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Dias melhores virão

Mariana Cruz

Hoje é o Dia do Professor. E justamente pela série de reivindicações que tal categoria vem apresentando, sobretudo os docentes do Município e do Estado do Rio de Janeiro, talvez não seja o momento de escrever um texto em homenagem a esse profissional, como é de praxe nesta data.

Já escutei algumas vezes pessoas dizendo que, ao escolher tal ofício, o profissional já sabe o que o espera: as condições de trabalho precárias, os baixos salários, turmas lotadas, entre outros problemas. Assim, se está nesta situação é porque quer. Tal argumento me parece um tanto conformista; pode-se usar também em relação aos médicos, que, mesmo sabendo das dificuldades do sistema de saúde, escolhem tal profissão. Mas e a vontade de melhorar as coisas, de mudar o que acha que está errado? Será algo realmente impossível o professor recuperar o prestígio de outrora? Se um dia ele foi valorizado pela sociedade, por que não pode voltar a sê-lo? Além disso, se todos pensássemos em seguir profissões apenas pelas altas remunerações e não pela vocação, teríamos uma nação só de advogados e engenheiros medíocres.

Professores do Ensino Fundamental e Médio, assim como os médicos, podem, sim, ter um salário digno. Mas, para que docentes ganhem bem, precisam trabalhar incessantemente, o que requer mais esforço do que a maioria das profissões. Exige intenso exercício mental, físico, equilíbrio psicológico, boa voz, postura. Além disso, o professor deve sempre estar estudando, atualizando-se, encontrando novas formas de dar aula. Independente de trabalhar 16, 20, 30 ou 40 horas, o desgaste me parece bem maior do que qualquer outra profissão que tenha a mesma carga horária (salvo aqueles operadores da bolsa de valores da década de 1980/90). O ofício do professor não tem descanso. No turno da manhã, por exemplo, o docente entra na sala às sete e tem que falar, explicar, cativar, convencer, ensinar, se exaltar com diversas crianças e adolescentes agitados. Alguns mestres encontram-se com seis turmas em um só turno, ou seja, lidam como mais de 150 alunos em menos de seis horas. Repetem a matéria, explicam exercícios, pedem silêncio, riem, conversam, se estressam. Não podem, como em um trabalho normal, dar uma pausa para o cafezinho e depois voltar. Para isso existe a hora do recreio, que serve para recarregar as baterias para o segundo round. Muitas aulas são prazerosas, produtivas, surpreendentes; outras, às vezes por causa de um único aluno bagunceiro ou agressivo, podem ser pesadas, desagradáveis. É um ofício desgastante que pode trazer orgulho e frustração. É quase um pré-requisito da prática docente a entrega de corpo e alma; se não for assim, a aula não funciona (e se não funciona é ruim para todo mundo).

Por toda essa entrega, o docente deveria ser muito valorizado, mas o que vem ocorrendo nas últimas décadas é justamente o contrário: o salário ao longo dos anos foi sendo tão e tão achatado que, mesmo tendo os professores se insurgido de uns tempos para cá e terem começado a lutar para recuperar o prestígio de outrora, ainda falta muito. As exigências, dizem os “patrões”, não podem ser atendidas de uma vez só. Assim, o professor virou um eterno pedinte, querendo reaver o prestígio de antes (o que se refletiria em bons salários, turmas menos cheias, diminuição de tarefas burocráticas a serem feitas, mais liberdade pedagógica, estímulo ao aperfeiçoamento dos estudos etc.). Por tais dificuldades inerentes ao magistério é que muitas pessoas consideram os professores idealistas, utópicos, heróis, caridosos ou mesmo masoquistas.

Assim que comecei a dar aula, em 2005, logo na primeira semana conheci uma professora aposentada que continuava lecionando devido a dificuldades financeiras que vinha enfrentando. Ela entrava na sala dos professores esbravejando, reclamando dos alunos, do sistema, da escola. Faltava-lhe o dente pré-molar esquerdo. Vivia dizendo como o ensino havia decaído muito desde quando ela havia começado a dar aula até aqueles dias. Dizia ela que em seu primeiro ano de magistério já havia conseguido comprar um carro (além de se sustentar). Hoje em dia mal dava para pagar as contas do mês. Eu não conseguia ver a profissão com aquela amargura toda, talvez por não ter vivido um tempo melhor. Gostava das minhas turmas e preparava com esmero minhas aulas. Só achava realmente humilhante o salário. Naquele ano um professor de 16 horas no estado ganhava um salário de quinhentos reais e uns quebrados, que, com os descontos, ficava em quatrocentos e poucos reais. Mas eu tinha outra atividade, além do magistério. Lecionava quase por idealismo. Com o passar dos anos, vi que com muita luta algumas reivindicações dos professores foram atendidas, bônus foram incorporados, mesmo que ínfimos os valores. Apesar dos anos acumulados e do salário maior, meu desconforto cresceu. Mais deveres para o professor, mais metas a serem batidas. O pior é que nenhuma dessas atribuições significou melhoria da qualidade do ensino. Ao contrário, percebi que muitos alunos parecem mais desestimulados, não precisam mais se empenhar tanto para passar de ano. Sabem que serão aprovados sem fazer esforço, então para que estudar para valer? Basta fazer o mínimo. As aulas da minha disciplina tiveram os tempos reduzidos – agora é apenas um tempo por semana. O vínculo com os alunos afrouxou-se. No primeiro tempo (e no tempo logo após o recreio), os alunos chegam à sala de aula com quase meia hora de atraso. Consigo fazer a chamada e dar dez minutos de aula por semana. Que tal?

Alardeia-se, porém, que o salário do professor do Rio de Janeiro é um dos mais altos do país; mas esquece-se que o custo de vida daqui também é. Um vencedor do BBB – a quem Pedro Bial sempre se refere como milionário –, com o prêmio de R 1,5 milhão, consegue comprar uma apartamento de dois quartos na Zona Sul carioca (isso se o valor do prêmio não for descontado do imposto de renda) e não ter mais nenhum centavo para pagar o condomínio. Em qualquer outro lugar do Brasil, tal prêmio daria para comprar diversos imóveis. O Rio de Janeiro está com os preços de Paris, mas os professores daqui não ganham em euros.

Ainda assim vejo o valor imensurável desta profissão. Vejo-a como um importante meio de modificar e melhorar a vida de muitas crianças e jovens sem perspectiva, provenientes de famílias desestruturadas, que vivem em um ambiente de violência. Com todas essas dificuldades que nossa profissão enfrenta diariamente, soa quase hipócrita desejar um feliz dia dos professores; mas, seguindo o lado utópico de quem acredita na educação, quero crer que dias melhores virão!

Publicado em 15/10/2013

Publicado em 15 de outubro de 2013

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