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No parquinho

Alexandre Amorim

Ilustração

Os dois casais já se conheciam de longa data, eram amigos de colégio e casaram mais ou menos na mesma época – coisa de meses de diferença. Os filhos também têm quase a mesma idade. Depois de se tornarem pais, houve algum afastamento, porque os quatro concordavam que dar de mamar, acalmar o choro, limpar golfadas e trocar fraldas eram atos que não deviam ser compartilhados. Além, é claro, daquele cansaço que se traduz nas olheiras de pais recém-formados. Mas o tempo passou, uns quatro ou cinco anos, as crianças cresceram esse tanto e agora já podiam ficar mais soltas no parquinho, desde que não subissem no trepa-trepa nem jogassem areia na cara de ninguém. Nesse dia, só estavam as mamães com os filhotes. Os papais foram fazer compras juntos, para um churrasquinho no final daquela tarde.

A mamãe do mais novo olhava os dois meninos encherem baldes de areia e construírem castelos. Quer dizer, os olhos iam naquela direção, mas a visão estava para dentro, em algum pensamento que ela ainda estava formando. Até que:

– Pedrinho está com quantos anos mesmo, Clarice?

– Ué, Rita, com cinco. A mesma idade do seu Julinho.

– Ah.

Um tempo de silêncio, em que Clarice oscilava entre o constrangimento e a dúvida se sua amiga estava dando algum sinal de Alzheimer. Rita, em sua calma estranha, continuou:

– Ele é tão bonitinho, né? Um fofo.

Clarice sorriu e a vaidade materna afastou os pensamentos ruins. Seu garoto era mesmo um fofo, os cabelos encaracolados, carinha de anjo, os dentinhos certinhos. Um amor.

– Pena ser tão sonso.

Rita continuava olhando para os dois como se admirasse um pôr do sol em Paquetá. Plácida, falou aquilo sem alteração na voz. Talvez por isso a frase não tenha atingido logo Clarice. A mãe de Pedrinho, de início, não conseguiu conjugar o tom da voz da amiga com o poder de destruição do termo utilizado. Mas assim que olhou para seu filho se recompôs. E respondeu o óbvio:

– Sonso? Como assim?

– Ué, sonso. Parece um anjinho, mas é um capeta.

Não podia ser de verdade. Ou Clarice estava ouvindo coisas ou a amiga tinha perdido o juízo. Pelo menos a educação ela havia perdido. E Rita sempre foi amável, sempre sorrindo, um doce.

– Um capeta, mesmo. Olha lá.

Pedrinho chutava o castelo de areia de Julinho. Não podia haver hora pior para Clarice. Ou mais apropriada, para Rita. Mas Clarice já se recuperara do susto, estava em guarda.

– Isso é coisa de criança, Rita. Toda criança faz.

– O Julinho nunca fez.

– Ah, o Julinho é um santo, então?

– Santo, não. É normal.

– Você tá chamando meu filho de anormal?

– Não. De sonso. Faz e finge que não foi com ele.

– Rita, que que houve?

– O Pedrinho chutou o castelo do Julinho.

– Eu sei, eu vi. Mas o que que tá havendo com você?

– Comigo, nada.

Clarice preferiu recuar. Deu uma bronca no Pedrinho, que armou um bico e disse que foi sem querer. Rita soltou uma risada irônica. Sarcástica, mesmo. E alta.

– Tá tudo bem, Rita?

– Tirando o fato de seu filho ter destruído o castelo do meu, tá tudo bem.

– Não é possível que você esteja assim só por causa de um castelo de areia.

– Não é a primeira vez.

– Primeira vez de quê?

– Não é a primeira vez que seu filho se faz de bobo.

Clarice voltou à posição de mãe protetora.

– Se faz de bobo? Tá maluca? Pedrinho, vamos embora.

Clarice levantou, andou até o cercadinho de areia e arrastou o filho pelo braço. Pedrinho reclamou, chorou, mas não adiantou. Os dois foram andando, Pedrinho olhando para o seu baldinho, que ficou no parque. Julinho olhava sem entender muito bem. Acompanhou os dois com o olhar até a rua. Viu quando seu amiguinho e a mãe entraram em um táxi. Olhou para a mãe.

Rita olhava para o castelo destruído do filho. E assim ficou por uns dez minutos, enquanto Julinho esquecia o amigo e voltava a brincar. Até que os dois pais chegaram, chamando para irem embora, as carnes no porta-malas do carro iam esquentar. O marido de Rita lhe deu um beijo. O marido de Clarice não viu sua mulher.

– Cadê Clarice?

Rita mexia numas pedrinhas do chão, com a ponta dos pés. Olhou de novo para o castelinho. Deu de ombros.

– Não sei. Acho que se estressou com o Pedrinho. Ele tava fazendo muita besteira.

O churrasco foi adiado.

Publicado em 12/03/2013

Publicado em 12 de março de 2013

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