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Líder escolar: questão de adaptação
Claudia Nunes
Mestre em Educação (UNIRIO), especialista em Tecnologia Educacional e Neurociência Pedagógica (AVM-UCAM), professora do Ensino Médio da rede estadual do Rio de Janeiro
De onde vem a inteligência de um líder? Do cérebro. Da mente. Da constituição genética somada às interações com o meio externo. Das vivências e experiências positivas e negativas. Das formas de sentir e agir. Não acredito nos líderes natos. Acredito nas ativações cerebrais constituindo formas de equilíbrio e de atitudes nos mais variados contextos. Acredito em potencialidades que se revelam líderes nas necessidades e nas intempéries cotidianas. Acredito na decisão de ‘viver e não ter a vergonha de ser feliz’.
Líderes se constroem nos ambientes em que as rotinas cegaram pontos de reflexão das criatividades; limitaram pontos de ascensão das curiosidades; eliminaram pontos de produção das emoções positivas. Será que a escola promove esses líderes hoje?
Fala-se na perspectiva da qualidade. Fala-se no reencontro com a família. Fala-se na introdução pedagógica das novas tecnologias. Fala-se em gestão democrática. Mas o que se observa é uma alucinação das potencialidades em favor da falta de incentivo à flexibilidade cognitiva e emocional de todos com todos. A tríade da complexidade de Morin é: organização, desorganização e reorganização. Estamos no meio do caminho dessa tríade; estamos na desorganização, estamos em crise... Na escola pública.
Lógico que não há como generalizar; temos a presença de nichos de excelência educacionais em vários pontos do país e do estado. Mas eles podem ser parâmetros de análise? Não! Torná-los parâmetros seria desconsiderar as especificidades socioeconômicas de cada estado, região ou bairro. Acredito que sejam exemplos a ser observados e aplicados com os devidos ajustes. Logo, esses nichos podem ser os primeiros passos, as primeiras ideias, os primeiros vínculos nos quais podemos rever nossas posturas educativas de liderança. Dessa feita, para ser um líder temos que ‘usar a cabeça’!
Primeiro saiamos do senso comum: quando falamos ‘cabeça’, há referência direta ao cérebro, ambiente da formação da sensibilidade, da consciência, da abstração, da ação motora, do raciocínio, da inteligência, do equilíbrio e, principalmente, das formas flexíveis de ser e agir em grupo. Ele é o centro nervoso cuja organização e integração necessita de ativações constantes e, muitas vezes, imprevistas, diante dos inúmeros estímulos do ambiente exterior aos seus hemisférios, sistema límbico (emocional) e cerebelo (ação motora). Ou seja, a formação humana se constitui pelas tecnologias ou formas de sentir ‘humanas’.
Um líder, sujeito em relevância emocional e comportamental em meio aos seus pares humanos, é o ‘cérebro’ de todas as questões! Ele é um articulador criativo das conexões e caminhos neuronais; é um provocador de emoções diferentes; e é um mediador das transformações inovadoras. Sendo assim, antes da evocação dessas conexões como decisão, atitude e comportamento, devemos reconhecer que os neurônios (células em que as informações se instalam e convergem com outras tantas informações) são peças-chave (e especializadas) nas formas de perceber, selecionar e processar as informações necessárias ao cumprimento de seus (do líder) afazeres e à construção de relações confiáveis, sinceras e realistas ao grupo que vai liderar. Minha ilusão? Não!
Um líder é um cérebro eivado de informações que inauguram novas ‘eletricidades’ (reações, impulsos ou mesmo insights) às estruturas cerebrais (córtex) para o início das mudanças, daí também provoca o rompimento (e forte estranhamento) das rotinas no ambiente ou grupo a ser trabalhado. Um líder é um cérebro que pensa e faz. Um líder é o agenciador de adaptações e readaptações, ainda que precise de muito cuidado.
