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As joias da EJA
Mariana Cruz
Este ano comecei a ministrar aulas para a EJA (Educação de Jovens e Adultos), uma “modalidade da educação básica destinada aos jovens e adultos que não tiveram acesso ou não concluíram os estudos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio”. Sobre tal modalidade, o site da Secretaria de Educação do Distrito Federal afirma a importância de
destacar a concepção ampliada de Educação de Jovens e Adultos no sentido de não se limitar apenas à escolarização, mas também reconhecer a educação como direito humano fundamental para a constituição de jovens e adultos autônomos, críticos e ativos frente à realidade em que vivem.
Dou aula apenas para os alunos de EJA do Ensino Médio. De início pensei que a única vantagem em relação ao ensino regular seria o fato de, à noite, as turmas terem um número de alunos reduzido, o que, grande parte das vezes, pode resultar em aulas mais tranquilas. No primeiro dia, entrei em sala pontualmente, e apenas um jovem me aguardava. Já haviam me falado que poderia ocorrer tal atraso nos turnos da noite, pois muitos alunos estão vindo direto do trabalho. Então não me preocupei, comecei a arrumar as coisas e as pessoas foram chegando pouco a pouco. Passados vinte minutos, quase todas as carteiras estavam ocupadas.
Senhoras com mais de cinquenta, jovens chegando aos vinte ou saindo deles. Era essa basicamente a minha turma. Comecei a aula e, logo de início, percebi o olhar atento das senhoras, anotando tudo que eu dizia, assim como fazemos na faculdade (e raramente na escola). Como era a primeira aula (sou professora de Filosofia) estava apresentando a disciplina antes de entrar na matéria propriamente dita. Falava da importância de questionar o mundo ao nosso redor e de exercer nosso senso crítico. Uma jovem com cerca de 20 anos então pediu a palavra, que eu prontamente cedi. Penso que as aulas, principalmente da disciplina que ministro, ficam muito mais ricas quando os alunos participam, questionam e expõem suas dúvidas. A moça então trouxe exemplos de situações em que aceitamos o que nos é “imposto” sem refletir sobre isso, como se fossemos autômatos. E os outros começaram a participar também.
Findo o pequeno – e profícuo – debate, comecei a dar a matéria daquela aula (a transição da mitologia para a filosofia, na Grécia). Ao falar sobre mitologia, um rapaz começou a falar sobre os diversos deuses gregos e seus poderes. E assim iniciou-se outro debate. As senhoras foram perdendo sua inibição inicial e começaram e participar e, nos últimos minutos da aula, sentiram-se à vontade para falar um pouco de si. Uma disse que tinha mais de vinte anos que não entrava em uma sala de aula, a outra disse que não estudava havia mais de trinta. E assim, em meio à participação ativa dos alunos, a aula transcorreu sem que sentíssemos. Já haviam se passado cinco minutos além dos dois tempos que me cabem naquele turno, e eles ainda estavam lá debatendo, questionando, expondo-se. Ao abrir a porta, lá estava o professor de Matemática com cara de quem tinha levado um chá de cadeira. Desculpei-me, mas segui satisfeita para a sala dos professores. É bom lidar com alunos empenhados em voltar a estudar. No caso deles, sobretudo das duas senhoras, parecia que estavam com a vontade acumulada.
Pensei que poderia ser coisa do primeiro dia de aula e que os alunos aos poucos iriam deixar a empolgação de lado. Até agora a prática me provou o contrário. No dia da greve de ônibus, liguei para a escola para saber como estavam as coisas por lá, se os funcionários tinham ido, enfim, se a escola estava aberta. Disseram-me que os turnos da manhã e da tarde ficaram vazios. Cheguei no meio da tarde e realmente a escola parecia estar em período de férias. Era quase certo que da turma da noite não iria quase ninguém, pensei. Quando subi, deparei-me novamente com um aluno e, minutos depois, a sala estava com quase vinte. Ou seja, mesmo com a greve de ônibus, meus empenhados alunos da EJA estavam lá. Muitos foram a pé, outros esperaram horas para pegar o coletivo e ir à escola. Novamente participaram com vontade da aula. Ficaram atentos até o último minuto (sem aquele afã típico dos adolescentes, para que a aula termine logo, mesmo quando têm outra logo em seguida). Nesse nosso segundo encontro, tomei cuidado para não ultrapassar o horário, fechamos a discussão com apenas dois minutos excedentes. O professor de Matemática estava entrando no corredor (dessa vez não precisou ficar aguardando do lado de fora). Mais um proveitoso encontro com meus alunos da EJA.
Não sei se é esta turma em particular ou se é uma característica de tal modalidade, mas fiquei com a impressão de que a EJA é joia.
Publicado em 12/05/2013
Publicado em 12 de março de 2013
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