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A urbis carioca: a geografia social da sociedade paralela e o mundo do entorno e posterior em evolução

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

Buscamos fazer uma descrição da fisionomia social do Rio, inserido num sistema capitalista híbrido, cuja principal característica era a exclusão social daqueles que não assimilavam ou não eram assimilados por ele.

A geografia social da sociedade paralela traz marcas importantes, ocultas hoje na vida da cidade do Rio de Janeiro, feitas ao sabor das necessidades, em meio ao quadro econômico excludente próprio do capitalismo aqui praticado no século XIX. Sua história é nossa preocupação central. Sua compreensão é não só tarefa de nossa sociedade, mas principalmente nossa missão, sob pena de continuarmos usando a violência para nos mantermos afastados dela, provocando o mesmo tipo de atitude como resposta. Por isso, esta nossa humilde contribuição.

Acreditamos ser a violência, até hoje, o nosso principal problema. É a causa última da existência de culturas especiais como a da criminalidade, da prouxemia, ou seja, da promiscuidade, responsáveis pela construção e configuração de uma “sociedade paralela” na cidade. Sociedade que sempre se apresentou como espaço de habitação dos praticantes de crimes ou cujos hábitos colaboraram para uma fisionomia final responsável por um quadro de construção do medo.

As razões apresentadas fazem-nos acreditar que a ação de conter o crime passa inexorável e primeiramente pelo combate à criminalidade, ou seja, as razões da cultura do crime estão na feição de um capitalismo excludente; por isso mesmo o denominamos capetalismo! Tal combate só se faz no espaço da organização, nunca no inverso. Se tínhamos uma cidade marcada pela desordem urbana, em que as ruas eram definidas pelas moradias (e não o inverso), é óbvio que tínhamos uma ambiência propícia à violência, porque facilitava o contato, o atrito.

O Rio de Janeiro possuía muito mais becos e vielas do que vias espaçosas. A vida fluía com dificuldades extremas, espremida na geografia difícil de uma cidade compactada entre o mar e a montanha.

As sociedades paralelas construíram-se e ocultaram-se ao sabor dos espaços deixados pela sociedade oficial e europeizada, que fazia questão de ignorar os problemas socioeconômicos gerados pelo tipo de economia capitalista aqui praticada.

Moveu-nos aqui a preocupação em compreender a definição fisionômica da cidade do Rio de Janeiro do século XIX, assim como causas e efeitos ao longo de sua reverberante história. O que foi dito em nossos artigos não passa de uma fagulha sobre sua gênese. Contudo, acreditamos mexer na ponta de um imenso iceberg.

Não é nova sua existência, como também não são novas as preocupações que causavam na sociedade da cidade. Polícia, justiça e educação sempre se apresentaram incapazes e desaparelhadas no seu combate.

Estamos convencidos de que sua compreensão mais precisa faz-se urgente e necessária. Trata-se de uma cultura configurada numa sociedade paralela, perfeitamente identificada com um espírito próprio e possuidor de vivência cotidiana no interior do espaço urbano de um mundo social marcado por ser diferente, cuja existência insistimos em negar até agora, admitindo classificações precariamente construídas, como “marginal”, “anômico”, “clandestino” e “despossuidos”, entre outras.

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Publicado em 7 de janeiro de 2014

Publicado em 07 de janeiro de 2014

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