Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Distância e diálogo na educação: do diálogo aproximativo à Pedagogia da distância

Delmo Mattos

Doutor em Filosofia (UFRJ), especialista em mediação pedagógica em EaD (PUC-Rio), tutor na área de Extensão (Cecierj)

Introdução

Há várias formas de definir e conceituar a Educação a Distância. Não obstante, nem todas essas formas conseguem obter verdadeiramente o sentido exato ao qual se destina essa modalidade de ensino. Guiados por essa controvérsia, preferimos utilizar neste artigo um embasamento legal para conceituar o que propomos analisar e discutir. No Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, a Educação a Distância é caracterizada da seguinte forma:

Modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.

Esta caracterização deixa transparecer uma questão fundamental na compreensão didático-pedagógica da Educação a Distância (EaD): como são estabelecidas as relações didáticas e pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem quando mediado por tecnologias e pela separação espacial e temporal entre professores e alunos. Essa separação há muito é considerada algo nocivo para a educação, pois se convencionou que na modalidade a distância não haveria possibilidades reais para o diálogo e, sobretudo, para qualquer prática pedagógica, uma vez que naturalmente a distância torna-se um impedimento real.

Ora, considerar a distância como impedimento para a obtenção do diálogo é um equívoco sem precedentes, pois a prática dialógica nessa modalidade é o fator principal da interação entre professor e aluno no ambiente virtual. Nesse processo, a comunicação, mediada tecnologicamente, abre a possibilidade para uma aproximação afetiva e relacional entre ambos, na medida em que o professor atua como promotor do desenvolvimento da capacidade de autoaprendizagem do aluno.

Com efeito, como já foi mencionado, a aproximação e a distância nessa modalidade de ensino não pode ser considerada sob as mesmas categorias da distância física ou geográfica na medida em que são dois universos completamente distintos. Essa distinção, por sua vez, estabelece parâmetros nítidos para a efetivação da eliminação não da distância física, pois ela é um fator a ser sempre considerado na Educação a Distância, mas na distância transacional.

De acordo com Moore (1993, p. 6),

o sucesso do ensino a distância depende da criação, por parte da instituição e do instrutor, de oportunidades adequadas para o diálogo entre professor e aluno, bem como de materiais didáticos adequadamente estruturados. Com frequência isso implicará tomar medidas para reduzir a distância transacional através do aumento do diálogo com o uso de teleconferência e do desenvolvimento de material impresso de apoio bem estruturado. Na prática, isso se torna um assunto bastante complexo, pois o que é adequado varia de acordo com o conteúdo, o nível de ensino e as características do aluno, e principalmente com a sua autonomia. Muito tempo e esforço criativo, bem como a compreensão das características de aprendizagem do público-alvo, devem ser empregados para identificar o quanto de estrutura é necessário em qualquer programa e para projetar adequadamente interações e apresentações estruturadas. É preciso muita habilidade para facilitar o grau de diálogo que seja suficiente e adequado para determinados alunos. Superar dessa forma a distância transacional por meio da estruturação adequada da instrução e do uso adequado do diálogo é bastante trabalhoso.

Conforme explicita essa citação, o diálogo na Educação a Distância é um fator primordial para o sucesso da mediação pedagógica e fator fundamental para o processo de autonomia do aluno. O exercício dessa autonomia tem sido colocado como um dos requisitos imprescindíveis à implementação do paradigma educacional a distância. Pesquisas realizadas sobre a relação entre autonomia e educação demonstram que a primeira é a condição indispensável à prática democrática, como também condição sine qua non para a instauração do diálogo entre professor e aluno.

A partir dessa concepção, pode-se facilmente entender por que o diálogo deve assumir papel de extrema relevância à construção de uma prática pedagógica que privilegie a autonomia, uma vez que deve constituir-se em espaço de construção da identidade e da alteridade dos atores envolvidos no processo educacional. O que constitui o diálogo? Qual é a relação deste com a interação entre professores e alunos no ambiente virtual de aprendizagem? Para responder a esses questionamentos é necessário enfatizar alguns elementos constitutivos da Educação a Distância, em especial o modo como é concebida a atuação da distância na educação, a relação intrínseca desta com o procedimento metodológico utilizado pelo tutor no ambiente virtual de aprendizagem.

Aprendizado a distância: que caminho seguir?

