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Acidentes em usinas nucleares pelo mundo

Carlos Magno Monteiro da Silva

Licenciado em Física (UniMSB), engenheiro elétrico e de telecomunicações (UniverCidade), mestre em Ciência da Motricidade Humana (UCB/RJ)

Sérgio de Souza Henrique Júnior

Licenciado em Química (IQ/UFRJ), mestre em Ciências, em Química (IQ/UFRJ)

Any Bernstein

Mestre em Ciências (UFRJ), doutora em Biotecnologia (UFRJ), professora da Fundação CECIERJ

Este é mais um dos artigos selecionados entre os estudos de caso apresentados na disciplina Sustentabilidade no Contexto das Ciências, oferecida pela Diretoria de Extensão da Fundação Cecierj; ele reúne dois diferentes acidentes provocados pela geração da energia nuclear e seus impactos. São fornecidos os links de vídeos sobre o assunto, com os quais o professor pode complementar o assunto nas aulas de disciplinas como Biologia, Ciências, Química e Educação Ambiental, entre outras, além de servir como sugestão para realização de trabalhos da turma em seu próprio meio ambiente.

Introdução

Gerar energia elétrica sempre foi algo essencial para as sociedades modernas. Desde a Revolução Industrial, a demanda por geração e distribuição de energia elétrica vem crescendo exponencialmente para atender à população das cidades. Os benefícios da produção de energia são reconhecidos pela sociedade, enquanto os impactos ambientais dificilmente são percebidos. As usinas nucleares surgiram como alternativa na matriz energética de muitos países, como fonte de energia teoricamente limpa.

O ciclo de transformação de energia de uma usina nuclear pode ser representado com o esquema:


Figura 1: Ciclo de transformação de energia

Geração de energia nuclear

Em um reator, o processo de reação nuclear é dado pela ruptura de um núcleo de elemento radioativo pela adição de nêutrons. Ao ser atingido pelo nêutron, o átomo se quebra (fissiona), liberando nova quantidade de nêutrons acelerados, que irão colidir com novos núcleos, gerando uma reação em cadeia que deve ser controlada. Se ela atingir determinado nível, seu controle se torna praticamente impossível.


Figura 2: Fissão do núcleo de urânio e produção de energia nuclear

Nos reatores nucleares, a reação acontece dentro de varetas que compõem uma estrutura chamada elemento combustível. A fissão nuclear em cadeia libera, além de novos núcleos, três nêutrons e muita energia. Quando se deseja minimizar a reação, há que se impedir os choques sucessivos com os nêutrons. Alguns elementos químicos, como o boro, na forma de ácido bórico ou de metal, e o cádmio, em barras metálicas, têm a propriedade de absorver nêutrons, porque seus núcleos podem conter um número de nêutrons superior ao existente em seu estado natural, resultando na formação de isótopos de boro e de cádmio. Esses elementos são usados na fabricação de “barras de controle”.

Quando as barras de controle "entram totalmente" no elemento combustível, o reator para; quando saem, ele é ativado. Veja uma ilustração de como as barras (ou varetas) de combustível são intercaladas com as de moderação e controle.

barras de controle
Figura 3: Sistema de controle e moderação

Nos reatores nucleares mais modernos, um vaso de pressão contém a água de refrigeração do sistema reacional do reator, que se aquece durante o processo e é pressurizada no tanque pressurizador para se transformar em água superaquecida. Essa água fica circulando quente pelo gerador de vapor, em circuito, isto é, não sai desse sistema, chamado circuito primário.

reator pwr
Figura 4: Esquema simplificado de uma usina nuclear do tipo PWR

A água superaquecida que circula no circuito primário é usada para aquecer um segundo circuito, chamado circuito secundário de água, e se transforma em vapor, ou seja, a água do circuito secundário é aquecida e muda de estado (por meio de um trocador de calor), tornando-se vapor na parte superior do gerador de vapor. Esse vapor é então utilizado para mover as aletas de uma turbina acoplada a um gerador elétrico, sendo a seguir condensada e bombeada de volta para o gerador de vapor. Como se pode ver na Figura 4, esse circuito é completamente independente do primeiro. Nesse ponto, a usina termonuclear passa a se assemelhar a uma usina termelétrica comum.

