Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Compreendendo a Educação Especial e a Educação Inclusiva
Priscila Maria Romero Barbosa
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945 por líderes mundiais que se preocupavam em proteger o ser humano das atrocidades vistas nas grandes guerras do século XX. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada, também com o intuito de acabar com injustiças e comportamentos desumanos para com o próximo. Em seu Art. 1º, ela afirma que todos os homens nascem livres e iguais, tanto em dignidade como em direitos e que devem agir uns com os outros no espírito de fraternidade.
No Art. 2º existe uma implícita menção sobre o tema de nosso trabalho – inclusão –, uma vez que assegura o gozo de direitos a todos, sem distinção de qualquer espécie. A mesma Declaração não poderia deixar de citar o direito à educação – bem maior do cidadão –, dedicando três itens ao Art. 26, citados abaixo:
- Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
- A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
- Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
A Constituição brasileira homologada em 1988 consolidou os direitos dos cidadãos brasileiros e reafirmou que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (Art. 5º). No artigo seguinte, estipulou quais são os direitos sociais, e o direito à educação foi o primeiro a ser mencionado.
A Carta Magna dedicou o Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto – à instrução de forma abrangente, estabelecendo que Educação é “direito de todos e dever do Estado e da família” (Art. 205). Logo no artigo 206, inciso I, assegura a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. E, em seu Art. 208, inciso III, dá a garantia de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Este último artigo põe fim à segregação ocorrida com todas as crianças e adolescentes portadores de quaisquer deficiências.
Mas o que é atendimento educacional especializado?
Fávero (apud Mantoan, 2008) afirma que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional denomina Educação Especial como atendimento educacional especializado; este, para efetivar o dispositivo constitucional, deverá ocorrer da seguinte forma:
atendimento educacional especializado como apoio e complemento, destinado a oferecer aquilo que há de específico na formação de um aluno com deficiência, sem impedi-lo de frequentar, quando na idade cronológica própria, ambientes comuns de ensino em estabelecimentos oficiais (Fávero, apud Mantoan, 2008, p. 20).
Em 24 de outubro de 1989, foi promulgada a Lei nº 7.853, que dispõe o apoio aos portadores de deficiência, legislando em face de atitudes covardes e desleais contra eles. O Art. 1º assegura o exercício de todos os direitos individuais e sociais – já determinados pela Constituição Federal – das pessoas portadoras de deficiência. O Art. 2º, inciso I, trata da Educação Especial; o inciso III trata da formação profissional e do trabalho, estabelecendo, em sua alínea A, “o apoio governamental à formação profissional e a garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional”; em seu Art. 8º, inciso I, surge a punição, com reclusão de um a quatro anos, para quem “recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta”. Percebemos, então, a preocupação de “adaptar” a sociedade para “receber” todos que têm necessidades especiais, no intuito de igualar seu acesso aos direitos garantidos.
Em 1996, foi publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que dedica seu Capítulo V à Educação Especial, definindo-a como “modalidade da educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (Art. 58). É o começo da luta contra a discriminação e a favor da Educação Inclusiva no Brasil.
A Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, que institui as diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, define Educação Especial como:
um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica.
O Decreto nº 7.611, que dispõe sobre a Educação Especial e o atendimento educacional especializado, conceitua este último como
conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente, aplicado de forma complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais ou suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação.
Também define as salas de recursos multifuncionais como “ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado”. Esses materiais didáticos e paradidáticos devem ser adequados às especificidades de cada aluno; portanto, o decreto assegura a produção deles em Braille, em áudio e em Libras (Linguagem Brasileira de Sinais), assim como garante a entrega, para as escolas, de notebooks com sintetizador de voz e softwares para uma comunicação alternativa.
Surge, então, um questionamento: a inclusão acaba com a Educação Especial realizada em escolas especiais?
A inclusão escolar não significa o fim da Educação Especial em instituições especializadas. A mesma poderá acontecer extraordinariamente em escolas especiais, quando os alunos com deficiência necessitarem de atenção individualizada (Brasil, Res. Nº 2, Art. 10, 2001). Deverá haver sempre o sentido de complementação e nunca de única oferta educacional. O Plano Nacional de Educação faz uma ressalva, em seu item 8.1, quanto a este assunto.
Quando o aluno alcançar desenvolvimento adequado às suas necessidades, a equipe pedagógica da escola especial, mediante avaliação, deverá decidir junto com a família, a transferência dele para escola da rede regular de ensino (Brasil, Res. nº 2, Art. 10, § 3º, 2001), a fim de consolidar a proposta da inclusão escolar.
E o que dizer sobre Educação Profissional propícia a tal público?
As escolas de Educação Profissional públicas e privadas também deverão atender aos alunos com necessidades educacionais especiais, compactuando com a educação inclusiva (Brasil, Res. nº 2, Art. 17). O § 1º diz que as escolas profissionalizantes poderão estabelecer parcerias com escolas especiais com os objetivos de “construir competências necessárias à inclusão” de tais alunos, “prestar assistência técnica e convalidar cursos profissionalizantes realizados por essas escolas especiais” (Brasil, Res. nº 2, 2001).
Quanto aos alunos com necessidades educacionais especiais, a Resolução os qualifica como aqueles que, durante o processo educacional, apresentam estas características:
- dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:
- aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
- aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
- dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
- altas habilidades/superdotação ou grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (Brasil, Res. nº 2, 2001).
A Organização Mundial da Saúde classifica como necessidades especiais as deficiências visuais, auditivas, físicas, mentais e múltiplas, os distúrbios de conduta e a superdotação ou altas habilidades (PNE, 2001). A mesma classificação é encontrada no Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, Art. 1º, § 1º: “para fins deste decreto, considera-se público-alvo da Educação Especial as pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação” (Brasil, 2011).
O Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01), ao mencionar a Carta Magna, relembra que todo portador de necessidades educacionais especiais tem dois direitos a serem garantidos: o direito à educação – como já falamos, bem maior do homem – e o direito à integração social. Também cita a necessidade de sensibilização de todos os alunos e da comunidade escolar para a ocorrência de uma verdadeira inclusão, a necessidade de adaptações curriculares e materiais pedagógicos adequados às diferentes necessidades, além de transporte escolar adaptado.
O PNE também aconselha a intervenção educacional precoce com a criança portadora de deficiência para alcançar melhores resultados ao longo do tempo.
Apesar de todas as leis e decretos, infelizmente ainda não podemos dizer que somos exemplo de país inclusivo. Abrir as portas da escola e romper barreiras arquitetônicas é o começo. No entanto, os grandes obstáculos são as questões emocionais, como medo, ignorância e preconceito. Essas, sim, são as piores, mas são as que nós, educadores, devemos combater, todos os dias!
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/CON1988.shtm. Acesso em: 05/11/12.
________. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-014/2011/Decreto/D7611.htm#art11. Acesso em: 05/11/12.
________. Direitos do Cidadão. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/sobre/cidadania/direitos-do-cidadao/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 30/10/12.
________. Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/resolucao2.pdf. Acesso em: 30/10/12.
________. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001 - Plano Nacional de Educação. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 30/10/12.
________. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm. Acesso em: 01/11/12.
MANTOAN, Maria Teresa E. O desafio das diferenças nas escolas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
ONU. Declaração Universal Dos Direitos Humanos. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 30/10/12.
Publicado em 19 de fevereiro de 2013
Publicado em 19 de fevereiro de 2013
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.