Para iniciar a discussão, é absolutamente necessário traçar um paralelo entre a estrutura do ensino a distância e sua relação com a constituição da forma de aprendizado a distância. Keegan enumera os elementos fundamentais que distinguem a educação presencial da educação a distância:

separação física entre professor e aluno, que o distingue do presencial; influência da organização educacional (planejamento, sistematização, plano, projeto, organização dirigida, etc.) que a diferencia da educação individual; utilização de meios técnicos de comunicação, usualmente impressos, para unir o professor ao aluno e transmitir os conteúdos educativos; previsão de uma comunicação-diálogo e da possibilidade de iniciativas de dupla via; possibilidade de encontros ocasionais com propósitos didáticos e de socialização; e participação de uma forma industrializada de educação (Keegan, 1991, p. 24).

Essas variáveis que distinguem o ensino a distância do ensino presencial têm fortalecido principalmente a figura do tutor nesse novo modelo de educação. De maneira geral, os conhecimentos necessários ao tutor não são diferentes dos que, de forma geral, um bom professor precisa ter. Este necessita entender a estrutura do assunto que ensina, os princípios da sua organização conceitual e os princípios das novas ideias produtoras de conhecimento na área.

Além disso, sua formação teórica no âmbito pedagógico-didático deverá ser atualizada com a formação na prática dos espaços de tutoria. Por outro lado, o ensino a distância difere completamente, em sua organização e desenvolvimento, do curso oferecido de forma presencial. Cabem neste momento as seguintes indagações: em que consiste o ensino do tutor no ambiente virtual? Quais seriam seus papéis e funções gerais e específicos?

Diferentemente da figura do “professor tradicional”, as funções atribuídas ao tutor circunscrevem âmbitos que vão desde as pedagógicas até as administrativas, sociais e técnicas. Isso porque a Educação a Distância possui características específicas, como as variações do espaço de ensino, que pode ser em qualquer lugar: professor e aluno encontram-se em condições de igualdade na comunicação, tendo o aluno um “acompanhamento individual, oportunidade para entrar no ambiente virtual a qualquer momento, maior uso de multimídia e tecnologia na construção do conhecimento” (Alves; Nova, 2003, p. 34).

Nesse contexto, o tutor assume a forma de “agente organizador”, dinamizador e orientador da construção do conhecimento do aluno e até da sua autoaprendizagem. Sua importância é potencializada e sua responsabilidade redefinida na medida em que “seu lugar de saber seria o do saber humano e não o do saber informações”, sendo a comunicação mais importante do que a própria informação (Alves; Nova, 2003, p. 19). Por esse viés, é possível constatar que a diferença entre o docente tradicional e o tutor é institucional e conduz a consequências pedagógicas importantes. Por causa disso, as intervenções do tutor são eminentemente demarcadas por um “quadro institucional” diferente, que se distingue em função de três dimensões de análise, conforme está delineado pela concepção de Litwin:

1- Tempo – “o tutor deverá ter a habilidade de aproveitar bem seu tempo, sempre escasso. Ao contrário do docente, o tutor não sabe se o aluno assistirá à próxima tutoria ou se voltará a entrar em contato para consultá-lo; por esse motivo, aumentam o compromisso e o risco da sua tarefa”;

2- Oportunidade – “em uma situação presencial, o docente sabe que o aluno retornará; que, caso ele não encontre uma resposta que o satisfaça, perguntará de novo ao docente ou a seus colegas. Entretanto, o tutor não tem essa certeza. Tem de oferecer a resposta específica quando tem a oportunidade de fazer isso, porque não sabe se voltará a ter”;

3- Risco – “aparece como consequência de privilegiar a dimensão tempo e de não aproveitar as oportunidades”. O risco consiste em permitir que os alunos sigam com compreensão parcial, que pode se converter em uma construção errônea sem que o tutor tenha a oportunidade de adverti-lo. “O tutor deve aproveitar a oportunidade para aprofundar o tema e promover processos de reconstrução, começando por assinalar uma contradição” (Litwin, 2001, p. 45).

Levando em conta este quadro, ao contrário do que muitos julgam, a função do tutor não é somente de transmitir conteúdo, mas orientar a construção do conhecimento pelo aluno. É nesse sentido que se pensa a função especial do tutor como “agente formador”, nessa nova tarefa que envolve a prática pedagógica, ou seja, buscar identificar as necessidades e os desejos dos alunos, além de promover circunstâncias nas quais, segundo Belloni, “possam se expressar num clima de liberdade e confiança e sejam capazes de exteriorizar seus pensamentos, suas emoções, suas sensações e utilizar diversas formas de linguagem”, favorecendo, dessa forma, a criação de um ambiente que propicie a interação e a aprendizagem contextualizada e, sobretudo, reflexiva e autônoma (2003, p. 120).