O sistema condensador nada mais é do que outro trocador de calor, funcionando no processo inverso ao do primeiro (retirando calor); pertence a um terceiro circuito de água, chamado terciário. Neste, circula água bombeada de forma continua como elemento de refrigeração, permitindo a condensação (volta para o estado líquido) do excesso de vapor gerado no circuito secundário. Esse terceiro circuito normalmente retira água do mar, que, por ser salgada, possui características físico-químicas ideais quanto ao seu ponto de ebulição (mais alto que 100°C), sendo um dos motivos pelos quais as usinas nucleares normalmente são próximas ao mar. A energia gerada é então distribuída, de forma convencional por torres e cabos, até os locais desejados.

Atualmente, a energia nuclear é responsável por 16% da eletricidade consumida no mundo e por alguns dos piores pesadelos da humanidade.

O debate sobre os diferentes impactos provocados pela geração e utilização dessa forma de energia tem feito parte da recente agenda mundial de discussões, não só em função do uso para fins bélicos. Há perigo de contaminação por acidentes de manipulação, liberação de resíduos tóxicos da tecnologia nuclear que levarão milênios para biodegradar-se: um grau de intromissão muito alto na vida futura da humanidade.

A irresponsabilidade acerca dos efeitos tóxicos das radiações não esta presente só no campo da energia nuclear e da fissão atômica. Na medicina é um campo de aplicações totalmente distinto, que no início do século começou usando radioatividade fraca para “fotografar” os corpos antes opacos – as clássicas radiografias –, as doses passaram a ser muito acima de todo limite aceitável.

Em meados da década de 1950, iniciaram-se as primeiras aplicações da energia atômica para uso pacífico, como fonte energética. Até 1986, os defensores da energia nuclear sustentavam que essa era a fonte de energia mais benévola entre as conhecidas e comparavam cifras de mortos no trabalho das minas de carvão, nos poços petrolíferos, nas represas – sobretudo nas enchentes – com os registrados nas centrais nucleares, que se equiparavam a zero.

Era uma comparação errada, porque se tratava de uma indústria “jovem” (e tudo que é jovem tem que amadurecer com consciência) e porque a morte por radiação pode ser lenta, não diretamente associada à sua origem. Daí a tendência a registrar-se uma quantidade menor de casos do que a real.

Todas as vezes que a sociedade se depara com notícias nos jornais sobre incidentes radioativos, o nome Chernobyl vem à mente. Apesar de ser um assunto já conhecido pela maioria das pessoas: o acidente na usina nuclear de Chernobyl, ocorrido em 1986, na cidade Ucraniana de Pripyat (antiga URSS) é ainda considerado um alerta para o mundo. Esse acidente trouxe a preocupação com as usinas nucleares espalhadas por todo o planeta, pois acabou com o argumento de que produzem energia limpa só porque emitem pouco carbono.

A discussão sobre a segurança e a necessidade de construir tais usinas está em pauta até os dias de hoje, visto que em março de 2011 o planeta novamente assistiu com temor aos vazamentos nucleares que tiveram início após o devastador terremoto que atingiu o Japão. Depois desse acidente, tornou-se impossível ignorar os riscos que elas representam aos países que as abrigam, como no caso de usinas nucleares projetadas em regiões do planeta sujeitas a intempéries climáticas.

Neste artigo estão os dois estudos de casos, para que sejam reconhecidas suas semelhanças e diferenças.

