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Conhecendo a história da Orientação Educacional
Priscila Maria Romero Barbosa
Bacharel em Direito, licenciada em Pedagogia, com especialização em Orientação Educacional e Educação Especial
No ano de 1908, na cidade de Boston (EUA), em meio a tantos avanços tecnológicos e à política antitruste, Frank Parsons criou um sistema de orientação para adolescentes que ainda não optaram por uma carreira – foi o início da Orientação Profissional.
Anos depois, no mesmo país, a Orientação Profissional invadiu as escolas com essa mesma intenção de orientar os alunos quanto à profissionalização e à sua inserção no mercado de trabalho – o que hoje conhecemos como Orientação Vocacional. Esse contato direto do profissional com os alunos, dentro da escola, faz com que ele perceba as dificuldades, as dúvidas e os conflitos que os estudantes enfrentam no dia a dia, além da escolha da profissão.
Passa-se a compreender, então, que o fator emocional/psicológico do educando tem extrema importância para a concretização do seu processo educacional; tanto que durante muito tempo entendeu-se Orientação Educacional como uma espécie de aconselhamento. “No Brasil, a Orientação Educacional teve, em sua implantação, grande influência da orientação americana, em especial o counselling (aconselhamento), e da orientação educacional francesa” (GRINSPUN, 2011, p. 26). Porém essa descoberta não se dá de um dia para o outro; decorre muito tempo – como aponta esta pesquisa.
Em nosso país, as décadas de 1920 e 1930 são muito ricas em discussões sobre Educação e, consequentemente, Pedagogia. Socialistas, anarquistas, liberais, conservadores, homens “influentes” de todos os partidos políticos debatem o mesmo assunto. Entretanto, devemos lembrar que “em 1929, mais da metade da população brasileira (65%) de 15 anos ou mais havia sido excluída da escola” – o que caracterizou uma vergonha nacional (PORTO, 2009, p. 28).
Apesar da predominância de um ensino ainda elitista, havia um clima favorável à educação popular e à Escola Nova, tendência esta que tem como objetivo democratizar e transformar toda a sociedade por meio da educação.
Em meio à euforia educacional vivida em nosso país, podemos citar alguns avanços, como a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924 – entidade que promoveu debates importantes à época; a instituição do Ministério da Educação e Saúde, em 1930; a fundação, por Lourenço Filho, do primeiro serviço público de Orientação Profissional, em 1931; e a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em 1932. Em 1934, surgiu a primeira Constituição da República que dedica espaço significativo à educação!
Os escolanovistas – também conhecidos como Pioneiros da Educação Nova – romperam com o ensino tradicional, propondo a renovação de técnicas, exigindo uma escola não dualista, obrigatória e gratuita para todas as camadas da população. “Conhecer e respeitar as necessidades e interesses da criança, partir da realidade do aluno e estabelecer relações entre a escola e a vida social são diretrizes do pensamento escolanovista” (CARVALHO, 2005, p. 32). Portanto, realidade e complexidade pessoais dos alunos passam a ser consideradas e abordadas em sua vida acadêmica – o que no ensino tradicional é impossível. A dinâmica do processo social em que vivem deve ser respeitada e trabalhada. Vê-se o aluno “além dos muros da escola”, como um indivíduo dotado tanto de capacidades como de carências, certezas e dúvidas; que passa por momentos e situações diversas. É o lado psicológico gritando por ajuda. É momento de a Orientação Educacional mostrar seu papel!
Logo no início do século XX, deu-se uma ampliação natural no campo da Orientação, obedecendo à necessidade de assistir o educando no desenvolvimento de todas as suas estruturas – física, mental, moral, social, estética, científica, política e religiosa (NÉRICI, apud PORTO, 1974, p. 64).
O Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942, trouxe, pela primeira vez, a expressão Orientação Educacional à legislação federal brasileira: é a Lei Orgânica do Ensino Industrial, que contém três artigos (50, 51 e 52) e uma “visão simplista e pouco acadêmica” do assunto, segundo Porto (2009). No entanto, esse mesmo texto abrange no processo pedagógico a importância da personalidade do aluno e de sua vida social – o que seria inviável menos de meio século atrás.
Em 9 de setembro do mesmo ano, a Lei nº 4.244, Lei Orgânica do Ensino Secundário, estabeleceu a função da Orientação Educacional nas instituições de ensino do mesmo nível. Comparando o orientador ao professor, institui alguns preceitos: “cooperar no sentido de que cada aluno se encaminhe convenientemente nos estudos e na escolha da sua profissão, ministrando-lhe esclarecimentos e conselhos, sempre em entendimento com a sua família”.
Sempre apoiada na fundamentação psicológica de conhecer melhor o aluno, visando a seu ajustamento, a Orientação foi caminhando em sua trajetória no Brasil, agora fortificada por ser legalmente instituída (GRINSPUN, 2011, p. 28).
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, a formação em Orientação Educacional voltou a ter destaque legal.
Em 21 de dezembro de 1968, foi criada a Lei nº 5.564, que providencia o exercício da profissão do orientador educacional em níveis médio e fundamental; assistência ao educando, individual ou em grupo; e citava a regulamentação, pelo Poder Executivo, do Código de Ética dos Orientadores Educacionais.
A Lei de Diretrizes e Bases, nº 5.692, de 1971, em seu Art. 10, instituiu obrigatoriamente a Orientação Educacional, incluindo o aconselhamento vocacional em cooperação com professores, família e comunidade.