Por outro lado, o que se espera do tutor é que ele seja a “porta de entrada” no ambiente de aprendizagem a distância, em que devemos considerar importantes todos os aspectos, principalmente os cognitivos. Esse é um dos indicativos que devem ser levados a sério, pois é necessário compreender como são efetivados os processos de aprendizagem a distância e como se procede à construção do conhecimento no ambiente virtual de aprendizagem. Como já foi assinalado, conduzir o aluno ao processo do conhecimento é função básica do tutor. Para isso ele deve atuar como mediador no processo de ensino e aprendizagem, auxiliando o aluno a construir sua autonomia no processo de aprendizagem. Para que isso ocorra de maneira satisfatória, cabe ao professor-tutor ajudar o aluno a aprender, criando condições para que ele encontre soluções para suas dificuldades e construa seu próprio conhecimento.

Sobre isso, comenta Belloni (2003, p. 46):

podem ocorrer, na EaD, dois tipos de presencialidade: o presencial físico, que se refere ao “lugar real”, e o presencial virtual, que se refere ao “espaço não-real”. O presencial físico ocorre na dimensão física do tempo, nos aspectos institucional (coletivo), cronológico e individual. Quer dizer, as aulas ocorrem em determinado lugar – instituição, escola – e em tempos simultâneos, com encontro de vários indivíduos que, biologicamente, estão presentes. (...) No presencial virtual, de um determinado lugar podem ser visitados outros espaços, assim como outros espaços podem ser trazidos ao lugar por meio de tecnologias como o fax, o telefone, o computador e a videoconferência.

A noção de presencialidade exposta por Belloni delimita claramente o modo em que se baseiam os processos de aprendizagem, tanto a distância como presencial. Nessa delimitação fica patente, portanto, a ausência de conferencia entre o real e o virtual, ao explicitar que cada um possui uma dimensão que lhe é própria. Todavia, essa ausência de convergência expõe, por um lado, características essenciais na modalidade a distância que merecem total atenção, pois elas são o principal fator de eliminação da distância, ou seja, o diálogo. Por outro lado, tanto o diálogo quanto a interação proporcionam, segundo Moore, “o aperfeiçoamento da compreensão por parte do aluno” (2006, p. 73). Para demonstrar esse aspecto, partiremos do modo como Paulo Freire concebe a o diálogo na Educação para, com base nisso, discorrer sobre a função do diálogo e sua intrínseca relação com a distância transacional, tal como é compreendida por Moore.

Emancipação e autonomia na Educação

De acordo com Paulo Freire, “diálogo se constitui como caminho no qual os sujeitos estão em permanente movimento de construção e reconstrução” (2006, p. 91). A construção e reconstrução mencionada pelo autor estão relacionadas ao modo de significação da realidade com base em uma dialética construtiva de um “diálogo autêntico”. No entanto, para que haja “diálogo autêntico”, o discurso tem que se fundamentar em uma prática que privilegie a dinâmica entre os sujeitos, na qual os significados emergem em decorrência de uma ação conjunta, resultante dos desencontros de diferentes níveis de conhecimento. Nesse processo, a interação pressupõe a existência de uma ação partilhada entre os sujeitos em que ambos se constituem em sujeitos ativos.

Segundo Freire, o diálogo não se constitui em um recurso didático, uma técnica ou mesmo um método pedagógico. Para ele, o diálogo em questão é essencialmente uma exigência existencial do ser humano, em que “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo” (2006, p. 90). O diálogo, portanto, assume função puramente desconstrutiva perante a realidade. Isso significa que é, sobretudo, uma atitude, um pensar permanente. É um conhecimento instituinte, no sentido de que questiona o “saber instituído”. Logo, a exigência existencial que Freire menciona não constitui um saber abstrato, pois o próprio tecido do pensar humano é a trama dos acontecimentos, é o seu cotidiano.

Nas suas palavras (2006, p. 55),

o diálogo e a problematização não adormecem ninguém. Conscientizam. Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que esse conjunto de saber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens, no mundo e com ele, explicando o mundo, mas, sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação.