Estudo de caso: Chernobyl

O acidente de Chernobyl, considerado o maior desastre nuclear da história, ocorreu na madrugada do dia 26 de abril de 1986. Não foi o primeiro nem o último incidente envolvendo produtos radioativos, mas certamente foi um dos mais noticiados. A usina de Chernobyl liberou uma nuvem de material radioativo que tomou conta da cidade ucraniana de Pripyat. O acidente levou a uma explosão seguida de um incêndio que durou 10 dias. O vento espalhou a radioatividade por uma área aproximada de 200.000km2. A nuvem de radioatividade atingiu não só a Ucrânia, Bielorrússia e Rússia, como também Europa Oriental, Escandinávia e Reino Unido. O pior de Chernobyl, no entanto, sobreveio depois do trágico incêndio inicial. As sucessivas medições obrigaram a evacuar completamente uma área de cerca de 5.000km2. Essa evacuação seria permanente para a maioria de seus moradores, já que se fez necessário o abandono dessas terras por várias décadas. A quantidade de afetados foi aumentando ano a ano. Atualmente, estima-se oficialmente entre oito e dez mil as pessoas mortas durante a primeira década como consequência das radiações recebidas. Organizações ambientalistas, porém, estimam essa quantidade em centenas de milhares, o que pode estar está mais próximo da realidade.

A Organização das Nações Unidas calcula que 2,2 milhões de ucranianos tiveram a sua saúde abalada pela catástrofe, mas a população afetada por doses de radioatividade anormais em boa parte da Europa ultrapassa dezenas de milhões e não se conhecem os efeitos, a longo prazo, da irradiação difundida.

Em termos comparativos, a quantidade de material radioativo disseminado naquela ocasião foi cem vezes maior do que o das bombas utilizadas no ataque às cidades de Hiroshima e Nagasaki, no fim da Segunda Guerra Mundial.


Figura 5: Foto aérea da usina de Chernobyl, na Ucrânia

O reator estava parando para manutenção periódica anual. Nas horas que precederam o acidente, os 180 operadores, técnicos e engenheiros da usina realizavam um experimento com o objetivo de avaliar o limiar de autossustentação energética (eletricidade gerada) da usina. Estavam sendo feitos testes na parte elétrica com o reator quase parando, isto é, funcionando a baixa potência. Para que isso fosse possível, era preciso desligar o sistema automático de segurança, caso contrário o reator poderia parar automaticamente durante os testes, o que eles não desejavam.

Os reatores desse tipo não podem permanecer muito tempo com potência baixa, porque isso representa riscos muito altos. Ainda assim, a operação continuou dessa forma. Entre outros erros, os funcionários envolvidos no episódio interromperam a circulação do sistema hidráulico que controlava as temperaturas do reator e, mesmo operando com capacidade inferior, o reator entrou em um processo de superaquecimento impossível de ser revertido pelos sistemas de moderação e controle. A água que circulava nos tubos foi total e rapidamente transformada em vapor, de forma explosiva. Houve, portanto, uma explosão de vapor que arrebentou os tubos, os elementos combustíveis e os blocos de grafite e deslocou a tampa de concreto e destruiu o teto do prédio, que não foi construído com previsão para aguentar tal impacto, deixando o reator aberto para o meio ambiente. Como o grafite aquecido entra em combustão espontânea, seguiu-se grande incêndio, arremessando para fora grande parte do material radioativo que estava nos elementos combustíveis danificados na explosão de vapor.

Ao terem ciência do acontecido, autoridades soviéticas organizaram uma megaoperação de limpeza usando cerca de 600 mil trabalhadores (apelidados de biorrobôs ou liquidadores). Simultaneamente, helicópteros eram enviados para o foco central das explosões com cargas de areia para conter o furor das chamas e ácido bórico para neutralizar a radiação. A temperatura era tão alta que, na maioria das vezes, a areia vitrificava antes mesmo de tocar o solo.

Para evitar o pânico, as autoridades esconderam da população o nível de radiação espalhada e o risco que corriam. Foi necessário retirar aproximadamente 43.000 pessoas do território afetado em um período recorde de 3 horas. Todos tiveram que deixar para trás seus pertences contaminados.

