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Armas, germes e aço: a imposição civilizatória e a destruição de culturas

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Mestrando do Prodema/UFPB; pesquisador do GEPEA/UFPB; diretor de Educação Ambiental (SEMA/Cabedelo-PB)

Aço, armas e germes

Aço é uma liga metálica formada por ferro (Fe) e carbono (C), porém o aço é mais moldável, maleável e mais resitente que o ferro, inclusive à oxidação (ferrugem). A fabricação de ferro teve início na Anatólia (Turquia, Ásia), cerca de 2000 a.C., a Idade do Ferro foi plenamente estabelecida por volta de 1000 a.C. Nesse período a tecnologia da fabricação do ferro espalhou-se pelo mundo. Em aproximadamente 500 a.C. chegou às fronteiras orientais da Europa (IAB, 2013). Com o domíno das forjas, os armamentos – antes de pedra, madeira, ossos e outros materiais – foram substituídos pelo ferro; quem dominava sua fundição tornou-se superior aos demais (AUGUSTO, 2013).


Figura 1: Primeiras formas de fundição do ferro
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/

Arma é qualquer forma utilizada para se defender ou atacar alguém. Existem armas físicas, psicológicas e verbais. A história mostra que muitas civilizações caíram em virtude do armamento bélico de seus opressores ou de suas táticas de guerra; na contemporaneidade, os armamentos são os argumentos, as políticas e a forma como são utilizadas na conversão da opinião publica e no controle de ações individuais e coletivas (BRIENT; FUENTES, 2012; 2013).


Figura 2: Explosão termonuclear
Fonte: http://4.bp.blogspot.com

Germes são todos os micro-organismos (vírus, bactérias, protozoários etc.) dispersos no ambiente ou no nosso corpo, podendo ou não causar doenças; alguns deles são responsáveis por pandemias pelo globo; outros dizimaram praticamente civilizações inteiras, trazidos por conquistadores principalmente às populações indígenas (QUIOSSA, 2013; REZENDE, 2013).

Em virtude das condições sanitárias das cidades e do desconhecimento da etiologia das doenças infecciosas, grandes epidemias assolaram as nações no passado, dizimando suas populações, limitando o crescimento demográfico e mudando muitas vezes o curso da história (REZENDE, 2013, p. 1).

E o que esses três componentes têm em relação um ao outro? Aparentemente nada, mas se retomarmos a história mundial, veremos que eles estão intimamente interligados em um ponto: luta, dominação e extinção de civilizações.

Força e dominação

A história relata em seus acervos pelo mundo, independente da sociedade e da região do globo, que povos e territórios conquistaram ou foram conquistados com base na imposição da força, fazendo uso de tecnologias, imponde-se e massacrando outras civilizações, até por meio de suas doenças, que dizimavam povos nativos primitivos, como os ameríndios (LAMBERT, 2005).

Os povos tradicionais indígenas habitam a Terra em vários continentes, não modificando seus modos de vida por milhares de anos. Alguns foram extintos por fenômenos climáticos, outros migraram e se adaptaram a novas condições e ambientes; por fim, alguns deram origem à civilização contemporânea. Atualmente existem remanescentes indígenas na Ásia, Oceania, Austrália, e Américas, mas estão se modernizando e perdendo gradativamente seus traços culturais e sua etnia pela miscigenação e principalmente seus saberes tradicionais sobre o ambiente e sua utilização (DIEGES, 2004; CAPRA, 2006). De apenas caçadores e coletores, passaram a adotar a agricultura e a domesticação de animais com intuito de criá-los para alimentação e utilização de sua força na agricultura e transporte, tudo isso como tática de sobrevivência e para não terem que se deslocar de sua região de origem, mas hoje suas terras e seus territórios estão cada vez mais reduzidos e desrespeitados. Poucos se mantêm na origem da caça e coleta, como algumas tribos remanescentes de aborígenes da Nova Guiné (LAMBERT, 2005).

A força volta a ser considerada aqui novamente no decorrer deste ensaio, pois ela, como princípio natural e fenômeno universal, sendo considerada na Física a grandeza capaz de vencer a inércia de um corpo e dotá-lo de movimento, pode ser também considerada socialmente como “ação de obrigar alguém a fazer algo” (FERREIRA, 2000, p. 328). Portanto, a força sempre será utilizada para imposição de algo ou de alguém sobre outro ser vivo. Para a essência da humanidade, é algo repudiado e totalmente abolido, indo contra a humildade, a aceitação e a tolerância (CÓRDULA, 2012).