Diante do que foi exposto, o diálogo implica necessariamente intercâmbio e reflexão entre os sujeitos. Contudo, favorecer a aprendizagem a partir do diálogo é algo que não ocorre de maneira espontânea, pois requer, da parte do professor, certa habilidade para aceitar as diferenças por meio da compreensão e da valorização do outro. De acordo ainda com Freire, “todo diálogo envolve algum investimento afetivo, seja na relação estabelecida com outras pessoas ou na relação estabelecida com o produto do trabalho” (2006, p. 45).

Nesse sentido, entende-se que as relações mediadas pelo professor-tutor devem ocorrer com base no respeito, na compreensão e na valorização do outro, ou seja, é necessário que a afetividade esteja presente dentro da sala de aula – física ou virtual. Sobre essa questão, Vygotsky afirma que “concebe o homem não apenas como um ser que pensa, raciocina, deduz e abstrai, mas também como alguém que sente, se emociona, deseja, imagina e se sensibiliza” (2003, p. 12).

Portanto, considera-se a afetividade um “aspecto catalisador” do processo ensino-aprendizagem, indispensável para o desenvolvimento e o estabelecimento do diálogo nas relações entre tutor e aluno no ambiente virtual de aprendizagem. Alves e Nova expõem em seu livro Educação a Distância: uma nova concepção de aprendizagem e interatividade as relações entre a afetividade para a “relação pedagógica” estabelecida na EaD.

Estas são algumas dessas relações:

  1. “a afetividade e as emoções são muito importantes como elemento constituinte do processo de ensino-aprendizagem, independente do espaço em que ele se estabeleça”;
  2. “as relações pedagógicas permeadas de afetividade são mais difíceis de serem percebidas e cultivadas num ambiente em que os sentidos não estão presentes, mas não impossíveis ou indesejadas”;
  3. “os docentes que reconhecem a afetividade como importante para a aprendizagem conseguem estabelecer relações pedagógicas mais profícuas no ciberespaço, a despeito de toda dificuldade que possa, por vezes, atrapalhar o processo”;
  4. “é fundamental que os interlocutores (professores, alunos, monitores e tutores) encontrem mecanismos de conhecimento e reconhecimento mútuo, a fim de que se estabeleça o sentimento de comunidade de aprendizagem”.

Para esses autores, é próprio ou característico do professor formar “vínculos sociais” com os demais professores e principalmente com os alunos (2003, p. 56). Esse estado afetivo pode ser identificado dentro de um ambiente virtual por meio da interação e da comunicação entre os participantes, tanto nas ferramentas de comunicação síncronas como nas assíncronas (Cf. Landim, 1997).

Por outro lado, pode-se ainda vincular a afetividade com a sociabilidade, como é a interação do professor-tutor com os demais participantes do processo de ensino-aprendizagem, assim como a quantidade de mensagens que são trocadas entre cada participante estimulada pelo tutor. Uma quantidade mínima de comunicações escritas qualificadas sempre que iniciar a utilização de uma ferramenta e a cada vez que elabora uma resposta (tanto para os que participam como para os que, por algum motivo, deixam de cumprir tarefas e metas previamente acordadas) deve ser usada como medida para a sociabilidade (Cf. Fulton, 2002).

A partir da concepção de diálogo em Freire e da relação presente entre o diálogo e a afetividade nas interações virtuais, podemos, enfim, expor a proposta da distância transacional e a sua intrínseca relação com o diálogo na Educação. Essa relação, portanto, demonstra que, na modalidade de ensino em questão, o diálogo é o fator primordial para eliminar a distância e proporcionar uma função pedagógica condizente com uma prática de mediação favorável a um excelente curso a distância.

A distância transacional constitui uma contribuição significativa para a didática da Educação a Distância. Esta teoria caracteriza de forma exemplar a estrutura específica da EaD, não descrevendo apenas as possibilidades existentes nesta modalidade de ensino para reduzir a “distância física e comunicativa”, mas também interpreta simultaneamente sua respectiva relevância didática. Ao apresentar a distância transacional não como uma “grandeza fixa”, mas como uma variável que resulta do diálogo, “estrutura dos programas de ensino e da autonomia”, Moore explica de modo convincente a enorme flexibilidade do ensino mediado a distância (Cf. Peters, 2006).

Além disso, Moore fornece, por sua visão crítica da distância, a complexidade didática da Educação a Distância, que se torna mais evidente se comparada a outras modalidades de ensino.