É difícil dizer com precisão o número de mortos em consequência especifica do acidente, já que mortes por câncer nas regiões afetadas mais duramente pela radiação aumentaram de forma atípica, mas podem ser atribuídas a outros fatores.


Figura 6: Foto aérea da cidade de Pripyat, nos dias atuais

A URSS também procurou esconder o ocorrido da comunidade mundial, até que a radiação, em altos níveis, foi detectada em outros países. Os agora separados Rússia, Ucrânia e Bielorrússia têm suportado contínuo e substancial custo de descontaminação em função do acidente de Chernobyl. Além disso, seus moradores passaram a ter problemas de saúde que demandam cuidados muito especiais.

Possíveis causas do acidente

Enquanto o Greenpeace contesta os dados apresentados sobre a investigação das causas que levaram ao acidente, existem duas teorias oficiais, porém contraditórias. A primeira foi publicada em agosto de 1986 e atribuiu a culpa a um possível erro técnico ocorrido durante um teste do reator 4 da usina e à incompetência e pouca experiência dos operadores. O engenheiro chefe responsável pelo teste de redução de potência no reator que explodiu decidiu fazê-lo em condições fora dos parâmetros de segurança dispostos no manuais internacionais de operação. Várias regras de segurança e alarme foram ignoradas e os operadores desligaram muitos dos sistemas de proteção automáticas do reator, o que só poderia ser feito em caso de mau funcionamento do sistema.

A segunda teoria foi publicada em 1991 e atribuiu o acidente a defeitos no projeto do reator do tipo RBMK (reactor bolshoy moshchnosty kanalny – reator de canaletas de alta potência, em português), especificamente nas hastes de controle de temperatura. As pontas das hastes de controle eram feitas de grafite e boro e os extensores eram ocos e retinham quantidade do resfriador (água). Para "apagar o reator" seria necessário que dispositivos de moderação entrassem em contato com a fonte radioativa e absorvessem parte dos nêutrons para frear a reação em cadeia. Entretanto, nos primeiros segundos após a ativação das hastes de controle, ao invés de diminuir, como desejado, a potência do reator aumentou. Esse comportamento, contrário ao esperado, foi considerado uma falha dentro do projeto do reator desconhecida pelos operadores que executavam os testes, o que foi fator determinante para o acidente.

Ambas as teorias foram fortemente apoiadas por diferentes grupos, inclusive os projetistas dos reatores, pessoal da usina de Chernobyl e o governo. Alguns especialistas independentes agora acreditam que nenhuma teoria estava completamente certa. Na realidade, o que aconteceu parece ter sido uma conjunção das duas teorias: falhas de projeto de construção do reator, agravadas pelo erro humano, e a comunicação ineficiente entre os escritórios de segurança (na capital, Kiev) e os operadores encarregados do experimento conduzido naquela noite.

No reator RBMK utilizado na usina de Chernobyl (um reator de água pressurizada comum, com canaletas individuais de combustível e grafite como seu moderator principal), a inserção das barras de moderação permitiu a criação, por uma fração de segundo, de aceleração da reação e, consequentemente, da rápida elevação de temperatura, que funcionou como estopim. Essa é uma característica comum a esse tipo de reator, visto que a água pressurizada que é utilizada para mover as turbinas (sob a forma de vapor) é a mesma que entra em contato com os elementos combustíveis, fazendo parte do sistema de moderação e resfriamento. Como o reator estava com carga baixa, esse coeficiente a vazio não era compensado por outros fatores; assim, a inserção das barras de moderação diminuiu, por breve instante de tempo, a própria moderação, aumentando a reação e elevando a temperatura. Com a temperatura no interior do reator muito acima do esperado, houve dilatação térmica dos componentes, o que dificultou ainda mais a inclusão dos dispositivos. Os operadores não tinham conhecimento desse perigo.