Em 26 de setembro de 1973, foi homologado o Decreto nº 72.846, que regulamenta a profissão do orientador, em vigor até os dias de hoje. Em seu Art. 1º, encontramos o objeto da Orientação Educacional: a assistência ao educando – esta que pode ser feita individualmente ou em grupo, nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, “visando ao desenvolvimento integral e harmonioso de sua personalidade, ordenando e integrando os elementos que exercem influência em sua formação e preparando-o para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1973).
Nos artigos 2º e 3º, o legislador estabeleceu quem poderia atuar como orientador educacional. Dentre tais profissionais, encontram-se aqueles licenciados em Pedagogia e habilitados em Orientação Educacional e os diplomados em nível de pós-graduação nessa especialização.
O Art. 5º dessa lei estabeleceu que tal profissão seria exercida na órbita pública e privada, “por meio de planejamento, coordenação, supervisão, execução, aconselhamento e acompanhamento relativos às atividades de orientação educacional, bem como por meio de estudos, pesquisas, análises, pareceres compreendidos no seu campo profissional”.
O Art. 9º dispôs de outras atribuições a esse profissional, como “participação no processo de identificação das características básicas da comunidade, da caracterização da clientela escolar, da elaboração do currículo pleno da escola, da composição, caracterização e acompanhamento de turmas e grupos e da integração escola-família-comunidade”.
Com o texto do decreto-lei mencionado, percebemos que o papel do orientador, nos dias atuais, não se limita ao acompanhamento e à dedicação apenas aos “alunos-problema”. O campo de atuação desse profissional se estende por toda a escola, cativando colegas, família e comunidade. São questões psicológicas e pedagógicas muito próximas em benefício de todos, conforme pontua Grinspun:
O orientador, que já havia sido concebido como um agente de mudança, um terapeuta que deveria rogerianamente atender os alunos-problema, um psicólogo que só deveria trabalhar as relações interpessoais dentro da escola, um facilitador da aprendizagem, vai, pouco a pouco, deixando essas funções/denominações para assumir, com mais competência técnica, seu compromisso político na e com ela (2011, p. 31).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, trouxe, em seu Art. 1º, uma consideração notável sobre olhar o aluno como ser social, recaindo na instância do “emocional”, como comentado no início da nossa história:
a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e manifestações culturais (BRASIL, 1996).
Infelizmente, a mesma lei retira do texto a obrigatoriedade da Orientação Educacional nas escolas.
Em 13 de dezembro de 2005, o Parecer CNE/CP nº 3 instituiu diretrizes curriculares nacionais para o curso de Pedagogia. Estas diretrizes geraram dúvidas entre os profissionais da área quanto à habilitação para a Orientação Educacional, visto que o Art. 4º estabelece:
O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006).
A professora e mestre em Educação Míriam Grinspun, especializada em Orientação Educacional, a fim de esclarecer tal questionamento e encerrar tamanha polêmica, afirma:
Diante dessas indicações e novas diretrizes curriculares, destacamos que a formação dos supervisores e orientadores educacionais não é mais realizada de um modo geral na graduação, e sim em nível de pós-graduação. Os licenciados, hoje, em Pedagogia estão relacionados à Educação Infantil e às séries iniciais, bem como às áreas de atuação contempladas nas grades curriculares de seus cursos (2008, p. 156).
Dessa maneira, finda-se qualquer dúvida sobre especialização e atribuições exigidas para tal profissional – orientador educacional. Porém a tristeza e a angústia geradas por sua desvalorização continuam vivas em nossos corações!
Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia Geral e do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2008.
BRASIL. Código de Ética dos Orientadores Educacionais Fluminenses. Disponível em http://www.asfoe.com.br/php/index.php?option=com_content&view=article&id=64&Itemid=54. Acesso em: 18/09/2012.
______. Decreto nº 72.846, de 26 de setembro de 1937. Disponível em http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=72846&tipo_norma=DEC&data=19730926&link=s. Acesso em 03/07/2012.
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______. Decreto-Lei nº 4.244, de 09 de abril de 1942. Lei Orgânica do Ensino Secundário. Disponível em http://www.soleis.adv.br/leiorganicaensinosecundario.htm. Acesso em 03/07/2012.
______. Lei nº 5.564, de 21 de dezembro de 1968. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L5564.htm. Acesso em 03/07/2012.
______. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Lei de Diretrizes e Bases. Disponível em http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/l5692_71.htm. Acesso em 03/07/2012.
CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis: Vozes, 2005.
CÓDIGO DE ÉTICA para Orientadores Educacionais Fluminenses. Disponível em http://www.asfoe.com.br/codigo.htm. acesso em 03/07/2012.
COLLARES, Cecília Azevedo Lima. Ajudando a desmistificar o fracasso escolar. 1992. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_06_p024-028_c.pdf. Acesso em: 29/10/12.
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GRINSPUN, Míriam P. S. Zippin. A Orientação Educacional: conflito de paradigmas e alternativas para a escola. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.
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PORTO, Olívia. Orientação Educacional: teoria, prática e ação. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
VIEIRA, Sofia L. A educação nas constituições brasileiras: texto e contexto. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, disponível em http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/498/508. Acesso em 03/07/2012.
Publicado em 20 de maio de 2014
Publicado em 20 de maio de 2014
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