De acordo com Peters,

Moore não é dogmático e não se pronuncia a favor de uma das formas de ensino enumeradas, das quais cada uma isoladamente pode, contudo, contribuir para a otimização da Educação a Distância. Sua análise sóbria, no entanto, revela como o ensino a distância pode desenvolver-se no campo de tensão, que lhe é próprio, das conceituações metódicas em parte antagônicas entre si. Evidentemente, é também na combinação das três distintas formas do ensino a ser encontrada para cada caso que está o caminho “régio” para a reforma do ensino a distância, que deve ser entendida como tarefa permanente (2006, p. 66).

Nesse contexto, podemos compreender que o diálogo torna-se relevante do ponto de vista pedagógico na medida em que nele a linguagem, o pensamento e a ação estão relacionados e realizam o desenvolvimento individual e social de todo ser humano. Segundo Peters, “no diálogo, o falar torna-se uma ação social; na leitura isolada do material didático impresso não é este o caso” (2006 p. 80).

Sendo assim, o diálogo faz com que os indivíduos encontrem-se de modo direto, levando-os a agir baseado em decisões próprias e considerando que suas decisões podem afetar outros. Nessa relação, há uma experimentação inquestionável para a existência humana, pois se trata de uma “realidade elementar” para todo ser humano, pois é através dele que se exercita a linguagem e a possibilidade do convívio.

Sobre isso, comenta Peters (2006, p. 81):

o diálogo é a caixa de ressonância que nos diz mais sobre nós como indivíduos do que nós podemos descobrir de nós mesmos e para nós mesmos. O semelhante, como parceiro no diálogo, se revela não somente uma necessidade de contato humano, mas, sim, sobretudo, o anseio por autoconhecimento e autocertificação.

Por outro lado Moore (1993, p. 3) afirma que

o diálogo é desenvolvido entre professores e alunos ao longo das interações que ocorrem quando alguém ensina e os demais reagem. Os conceitos de diálogo e interação são muito parecidos, e de fato são por vezes usados como sinônimos. No entanto, uma distinção importante pode ser feita. O termo "diálogo" é usado aqui para descrever uma interação ou série de interações que possuem qualidades positivas que outras interações podem não ter. Um diálogo é intencional, construtivo e valorizado por cada parte. Cada parte num diálogo é um ouvinte respeitoso e ativo; cada uma elabora e adiciona algo à contribuição de outra parte ou partes.

Não obstante, Moore adverte que pode haver interações negativas ou neutras, mas o termo "diálogo" é reservado apenas para interações positivas, em que o valor incide sobre a natureza sinérgica da relação entre as partes envolvidas. O diálogo, em uma relação educacional, é direcionado para o aperfeiçoamento da compreensão por parte do aluno. Nesse sentido, a internet é compreendida como uma rede de interações entre seres humanos, e a Educação a Distância, ao se utilizar desse meio, deve perceber que a possibilidade de se socializar com afetividade é algo realmente possível.

De acordo com Moore, “se o diálogo acontece, sua extensão e natureza são determinadas pela filosofia educacional do indivíduo ou grupo responsável pelo projeto do curso, pelas personalidades do professor e do aluno, pelo tema do curso e por fatores ambientais” (1993, p. 4). Assim, um dos mais importantes fatores ambientais e o que normalmente oferece maior atenção tanto dentro quanto fora da Educação a Distância é o meio de comunicação. À medida que o campo da Educação a Distância amadurece, espera-se que uma atenção maior seja dada a outras variáveis além do meio de comunicação, especialmente o projeto de cursos e o estilo de aprendizagem dos alunos.

Obviamente, a natureza de cada meio de comunicação tem impacto direto sobre a extensão e a qualidade do diálogo entre professores e alunos. Por exemplo, um “programa educacional” no qual a comunicação entre professor e aluno acontece de forma única e unidirecionalmente pela televisão, por uma fita de áudio ou por um livro didático não terá nenhum diálogo professor-aluno, simplesmente porque esses meios não permitem o envio de mensagens dos alunos de volta ao professor (Cf. Fulton, 2002).

Moore menciona ainda que “os alunos via de regra respondem interiormente ao que é transmitido pelo meio unidirecional, mas não conseguem responder individualmente ao professor” (Moore, 1993, p. 4). Em comparação, um aluno por correspondência via correio consegue ter uma interação bidirecional e, portanto, dialoga com o professor, embora o meio retarde a interação. Desse modo, o diálogo é menos espontâneo, mas talvez mais ponderado e reflexivo que o de um curso semelhante ministrado numa sala de aula ou em uma conferência mediada por computador.