O descontrole do processo de reação nuclear em cadeia e o consequente superaquecimento da água de refrigeração ocasionou fluxo fortíssimo de vapor, levando a um aumento da pressão a níveis que o reator não estava preparado para suportar. Isso fez com que a tampa do reator fosse arremessada a uma grande distância, espalhando substâncias radioativas na atmosfera. Em poucos instantes a formação de uma imensa bola de fogo anunciava a explosão do reator.

Outra característica dos antigos reatores RBMK é o fato de não possuírem vaso de contenção, como em outros tipos de usina. Dessa forma, o vapor liberado no incidente, rico em grafite e outros elementos radioativos, não pode ser contido. Esse tipo de reator, extremamente inseguro, foi muito utilizado na década de 1970 nos países da antiga URSS; não é mais utilizado nos dias de hoje.

Na Figura 7 está uma representação de um reator RBMK.


Figura 7: Esquema simplificado de uma usina nuclear com reator do tipo RBMK, como o de Chernobyl

Hoje em dia, nas modernas usinas nucleares, um acidente desse tipo poderia não ser evitado, mas sim ter seus efeitos minimizados pelas próprias características de engenharia e construção do reator.

Para alguns especialistas, as dimensões catastróficas do acidente nuclear de Chernobyl poderiam ser menores caso esse modelo de usina contasse com casulos de aço e cimento que protegessem o lugar. Não por acaso, logo após as primeiras ações de reparo foi construído um “sarcófago” que isolou as ruínas do reator 4. Enquanto isso, uma assustadora quantidade de óbitos e anomalias indicava os efeitos da tragédia nuclear.

Buscando sanar definitivamente o problema da contaminação, uma equipe de projetistas hoje trabalha na construção do Novo Confinamento de Segurança. O projeto consiste no desenvolvimento de uma gigantesca estrutura móvel que isolará definitivamente a usina nuclear de Chernobyl. Dessa forma, a área do solo contaminado será parcialmente isolada e a estrutura do sarcófago descartada.

Apesar de todos esses esforços, estudos científicos revelam que a população atingida pelos altos níveis de radiação ainda sofre uma série de enfermidades. Além disso, os descendentes dos atingidos apresentam grande incidência de problemas congênitos e anomalias genéticas. Por meio dessas informações, vários ambientalistas se colocam radicalmente contra a construção de outras usinas nucleares. O acidente de Chernobyl fez crescer as preocupações sobre a segurança da indústria nuclear soviética, diminuindo sua expansão por muitos anos e forçando o governo soviético a ser menos secreto. Como consequência, países que também possuem usinas nucleares em atividade modernizaram suas instalações e monitoram melhor seu sistema contra vazamentos.

A pior notícia é que a reação nuclear não foi neutralizada completamente. Chernobyl ainda vai queimar por muitos anos, e é essa a grande preocupação, pois a estrutura de contenção que foi instalada às pressas só poderia aguentar cerca de 20 ou 30 anos... E o prazo está acabando.

Para saber detalhes sobre o desastre de Chernobyl assista a um documentário no Discovery Channel.

Estudo de caso – a Usina de Fukushima

O acidente nuclear de Fukushima foi provocado por uma série de falhas ocorridas nos equipamentos e pelo consequente lançamento de materiais radioativos da Central Nuclear de Fukushima I (Figura 8), no Japão. Essas falhas na segurança foram causadas pelo maremoto ocorrido no fundo do oceano e agravadas pela propagação de um tsunami de proporções não esperadas na tarde (horário local) do dia 11 de março de 2011 (BLACK, 2011a).


Figura 8: Foto aérea da Central Nuclear de Fukushima

A Central Nuclear era composta por seis reatores de água fervente em separado mantidos pela Tokyo Electric Power Company (TEPCO). Segundo Black (2011b), os reatores 4, 5 e 6 foram fechados para manutenção antes do terremoto. Já os reatores restantes foram fechados automaticamente após o terremoto e geradores de emergência foram iniciados para manter as bombas de água necessárias para resfriá-los (BLACK, 2011). O dique utilizado para proteger a central nuclear foi projetado para resistir a um maremoto com ondas de até 5,7 metros de altura (WNN, 2011). Porém pouco tempo depois do evento a usina foi atingida por ondas que superaram os 14 metros de altura, ultrapassando facilmente a parede de concreto.


