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Individualidade e coletivismo na prática docente

Alexandre Alves

Noite passada tive insônia. Dormi cedo, com a televisão ligada, luz acesa... E acordei às três da manhã; estava passando o filme O contador de histórias, brasileiro. Narra um período da vida de Roberto Carlos Ramos, que foi levado pela própria mãe para uma instituição que prometia fazer de crianças médicos, advogados e engenheiros. A instituição era a Febem. Claro que a realidade ali dentro era outra.

Aos 13 anos, Roberto teve oportunidade de morar e estudar com a pedagoga francesa Margherit Duvas, que lhe deu educação individualizada, noções de família e formação pessoal, numa espécie de trabalho de campo para comprovar as teorias educacionais que ela defendia. Ou seja, o garoto, ao sair da Febem pela porta da frente (pelos muros ele havia fugido várias vezes) virou cobaia de uma pesquisadora estrangeira.

Quando está para voltar para a França, Margherit procura a diretora da Febem sua amiga – que lhe permitiu o trabalho com o garoto Roberto – para dizer que ele era outra pessoa, que havia adquirido hábitos “civilizados” e pergunta por que isso não acontecia com os outros internos. A resposta da diretora foi simples: “milagres não acontecem sempre. Você foi o milagre do Roberto”. Ou seja, o milagre se chama atenção individualizada.

Mais cedo, num canal de esportes, um repórter, ao analisar a liderança do Cruzeiro (MG) no Campeonato Brasileiro, fez questão de registrar: “o preparador físico do time destaca um fator importante para a equipe ter um histórico de poucos jogadores contundidos; é o trabalho individualizado. Cada jogador tem um plano de trabalho específico, de acordo com suas condições no momento, sua aptidão e suas necessidades, de acordo com a posição na equipe”.

O que essas histórias têm em comum? A individualização.

Ao comentar essas notícias com uma amiga, ela retrucou: “Mas o que o aluno tem que estudar na escola é o mesmo que seus colegas de turma...”. “Sim, respondi, mas cada um tem sua história de vida, sua bagagem de formação, suas formas de aprender”. Por isso a individualização da educação deve ser considerada – ainda que não possamos esquecer os conceitos de aprendizagem social e das zonas de desenvolvimento proximal de Vigotsky.

A grande dificuldade é que as salas de aula estão cada vez mais cheias, e os sindicatos patronais (ou os secretários de educação, no caso da rede pública) não se comprometem com a redução do número de alunos por turma, mesmo que seja paulatina. No caso de cursinhos, vige um conceito – injusto, em termos sociais e educacionais – de que o aluno é que tem que se virar para aprender aqueles conteúdos cobrados nas provas (Enem, concursos, Saresp, Saerj e que-tais). Claro que, se pensamos num processo educativo mais complexo, de mais longo prazo, esse conceito não faz sentido, só tem valor ao ser considerado em prazo curto e definido. Mais ainda: se levarmos em conta todas as formas de padronização que vêm sendo implantadas (currículo mínimo, PCNs, OCNs etc.), a individualização é coisa impossível.

Além disso, só pra lembrar, existe uma tendência de obrigar as escolas públicas a incluir na mesma sala de aula alunos “normais” (tudo bem, olhando de perto, como diz Caetano, ninguém é normal) e alunos com condições especiais – flagrantes (autistas, com síndrome de Down, deficientes visuais, deficientes auditivos etc.) ou não. Como é que um professor pode trabalhar, ensinar, contribuir para a construção do conhecimento de pessoas tão díspares? Não tenho resposta.

Mal comparando, é como se um médico atendesse a vinte pessoas ao mesmo tempo, ainda que todas tivessem os mesmos sintomas... Ou então se um professor colocasse os alunos na sala de espera, como acontece nos consultórios e nos hospitais e atendesse um a um...

Publicado em 29 de outubro de 2013.

Publicado em 29 de outubro de 2013

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