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Afinal, por que o plágio?
Alexandre Amorim
Um dos melhores filmes dos últimos tempos, As Aventuras de Pi, é baseado no livro Life of Pi, do canadense Yann Martel. A grande metáfora da narrativa é expressa na convivência entre um menino hindu e um tigre após um naufrágio, em um bote salva-vidas perdido no oceano. A partir dessa ideia, Martel desenvolve uma história que comove por conseguir discutir o sentimento metafísico de modo lúcido e ao mesmo tempo poético. E mais não escrevo sobre o filme. Quem não viu vá ver. Quem viu mande e-mails à redação para conversarmos a respeito.
Deixo de falar sobre o filme porque o assunto aqui é outro. A ótima ideia de um menino e um tigre convivendo forçosamente em um barco, infelizmente, é copiada de outro autor. Moacyr Scliar, nosso médico e escritor gaúcho, escreveu Max e os felinos em 1981, mais de vinte anos antes do livro de Martel. No romance brasileiro, um menino alemão é obrigado a viajar com um jaguar em um escaler à deriva no oceano. As histórias tratam de temas bastante diferentes, mas o autor canadense confessou que usou a ideia de Scliar para escrever seu livro.
O assunto, aqui, é plágio.
A definição básica de plágio é o ato de se apresentar como autor de uma obra que não é sua. No Brasil, a Lei nº 9.610, de 1998, trata dos direitos autorais, mas há bastantes dúvidas e discussões a respeito: o mundo acadêmico critica a permissão de uso de “pequenos trechos” de obra sem que esteja definida a obrigatoriedade de citação da mesma; há críticas, também, à confusa determinação de direitos da pessoa física e da inexistência de direitos autorais de pessoa jurídica. Além disso, a lei não é específica sobre casos de plagio, mas trata apenas do direito autoral – o que significa tratar quase que apenas do direito comercial da obra.
Assim, o plágio torna-se uma regra abstrata, sendo sustentada pelo senso comum.
Na música, por exemplo, é conhecida a regra dos oito compassos: caso sejam ultrapassados oito compassos idênticos ao original, a cópia é considerada plágio. No entanto, nem sempre é necessário recorrer à regra para que uma cópia ou inspiração sejam detectadas. Uma amiga que, além de fã do maestro Tom Jobim, como eu, também é pianista, se diverte em me telefonar de vez em quando e tocar um trecho de música, que eu logo identifico como sendo do maestro soberano. E minha amiga, com certo sadismo, responde rindo que é de Chopin. Também por culpa dela, descobri que American Tune, cantada por Simon e Garfunkel, tem doses generosas de uma peça de Bach.
Não é razão para que alguém seja cotado de plagiador, muito menos para que Jobim seja definido como “pobre coitado sem inspiração”, como o foi por José Ramos Tinhorão, um crítico musical um tanto desequilibrado. A influência de uma obra em um autor é fenômeno corriqueiro, que pode ter vários desdobramentos. O pintor Francis Bacon fez uma série de estudos de paisagens inspiradas em Van Gogh, e a marca do holandês é óbvia, sem que seja uma cópia; da mesma forma, o musical Westside story é uma releitura de Romeu e Julieta, de Shakespeare.
Mas artistas consagrados também caem no pecado da cópia despudorada: o próprio Shakespeare usou vários trechos de uma tradução para o inglês da obra de Plutarco ao escrever Antony and Cleopatra. O ex-beatle George Harrison teve que confessar publicamente o plágio cometido na canção My sweet Lord, de 1970, cuja melodia é idêntica a He’s so fine, gravada pelas Chiffons em 1963. Isso sem falar nas inúmeras apropriações de músicas ou poemas folclóricos por artistas mal-intencionados. Está certo que na Renascença de Shakespeare a noção de plágio ainda era obscura e a cópia de enredos ou mesmo de textos não era uma prática tão incomum, mas, sob a luz contemporânea, pega mal pensar no bardo inglês pesquisando obras alheias para usar como suas...
As histórias de cópias, plágios, influências e inspirações são muitas. Copiar uma obra pode ser sinal de admiração, mau caráter, interesse comercial, descuido e até de tudo isso junto. E essa cópia torna-se plágio quando não é creditada ao seu autor original. Definir a intenção de um plágio é praticamente impossível – tão impossível que não existe o plágio “doloso” e o “culposo”.
Por isso existem leis que protegem o autor, mas seria interessante que uma análise fosse feita a respeito das intenções do plagiador. Uma pesquisa anônima, em que o imitador não tivesse que se revelar e pudesse revelar – isso sim – suas intenções mais sinceras. Ou seu descuido. Talvez não influenciasse em nada nas leis do direito autoral, mas quem sabe teríamos surpresas no estudo da psiquê? Um otimista (e crente na bondade humana) adoraria saber que, de todos os plagiadores, mais de 75% copiam por um misto de necessidade financeira, falta de talento, mas também admiração pelo autor copiado. E que os outros 25% sofrem de problemas crônicos de memória e não conseguem lembrar se já ouviram aquela melodia antes ou se realmente é deles.
Brincadeiras à parte, a intenção do plágio é sempre vista como algo vil, mas entrar na cabeça dos imitadores para saber suas razões mais íntimas para realizar tal ato seria, no mínimo, o início de uma boa história a ser contada.
Publicado em 5 de março de 2013
Publicado em 05 de março de 2013
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