Figura 9: Sala de comandos da Central Nuclear de Fukushima

A planta da usina inteira, incluindo o gerador de baixa altitude, foi inundada. Como consequência, os geradores de emergência foram desativados, provocando o superaquecimento dos reatores devido à deterioração natural do combustível nuclear contido neles. Os danos causados pela inundação e pelo terremoto impediram a chegada das equipes de segurança, o que levou ao agravamento do impacto ambiental.


Figura 10: Trabalho das equipes de técnicas na usina de Fukushima

Os reatores que provocaram esse acidente são do tipo BWR (boiling water reactor – reatores de água fervente, em português). Com exceção destes, todos os outros reatores nucleares são de potência, ou seja, destinados à produção de energia elétrica, utilizando elemento combustível enriquecido em 235U (urânio). A porcentagem isotópica natural do 235U é de 0,73%, enquanto reatores PWR (pressurized water reactor ou reatores de água pressurizada, em português) empregam elemento combustível com cerca de 4% de 235U. Os processos de enriquecimento de urânio usam uma espécie gasosa contendo urânio: o hexafluoreto de urânio (UF6). Assim sendo, a etapa seguinte do processo é a conversão do (NH4)2U2O7 em UF6 (GODOY, 2012).

O hexafluoreto de urânio é, então, utilizado no processo de enriquecimento. No Brasil, emprega-se o enriquecimento por meio de ultracentrífugas e, como o fator de enriquecimento obtido em cada estágio é baixo, utiliza-se um conjunto dessas unidades, chamado de cascata. Porém o impacto radiológico ambiental dessas duas unidades é considerado baixo, e o maior problema ambiental está relacionado ao emprego de HF e de F2, ambos bastante tóxicos e corrosivos (GODOY, 2012).

Para saber mais sobre o acidente em Fukushima, veja o documentário no Youtube. Você irá saber mais detalhes sobre o risco que o Japão sofre com as usinas nucleares, em especial a de Fukushima, após o terremoto que as atingiu.

Informações sobre descarte dos resíduos radioativos

Outro grande problema das usinas nucleares é o descarte do lixo atômico gerado a partir dos processos para obtenção de energia elétrica. O lixo radioativo de atividades humanas tem como termo técnico rejeito radioativo, ou seja, é um subproduto que emite partículas radioativas em quantidades superiores ao limite de isenção especificado na norma CNEN-NE-6.02, que regulamenta o licenciamento de instalações radiativas.

Esse rejeito, também denominado resíduo, precisa ser guardado de forma adequada depois de aplicado “o bom e velho” 3 Rs (que todas as pessoas ligadas à área ambiental conhecem bem), visando com isso reduzir, reutilizar e reciclar esse subproduto. Dentro de critérios técnicos, o rejeito radioativo, quando supera a capacidade de proteção à radiação, é considerado nocivo ao homem e ao meio ambiente e impróprio para reutilização pelas tecnologias hoje disponíveis. A legislação exige que, antes de chegar a seu destino final, ele deve passar por um processo estratégico de controle para que tenha armazenamento adequado. Em materiais convencionais ou abaixo dos limites de isenção, o depósito definitivo pode ser o aterro sanitário.

Existe na CNEN um órgão especializado, a Gerência de Rejeito Radioativo (GRR), cujo objetivo é minimizar (ou mesmo eliminar) os efeitos danosos que possam advir dos rejeitos radioativos, tanto no presente quanto no futuro.

Os objetivos da GRR são alcançados pelas seguintes etapas:

  • Segregar
  • Identificar
  • Classificar
  • Tratar
  • Reciclar
  • Eliminar
  • Armazenar.

