Grande parte dos alunos da minha escola ambicionam terminar o Ensino Médio somente para obter o diploma e para conseguir um emprego qualquer. Poucos são os que querem, conseguem ou entram de fato em uma faculdade. Quando um ou outro entra para uma instituição de nível superior, é sempre uma vitória, um orgulho para a escola.

O professor José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ao comparar Brasil com a China, mostra que na década de 1970 a população chinesa era muito pobre e jovem e o governo resolveu valorizar a educação, por isso ela vem se expandindo cada vez mais. E não é o que acontece aqui. Para muitos especialistas não apenas o Ensino Médio deve ser reformulado como também o próprio ensino técnico. O que está acontecendo no Brasil é que agora, com o mercado de trabalho mais atraente, o jovem não vai buscar uma formação técnica, e sim algum serviço que exija uma formação menos específica.

Nossa educação ainda pertence a uma cultura que visa o diploma. Daí o Ensino Médio ser totalmente voltado para a faculdade – o que não é uma realidade para grande parte dos alunos. Além disso, ocorre desvalorização dos cursos ligados a ofícios. A matéria de O Globo mostra ainda que, até 2010, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “apenas 6,6% dos estudantes brasileiros até 25 anos estavam matriculados em cursos técnicos. Em países como Áustria, Finlândia, Holanda, Eslovênia, Suíça, essa taxa supera os 70%”. Se muitos jovens não vão atrás de uma formação mais especializada, seja lá por qual motivo, por que não essa formação técnica ir até ele? Por que não inserir cursos profissionalizantes no Ensino Médio regular? Quem sabe se dentro de um péssimo aluno de Geografia não mora um ótimo técnico em eletrônica?

Publicado em 20 de agosto de 2013

Publicado em 20 de agosto de 2013

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