Parece evidente que essa natureza interativa do meio de comunicação é um fator determinante do diálogo no ambiente de ensino-aprendizagem. Desse modo, manipulando os meios de comunicação é possível ampliar o diálogo entre alunos e seus professores e assim reduzir a distância transacional.

Para Moore (1993, p. 4),

vale a pena observar, no entanto, que, como já sugerido, uma forma de diálogo entre professor e aluno acontece mesmo em programas que não possuem qualquer interação, tal como quando o aluno estuda em materiais impressos autoinstrucionais ou por meio de fitas de áudio ou de vídeo. Mesmo nesses meios há alguma forma de diálogo aluno-instrutor, pois o aluno desenvolve uma interação silenciosa e interior com a pessoa que, distante no tempo e no espaço, organizou um conjunto de ideias ou informações para transmissão, dentro daquilo que poderia ser considerado um "diálogo virtual" com um leitor, espectador ou ouvinte distante e desconhecido. Por outro lado, meios de teleconferência eletrônica altamente interativos, especialmente meios que utilizam computadores pessoais e audioconferência, permitem um diálogo mais intenso, pessoal, individual e dinâmico do que aquele obtido por meio de um meio gravado.

Os programas de Educação a Distância que utilizam tais meios possuem probabilidade maior de transpor a distância transacional de maneira mais eficaz do que programas que usam meios gravados. Há outros “fatores ambientais” que influenciam também no diálogo e, portanto, a distância transacional.

Sobre isso, diz Moore (1993, p. 4):

Entre eles está o número de alunos por professor e a frequência da oportunidade para comunicação, normalmente determinados por restrições financeiras e administrativas; o ambiente físico no qual os alunos aprendem e o ambiente físico no qual os professores ensinam; o ambiente emocional de professores, especialmente a consideração, ou, mais apropriadamente, o grau de desconsideração dos administradores em relação aos resultados do seu ensino a distância; e o ambiente emocional dos alunos, especialmente o respeito com o qual seu estudo é visto por pessoas importantes em suas residências ou em seus locais de trabalho.

Enfim, qualquer que seja a dinâmica de cada “transação” de ensino-aprendizagem, um dos fatores determinantes para o nível de redução da distância transacional é a possibilidade do diálogo entre alunos e professores, bem como a extensão que ocorre entre eles. Verificamos aqui, de forma contextualizada, como é estabelecida a relação entre diálogo e distância na Educação. Ficou claro que nessa relação a afetividade entre aluno e professor encontra lugar de destaque, uma vez que assume extrema relevância na construção de uma prática pedagógica que privilegia a autonomia e a construção da identidade dos atores envolvidos no processo educacional. Com base nessa explanação, foi possível compreender a importância do desempenho do professor-tutor no processo de ensino-aprendizagem na Educação a Distância como agente de promoção do diálogo e da autonomia.

Referências

BELLONI, Maria Luiza. Tecnologia e formação de professores: rumo a uma pedagogia pós-moderna? Educ. Soc. [on line], v. 19, n. 65, p.143-162, dez. 1998 [citado em 05 jun. 2004]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? ISSN 0101-7330, Acesso em 6 jul. 2010.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Referenciais de qualidade para educação superior a distância. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf , 2007.

BABIN, P. Langage et culture des médias. Paris: Ed. Universitaires, 1991.

MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a Distancia - uma visão integrada. São Paulo: Thomson Learning, 2007.

MOORE, Michael. Teoria da distância transacional. In: KEEGAN, D. Theoretical principles of distance education. London: Routledge, 1993, p. 22-38. Trad. Wilson Azevedo. Disponível em: http://www.abed.org.br/. Acesso em: 24 fev. 2003.

KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. São Paulo: Papirus, 2003.

GARAUDY, Roger. Para conhecer o pensamento de Hegel. Porto Alegre: L&PM, 1983.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. 35ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

FULTON, K. The brave new world of virtual schooling in the U.S.: challenges and issues. TechKnowLogia, v. 4, issue 2, April-June 2002, p.7-9.

PETERS, Otto. Didática do ensino a distância. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006.

______. A Educação a Distância em transição: tendências e desafios. Trad.

Leila Ferreira de Souza Mendes. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004.

Publicado em 10 de dezembro de 2013

Publicado em 10 de março de 2013

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.