A definição de gerência de rejeitos radioativos está prevista na norma CNEN NE-6.05 como o conjunto de atividades técnicas e administrativas envolvidas na coleta, segregação, manuseio, tratamento, acondicionamento, transporte, armazenamento, controle e deposição final de rejeitos radioativos.

Até hoje não se tem uma solução prática para os rejeitos radioativos que não seja o armazenamento, o que ainda deixa boa parte da opinião pública desconfiada da nova escalada na construção de reatores. Há esperanças de que, no futuro, descubra-se uma forma mais eficiente de descartar esse material ou reutilizá-lo. Novamente, porém, o futuro dos investimentos em energia nuclear volta a ficar incerto em boa parte do planeta.

Impactos à saúde

Os efeitos prejudiciais da radiação dependem da quantidade (dose), da duração e do grau de exposição. Uma única dose rápida de radiação pode ser mortal, mas a mesma dose total aplicada num lapso de semanas ou meses pode provocar efeitos mínimos. A dose total e o grau de exposição determinam os efeitos imediatos sobre o material genético das células.

Os efeitos da radiação são cumulativos, ou seja, cada exposição é somada às anteriores até determinar a dose total e o seu provável efeito sobre o organismo. Da mesma forma, à medida que aumenta a proporção da dose ou a dose total aumenta também a probabilidade de se produzirem efeitos detectáveis.

Os efeitos da radiação também dependem da percentagem do organismo que é exposta. Por exemplo, se uma área grande do corpo for exposta pode provocar a morte quando a radiação se distribui sobre toda a superfície corporal. No entanto, quando se limita a uma área pequena, como acontece na terapia contra o câncer, é possível aplicar três ou quatro vezes essa quantidade sem que se produzam danos graves no organismo. As células do nosso organismo que se multiplicam rapidamente, como o intestino e a medula óssea, são mais acometidas pela radiação do que os tecidos cujas células se multiplicam mais lentamente, como os músculos e os tendões (OLIVEIRA, 2011).

Apesar de todos os esforços, estudos científicos revelam que a população atingida pelos altos níveis de radiação sofre várias enfermidades. Além disso, os descendentes dos atingidos apresentam grande incidência de problemas congênitos e anomalias genéticas. Por meio dessas informações, vários ambientalistas se colocam radicalmente contra a construção de outras usinas nucleares.

Conclusões

Se compararmos as termelétricas movidas a energia nuclear com aquelas movidas a carvão ou as que utilizam combustível fóssil chegaremos à conclusão de que as primeiras poluem muito menos, visto que as segundas emitem altos níveis de CO2, que é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa. Um fato interessante é que, em algumas minas de carvão, após certa profundidade não se pode mais trabalhar por causa da exposição à radiação. O que pouca gente sabe é que as usinas a carvão também emitem certa quantidade de radioatividade na atmosfera, devido à presença de urânio e tório radiativos. Estima-se que, em todo o mundo, sejam queimados por ano 2,8 bilhões de toneladas de carvão, liberando 9 mil toneladas de tório e 3,6 mil de urânio para o meio ambiente nas partículas presentes na fumaça e nas cinzas descartadas. No entanto, ao falarmos de produção energética, devemos atentar para alguns riscos que elas podem oferecer. Basta lembrar a ameaça que uma bomba atômica representa e a grande área alagada para a construção de uma hidroelétrica. É necessário um forte planejamento na segurança que minimize os riscos de vazamentos causados por fatores naturais e humanos cujos impactos ambientais, em caso de acidente, podem ser catastróficos para o meio ambiente.

