Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

A história de nossos fracassos

Pablo Capistrano

Filósofo, professor do IFRN

Ilustração

Talvez seja o paroquialismo infinito das demandas eleitorais, amigo velho, que contamina hoje, de modo tão desconcertante, a disputa ideológica no Brasil. Assistir no camarote das redes sociais às disputas retóricas da esquerda e da direita em função do caso Yoani Sánchez é exemplar de como o combate ideológico no Brasil é contaminado pela geopolítica.

Enquanto a direita espinafra Julian Assange, que se comportou como um genuíno liberal-democrata ao expor informações secretas do governo norte-americano em rede, a esquerda ataca a última revolucionária de Cuba. O que parece pautar a questão aqui não é uma leitura política, mas uma reação automática que gira em torno do Grande Outro norte-americano.

Foi a favor dos EUA sou contra, pensa a esquerda; foi contra os EUA, sou contra, pensa a direita. Esse automatismo atávico reduz a discussão política a uma pauta raquítica, que serve bem mais a interesses eleitorais postos a um palmo do “pau da venta” (uma expressão sertaneja para o famoso nariz) dos governos e das oposições de plantão.

Na entrevista feita por Cynara Menezes com Yoani Sánchez e publicada na revista Carta Capital, a jornalista cubana reclama do avanço “neoliberal” em uma Cuba que aprofunda diferenças sociais a partir de uma divisão de classe que separa a população em bairros ricos e bairros pobres. De quebra, completa dizendo: “não é uma atitude de esquerda se paralisar por temor ao futuro. A atitude de esquerda é: vamos à mudança!”.

Foi Marx quem ensinou ao movimento operário do século XIX como fazer a exegese de seus próprios fracassos. Esse é um ensinamento que a esquerda brasileira parece ter esquecido. Assumir que as utopias modernas falharam e apostar na compreensão da natureza desses fracassos não é sinal de capitulação, mas um passo necessário para que a imaginação se liberte de sua prisão e possa construir o futuro. Esse deveria ser um requisito essencial do pensamento político canhoto.

A utopia liberal de um mundo de pequenos empreendedores negociando livremente seus produtos em uma grande feira global produziu uma monstruosa estrutura em forma de blow-tie na qual 147 empresas transnacionais controlam 80% de uma rede de negócios global com quase seis bilhões de seres humanos (conforme dados do ETH – Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica). Nesse mundo, o governo do povo, para o povo e pelo povo se transformou em um governo dos bancos, para as corporações e pelos burocratas.

A utopia socialista de um mundo sem classes, onde não haveria mais exploradores nem explorados, descambou para o terror político, contaminada por uma nomenclatura partidária burocrática que, infiltrada no corpo social, construiu um sistema de controle e vigilância que manteve por muitos anos os países do bloco comunista congelados em uma sensação de fim da história.

É em direção ao fracasso dessas utopias e das suas respectivas revoluções (a Inglesa de 1641 e a Russa de 1917) que precisamos direcionar o pensamento político contemporâneo.

Caso a esquerda não tenha a coragem de seguir o ensinamento de Marx e assumir seus próprios fracassos, o que se descortina em um horizonte de curto prazo é um niilismo conservador, fantasiado de pragmatismo político, que aponta para a tese de que este é o melhor dos mundos possíveis ou que, na pior das hipóteses, nega a própria história, afirmando que o capitalismo sempre existiu.

Como um deus transcendente, que subjaz boiando em um oceano de eternidade, o capital dá o seu golpe de misericórdia na história negando à humanidade qualquer tipo de experiência econômica possível, passada ou futura, que não o admirável mundo novo do sistema financeiro global. O capitalismo, em sua eternidade, passa a ser a própria manifestação do real absoluto. Nesse quadro, a única comparação possível de modelos que nos sobra se dá entre o real do capitalismo com dominância financeira contra o real do capitalismo de Estado chinês ou o apego a uma revolução que parou.

Nunca fui a Cuba nem li nenhum desses livros que falam contra ou a favor da revolução. Mas uma coisa que parece evidente, de acordo com os relatos de quem foi à ilha, é que há uma estranha sensação de que o tempo congelou. Como se o acontecimento revolucionário de 1959, ao invés de redirecionar o curso da história, a tivesse paralisado, decretando o seu fim.

Marx ensinou a esquerda a fazer a leitura da história de seus fracassos. Só entendendo a natureza desses fracassos e assumindo suas consequências é que se pode pensar o futuro e se libertar da prisão da eternidade. Apenas contando a historia de nossos fracassos é que podemos fracassar novamente seguindo o ensinamento que diz “erre de novo, erre melhor”.

12/05/2013

Publicado em 12 de março de 2013

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.