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Funk canibal
Denilson Cardoso de Araújo
Serventuário do TJ-RJ, coordenador do Projeto Escola da Paz
Sei que muita gente não vai gostar do texto que vai abaixo. Mas esta semana vi, no Facebook, meninas de escolas onde estive em palestras. Postaram fotos trajadas para bailes funk. Postaram fotos mostrando suas performances. São adolescentes. Sei que não vão bem na escola. Sei que são humildes. Sei que estão estragando os seus futuros. Me entristeci. Veio este texto – protesto, em verdade. Fotografia da epidemia que muitos levam na brincadeira, sem perceber o abismo. Um desabafo. Espero que as tais meninas o leiam. Quem sabe o entendem? Quem sabe refletem? Quem sabe...
Funk batida tribal. Batidão. Pulsação. Dominação desnorteando uma geração. Quadris expurgando da mente a reflexão. Como religião de transe, batida hipnótica. Glúteas meninas, catando exposição prostituta e lordose. Objetos baratos, nos shorts de carnes sobrando. No chão, a menina de barriga pra baixo, traseiro empinado. O rapaz por cima. Coito trajado, prévia de sexo nu. Brinquedo de estupros na alma.
Tímidas compensam falso recato mais se arreganhando. No palco, cinco meninas. Menores de 15. Geração bolsa família, só toleram a escola. Se escovaram, pintaram camisetas, cortaram rente, nozinhos debaixo dos seios. Piercings prateiam lambidos umbigos. Moram em chão de cimento escorrido, torto beliche escorado em parede careca. Nada na vida, no shortinho, alguém. Fêmeas gigantes, nadam na turba, em gemidos. Sensualidade canina. Sincronia pobre que os garotos do gargarejo estimulam. Elas chamam. Eles vão. Sem camisas, as bermas caídas exibindo cuecas, bonés diagonais, correntes estranhas. Ao final sentam. Trenzinho. Meninas se abrem. Genitálias pressionando shortinhos, na cara dos caras que fazem caretas de sorriso esquisito. Alegria tão triste!
Dobram-se, mãos nos joelhos, nádegas nos rostos dos moleques, inteirados de intimidades sem nexo. No fundo do palco, velocidade cinco, melancias de pobre. Rapazes por trás se fartam, estapeiam suas nádegas. Riem de lado, línguas úmidas de ânsia doente nos cantos dos lábios. Celulares copiam. Amanhã, Face recheado. Pornografia de banca em falências com tão facinhas meninas, acessíveis ao clique, à linguada na orelha.
Mestre Passinho mostra os pés mais ligeiros. Em contexto outro, arte seria. Mas logo chega o quadradinho de oito. Menina de quadris gigantescos bate traseiro com a novinha saída da creche. Na borda do palco. Se apalpa nas mãos que um marmanjo oferece. Caras e bocas. Mãos na bancada, a garota dá ré para o encaixe excitado de excitados rapazes.
Chega o daleste da vida. Atitude, dizer bandidagens, culpas nos vermes, funk é pra injustiça o que é o cassetete pro pobre. Bobagem. Na verdade, desculpa para ostentar e pornografar. Logo chegam as letras que interessam à massa. Vem, novinha. Dá essa b... pra mim. Encosta nos p... do s.... Até o chão. Elas vão. Na lama. Junto com a nádega que roça no pó, a alma que um dia estará só. Por ora, quer saber de nada. Pulou janela pro baile. Fisgada. Cães no cio de cio diário agendado pro sábado. Periódica motivação pra viver.
Prefeito paulista ansioso de voto chama a máquina de pornografar as meninas de manifestação cultural. Vero. Cultural foi também atirar defeituosos bebês gregos no abismo. Cultural, sexo com meninos. Cultural, rituais assassinos. Internet, caixa de Pandora sem lei, faz “culturais” tribos de patologias doentes. Canibal encontra quem se quer devorado. Jantam juntos. O canibal mata. Vítima no congelador. Depois, refeições. Carne humana aos pouquinhos.
Funk, assim, canibal. Açougue no balcão dos shortinhos. A máquina come. Aos pouquinhos. Diz: ingênua diversão. Faz escravidão. Prazer, carregar correntes. Do bonde que as inicia voltam, vazias, vadias, não sabem, ainda. Se defendem. Ah, tem o melody, o passinho, crítica é preconceito, ’cê sabe nada! Nada. É o sexo que motiva e dá consequência. Meninas não sonham namorados. Sonham parceiros. Logo, na esquina, rebolam aos meninos. Por eles se estapeiam, se esfaqueiam. Amanhã, barriga de breve culpa vira gravidez festejada. Tragédia do funk ao longe quando fraldas há por trocar. Hipnotiza, o batidão. Sedutor de bailinho evapora. A criança, no chão. Chorou, vai apanhar. Importante é zoar. De tanto “até o chão”, répteis são. Rastejam.
Sorrisos das arrumadas na foto, saída de baile. Entristeço. Conheço-as. De escolas. Conheço da vida. Desgraça vivida. Um dia na fila implorando esmolas de pão. Umas, sem dentes. Outras, riscadas de faca. Olho roxo, vírgula da vida. Choro na foto. Grito contra. Vou às escolas. Protesto. Sacudo auditórios pelos ombros. Imploro. Advirto. Alguns ouvirão. Outros, a vida vomitada na sarjeta, lembrarão tarde demais. Um doido remou contra a maré, que era grande. Passou por mim esse cara, disse “ali, um abismo”, mas todo mundo ia ao contrário do profeta absurdo. Nem dei bola. Pensarão. Pensarão um minuto antes de desabarem. Até o chão... E seu porão.
Para ilustrar esta publicação no meu blog (denilsoncdearaujo.blogspot.com), procurei na internet uma foto que traduzisse esses meus tristes sentimentos. Mas eram todas muito pesadas, explícitas. Achei uma foto que não é explícita porque não exibe nudez. Mas talvez seja pior do que todas que eu pudesse colocar. São crianças. São crianças!!!
Publicado em 25/03/2014
Publicado em 25 de março de 2014
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