Desde 1986, produziu-se uma crise de confiança que pôs em questão os programas nucleares da maioria dos países do primeiro mundo; somente o Japão e a França prosseguiram seus planos de desenvolvimento nuclear; outros, como a Áustria e a Itália, decidiram por seu desmantelamento. Na Suécia, um plebiscito decidiu que a energia nuclear deveria encerrar seu ciclo antes de 2010 (o que não aconteceu) e há vários anos vêm sendo buscadas opções energéticas mais aceitáveis, embora também exista uma corrente de opinião que procura anular essa decisão. O plano sueco propõe a substituição da energia nuclear à medida que os reatores forem sendo fechados. O primeiro foi fechado em 1977. O Japão foi o primeiro país do primeiro mundo a pagar um preço alto pela sua decisão de continuar desenvolvendo seus projetos nucleares.

A incorporação dessas questões no currículo escolar pode propiciar uma contextualização do ensino de Ciências nos aspectos de suas aplicações. É importante apresentar o conceito de energia nuclear e os problemas ambientais em seus diversos níveis de complexidade, reconhecendo suas consequências para a vida no planeta. Isso é necessário para informar os alunos e criar competências para o debate emergente dessas questões.

Referências

BLACK, Richard. BBC News - Reactor breach worsens prospects. BBC News, 15 de março de 2011b. Acesso em 22 de junho de 2013.

BLACK, Richard. Fukushima - disaster or distraction? BBC News, 18 de março de 2011. Excerpt, Japan's nuclear safety agency has uprated its assessment of the Fukushima power station incident from a level four to a level five (...) Level five is defined as an 'accident with wider consequences'. Compare Japan's unfolding disaster 'bigger than Chernobyl', New Zealand Herald, 2011a.

GODOY, J. M. O. Energia nuclear e impacto ambiental. Sala de Aula. CCEAD; PUC-Rio, 2012.

OLIVEIRA, R. S. Acidentes nucleares: estratégia de defesa. Rio de Janeiro: ESG, 2011.

SILVA, C. M. M. Geração de energia: material de aula de Física. Rio de Janeiro, 2012.

VEJA. Energia nuclear: riscos e vantagens das usinas atômicas, 2011.

WNN. Fukushima faced 14-metre tsunami. World Nuclear News, 23 de março de 2011. Acesso em 22 de junho de 2013.

Webibliografia

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BBC. Saiba mais sobre os efeitos da radiação no corpo humano. Disponível em: www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/04/110412_. Acesso em: 19 de julho de 2013.

CARDOSO, E. M. Apostila educativa energia nuclear. Disponível em: www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdf. Acesso em julho de 2013.

FOGAÇA, J. Reator nuclear. Disponível em: http://www.brasilescola.com/quimica/reator-nuclear.htm. Acesso em: 20 de julho de 2013.

INSTITUTO de Radioproteção e Dosimetria. O que ocasionou o acidente de Chernobyl? Disponível em: http://www.ird.gov.br/index.php. Acesso em 18 de julho de 2013.

MATTA, L. E. S. C. Cientistas medem riscos de exposição à radiação nos trabalhos em poços de petróleo e na extração de minérios. Disponível em: www.canalciencia.ibict.br/pesquisa/0144-Exposicao-a-radiacao-em-pocos-petroleo-e-extracao-minerios.html. Acesso em 20 de julho de 2013.

Radiação e radioatividade: tipos de radiação. Disponível em: http://www.biodieselbr.com/energia/nuclear/radiacao-radioatividade.htm. Acesso em 20 de julho de 2013.

RBMK. In: WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/RBMK. Acesso em 27 de julho de 2013.

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SOUZA, R. Acidente de Chernobyl. Brasil Escola, 2013. Disponível em: www.brasilescola.com/historia/chernobyl-acidente-nuclear.html. Acesso em 17 de julho de 2013.

TEIXEIRA, C. D. Acidente da Usina Nuclear de Chernobyl. Revista Infoescola, 2013. Disponível em: http://www.infoescola.com/fisica/acidente-da-usina-nuclear-de-chernobyl/. Acesso em 16 de julho de 2013.

VENTURA, T. D. Uraninita. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfGhIAG/uraninita. Acesso em 19 de julho de 2013.

Publicado em 24 de setembro de 2013.

Publicado em 24 de setembro de 2013

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