Importante neste momento é entender a função das células gliais, conhecem? Entender o conceito de adaptação é entender a função das células gliais no constituto da memória humana. Elas ‘gravam’ as novas informações no cérebro, criando novos conjuntos de conexões, como circuitos impressos, daí nossas diferenças de interpretação da realidade em relação aos outros e também o surgimento de novas necessidades de ser e fazer: em cena, transformações nos comportamentos. Um líder imprime novos conhecimentos porque, com suas atitudes e decisões, engendra outras ‘gravações’, outros caminhos, outras possibilidades, outras percepções nos ambientes ou grupos. Um líder mesmo ou desestrutura os antigos hábitos apresentando comprometimento e confiança no todo ou é destruído por eles. E isso é um fato!
Nesse sentido, há que se ter cuidado, principalmente com as diferenças de pensamento (usabilidade do conteúdo do córtex). A questão da sociabilidade, da integração, da participação quase voluntária, da satisfação e do prazer do trabalho em grupo e pelo grupo está focada nesse cuidado. Ainda assim, algumas características inatas, na perspectiva do desenvolvimento cerebral, são relevantes e precisam ser respeitadas em relação ao nosso olhar sobre o líder.
De acordo com alguns artigos encontrados na internet, quando, por exemplo, e em resumo os lobos cerebrais são utilizados em demasia, temos líderes diferentes: se a experiência individual do líder deu ênfase ao estímulo do lobo posterior esquerdo (ambiente da construção de sequências, etapas e processos), surge um líder detalhista e organizado; se a ênfase recaiu sobre o lobo posterior direito (alta percepção do mundo ao redor), surge um líder solidário, sensível; se recaiu sobre o lobo frontal direito (padrões e relações abstratas), surge um líder inovador, estratégico; e, por fim, se recaiu sobre o lobo frontal esquerdo (análise lógica, avaliação, cálculo), surge um líder negociador, objetivo.
De antemão afirmo que esta é uma descrição didática referente a uma melhor visualização das posturas observadas no líder em seu desenvolvimento psíquico e comportamental. É sabido, contudo que, o cérebro é um ‘software integrado’; logo, em seu desenvolvimento os estímulos, as ativações e as gravações mnemônicas ‘sofrem’ outras parcerias com outros sistemas e bioquímicas internas e a desgovernança das interações com o ambiente extragenético. Nessa lógica, tal qual a lagarta ao surgir como borboleta, um líder deve estabelecer metas e empreender mudanças importantes no grupo, entendendo as características de cada um, mas provocando performances e brilhos diferentes na realização tanto do trabalho individual quanto do trabalho em grupo. É o novo inaugurando novas posturas e atitudes, principalmente de manutenção do bem-estar psicológico da equipe: ascendência e equilíbrio dos níveis de serotonina.
Um líder não foge das suas características pessoais, mas deve autopromover e promover no outro transformações intensas em algumas competências e muitas habilidades mentais nos momentos em que prioriza inovação, mudança, integração e satisfação, por exemplo, em âmbito profissional entre todos e/ou de todos com todos os participantes do grupo e do processo. De novo, é verter mais serotonina (positividade) do que cortisol (negatividade), ainda que este último (somado à adrenalina) esteja presente em muitos momentos, por defesa (de hábitos), insegurança (quanto ao novo) e comodismo (em meio às estratégias de sucesso) de ambas as partes nos primeiros movimentos da liderança. Um líder deve investir nos esconderijos emocionais com inteligência e respeito na perspectiva, sim, de transformá-los.
Então a educação, o sorriso, o prazer, a diversão, a vontade de aprender e a satisfação devem ser o foco de um líder, mesmo diante de mazelas inusitadas, interesseiras ou estressantes. Como? Com a verdade, com postura realista, com ética, com afeto, com informação de verdade. Esses são os melhores estímulos à serotonina das ações criativas e inovadoras. É a emoção da felicidade ativando projetos educacionais, atividades didáticas, aulas atraentes, alunos proativos e professores engajados.