Com o domínio do fogo, houve um salto tecnológico para alguns povos que, ao dominarem a técnica de forja dos metais, principalmente do aço, desenvolveram toda a tecnologia de armamentos e utensílios (IAB, 2013). As armas, por sua vez, foram utilizadas para se opor, defender ou sobrepujar outras civilizações, principalmente as que não dominavam essa tecnologia (LAMBERT, 2005).

Os povos indígenas foram massacrados diretamente pela imposição da força da conquista das armas do homem civilizado, como mostram relatos do século III em diante, principalmente na América Central (maias, incas e astecas), América do Sul (povos tupi-guarani), América do Norte (sioux, apaches etc.) (LAMBERT, 2005; REZENDE, 2013). Foram massacrados indiretamente pela ação dos germes que se espalharam entre os que não possuíam imunidade a suas doenças.

Apesar de acharmos que isso não foi o extremo e desnecessário, uma brutalidade sem limites, ainda impomos cultura, religião e costumes ocidentais sobre eles, o que vem descaracterizando sua linguagem e suas crenças e fazendo com que sua própria cultura seja esquecida pelos atrativos tecnológicos ou impostos pelos ocidentais. Para alguns desses povos que tiveram contato direto com o mundo tecnológico, o que querem e se sentem no direito de tê-lo, mas, pelo contrário, nós os mantemos numa imposição de que continuem na primitividade (LAMBERT, 2005). Fica aqui a polêmica dessa situação: como tirá-los da primitividade sem que percam sua cultura, língua materna e tradições?

Nessa busca incessante pela conquista utilizando a força, ganhando territórios, expandindo e consumindo os recursos naturais, o aumento populacional e das criações de animais para alimentação e a utilização cada vez maior de terras aráveis foram reduzindo as áreas dos ecossistemas; aliado a isso, o consumo de água, minerais, madeira, carvão foi dizimando os recursos do planeta. Hoje, os problemas se agravam e a crise ambiental está associada à crise social e econômica criada pela humanidade. E ainda temos nesse contexto, os povos tradicionais remanescentes, oriundos evolutivos dos antepassados ou descendentes diretos que sobrevivem em meio a esse caos chamado humanidade.

Considerações finais

A história mostra fatos e acontecimentos que, apesar da obscuridade com que nos aparecem na atualidade, servem como aprendizado para o futuro, para a extinção do uso da força, do poder, das armas sobre as sociedades menos avançadas; o poderio tecnológico pode e deve ser usado para resgatar culturas e propiciar o pleno desenvolvimento das populações pelo globo.

Apesar de séculos terem se passado após as pandemias que assolaram o planeta, ainda na contemporaneidade novas doenças surgem e temos dificuldades em lidar com elas, o que leva à mortalidade de milhares de pessoas.

Conseguir conciliar modernidade com o tradicional propicia o resgate de saberes e informações vitais sobre o ambiente e o modo salutar de vida com ele de forma harmoniosa e, assim, garantir o futuro para a humanidade, com igualdade, plenitude e prosperidade.

Bibliografia

AUGUSTO, Jordan. Reflexão sobre o aço das armas de guerra. Disponível em http://www.bugei.com.br/ensaios/index.asp?show=ensaio&id=89. Acesso em 26 jun. 2013.

BRIENT, Jean-François; FUENTES, Victor León. Da servidão moderna. Disponível em: http://delaservitudemoderne.org/portugues1.html. Acesso em: 26 jun. 2013.

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. Ser humano holostêmico. Cabedelo: EBLC, 2012, 46 p.

DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 2004.

FERREIRA, Aurélio B. de H. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

IAB (Instituto Aço Brasil). Siderurgia no mundo. Disponível em http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/aco/siderurgia-no-mundo--introducao.asp. Acesso em: 26 jun. 2013.

QUIOSSA, Bruno. As doenças e o fim dos tempos. Disponível em http://www.jfempauta.com/?page_id=24634. Acesso em: 26 jun. 2013.

REZENDE, Joffre M de. As grandes epidemias da história. Disponível em http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/epidemias.htm. Acesso em: 26 jun. 2013.

Videografia

BRIENT, Jean-François; FUENTES, Victor León. A servidão moderna, 2012. Solution Multimedia, 57 min. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Ybp5s9ElmcY&feature=player_embedded. Acesso em 26 jun. 2013.

LAMBERT, Tim. A evolução da humanidade – armas, germes e aço. Volumes 1 e 2. EUA: National Geographic, 2005, 159 min.

Publicado em 24 de setembro de 2013.

Publicado em 24 de setembro de 2013

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