Diante da explicitação desses elementos, por meio de, por exemplo, mais proximidade diária, reuniões realmente pedagógicas, vivência fora da escola, palestras temáticas, eventos internos etc., entendo que um grupo poderá funcionar de forma mais eficaz. Ou seja, é repensar abordagens (criar ações continuadas e rotinas de satisfações); rever temas como ética e responsabilidade (emocional), além da economia e das finanças (razão); provocar mudanças sem estimulantes, gritos, tranquilizantes, desacatos, antidepressivos, ‘motins’ internos, ansiolíticos e outros tipos de medicamentos ou ações disfuncionais; ser mais empático porque, vez por outra, é necessário se colocar no lugar do outro ao tomar algumas decisões; ter equilíbrio emocional, compreender que o novo dá medo e, aos poucos, criar um ambiente de mais confiabilidade. Você, leitor, acha difícil? Então não queira ser líder!
Você, leitor, acha difícil ser líder? Pensa que tudo isso é fantasia? Pensa que tudo isso é muito difícil em tempos atuais? É sim. É difícil mesmo. Sabe por quê? Porque é preciso entender antecipadamente as demandas subjetivas de um cargo de liderança. Lamento, não é um para todos. Antes mesmo desse entendimento um líder investe no autoconhecimento, tem autoconheciência em 3D: social, emocional e cognitiva. Se assim não for, um líder terá mais dificuldades do que entendimento, soluções e reconhecimento.
Eu reconheço que isso depende de cada pessoa. Todos nós temos estilos emocionais e cognitivos diferentes. Mas, repito, de um líder espera-se tanto um autoconhecimento emocional e constantes questionamentos internos como, por exemplo: quais são suas ansiedades? Como ajustar suas frustrações? Como gerar inovações diante de ambientes nocivos ou certos desgastes? Como compor equilíbrios emocionais? Como reconhecer suas formas de perceber e empreender? Como desenvolver automotivações? E quanto a alguns padrões de sensibilidade, como saber escutar, silenciar, entender, pontuar, experimentar, identificar sinais, se dirigir e, principalmente, reconhecer o momento de decidir? Difícil? De novo, é sim! A liderança, realmente, não é para todos!
Tanto o autoconhecimento ajudará a liberar serotonina (prazer interno) que, na medida do possível, deve ser compartilhado e vivenciado com os outros porque, desta feita, surgem oportunidades de constituir vários tipos de envolvimento (confiança, comprometimento, atenção, crédito, organização e apoio) sem perder o foco; quanto às sensibilidades referidas aqui, serão capazes de inspirar o grupo a se desenvolver em prol de objetivos comuns com mais apreço e seriedade; afinal, não podemos descartar que essas sensibilidades são processos neuronais cujas sinapses atraem e reorganizam informações semelhantes (lembranças, leituras, gestos, sons, cheiros vividos) e são impulsos nervosos cujos potenciais de ação reconstroem experiências anteriores na intenção de solucionar um problema (geral ou específico), promover ações criativas, criar estratégias de trabalho ou mesmo estimular um grupo a rever seus procedimentos de trabalho.
Estamos falando o tempo todo de processos de adaptação. Estes começam no cérebro, nos estímulos que provocamos no cérebro em conjunto ou de forma particular, a partir das nossas vivências e/ou experiências no mundo chamado ‘extragenético’ por Carl Sagan. E um líder, reconhecendo que sua ação é uma questão de mudança de comportamento, sendo inferido e intermediado em longo prazo, deve entender que pressões profissionais são comuns, porém insatisfações e estranhamentos devem ser momentâneos; logo, num grupo, para empreender o processo adaptativo, tudo começa pelo equilíbrio emocional dele, o líder.
De novo devemos perguntar: a escola tem esse líder?
Publicado em 27 de agosto de 2013
Publicado em 27 de agosto de 2013
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