Cultura, folclore e os saberes tradicionais
Eduardo Beltrão de Lucena Córdula
Mestrando (Prodema/UFPB), presidente da ONG Mar, de Lucena/PB
Maria Ernestina Cornélio do Nascimento
Licenciada em Letras (UFPB), Secretaria de Cultura de Lucena/PB
Glória Cristina Cornélio do Nascimento
Doutoranda e mestra (Prodema/UFPB)
La memoria permite a los individuos recordar los eventos del pasado. Como los individuos, las sociedades poseen también una memoria colectiva, una memoria social. En ambos casos, esta capacidad de recordar resulta crucial porque ayuda a comprender el presente y, en consecuencia da elementos para la planeación del porvenir y sirve para remontar eventos similares ocurridos anteriormente, y aún sucesos inesperados (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2008, p. 13).
Os saberes tradicionais geram a cultura popular, que por sua vez está permeada pelo folclore e suas tradições — pagãs e religiosas —, que caracterizam as comunidades humanas. Esses saberes são transmitidos pela oralidade; a observação das atitudes cotidianas dentro da comunidade e a memória são o mecanismo cognitivo que permite a perpetuação da cultura, do folclore e da história de um povo — a memória cultural (Figura 1) (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2008).
Figura 1: Bases de constituição da memória cultural
Fonte: Os autores, 2014.
A memória sempre reflete um conhecimento anterior. "Grande parte dos saberes da cultura popular são transmitidos via oralidade, uma vez que não há registros escritos dos mesmos" (MORAES, 2000, p. 98). Esse processo ocorre de pessoa a pessoa, de pai para filho, de um grupo para outro, de geração para geração. Nessa forma de comunicação, a memória social exerce papel fundamental, pois a preservação e a continuidade das tradições dos grupos dependem das lembranças dos seus membros. A transmissão dos valores culturais e da tradição ocorre pela memória social dos grupos que compartilham um tempo e um mesmo espaço geográfico (MORAES, 2000, p. 98).
Nesse sentido a transmissão oral, tida como um acontecimento lembrado, tem que ser revivida e incorporada, de maneira que essa transmissão se transforme numa história viva.
As lendas e os contos
O conto, devido ao seu carater repetitivo, e mesmo retratando o passado, fala de um presente permanente, ou seja, o estatuto cognitivo do imaginário opera de modo desviado para enunciar uma verdade referencial conotativa, estabelecendo uma referência, sendo indiscutível e inatingível (FERNANDES, 2011).
As lendas e os contos possuem uma poética oral muito importante no que se refere ao carater sonoro, que é conduzido pela voz. É um conhecimento externalalizado pelos povos tradicionais de forma rítmica, com sensibilidade poética, domínio e propriedade do saber transmitido entre eles.
Oralidade
De acordo com Zumthor (2005, apud FERNANDES, 2011), a performance da transmissão é o ato pelo qual um discurso poético é comunicado por meio da voz e, portanto, percebido pelo ouvido; é uma competência própria da poesia, perfomatizada como uma capacidade de se adptar às circunstancias e de fazer brotar o sentido. Desse modo, vemos a importância da oralidade dentro da memória coletiva, contribuindo para a história de um povo que, ao longo dos anos, tenta fortalecer uma relação entre o trabalho e a identidade, confirmando seus valores e as suas crenças.
Figura 2: Processo da oralidade e da perpetuação dos saberes nas comunidades
Fonte: Os autores, 2014.
A oralidade, em seu desenvolvimento, é acompanhada não só pela fala, mas pela capacidade de quem está ouvindo e como se dá sua compreensão, podemos dizer assim, porque o modo de comunicação oral da lingua humana é auditivo-vocal interativa, que tem fins comunicativos e se apresenta em diversas formas e gêneros textuais, fundados na realização sonora da lingua (FERREIRA, 2004).
Saberes populares e folclore
A definição de folclore foi criada em 1846 pelo inglês Willian John Thoms, que já designava uma antiguidade popular, o que nos remete ao estudo ou conhecimento relativo a crenças, costumes, tradições, lendas, poesias e canções populares e toda manifestação de uma povo e que o caracteriza (GALENO, 1978). O folclore, portanto, situa-se a partir da separação de uma sociedade que se estratifica de um lado em elite instruída e cosmopolita e do outro em um setor tradicional de humilde cepa (VIDART, 1960). Uma das principais manifestações folclóricas são as lendas e canções populares que afloram da encantadora, ingênua e humilde alma do povo. Por isso, as suas estrofes continuam a viver e a palpitar na oralidade do povo, de tal modo que, diante delas, assegura a sua propagação (BARROSO, 1931).
Existe dentro dos contos, lendas e canções populares uma ingênua e humilde alma do povo; é por isso que suas estrofes se perpetuam, de tal modo que, diante delas, não sabemos qual a sua origem e para onde irá se expandir, mas devemos sempre dar seu devido valor histórico. O folclore é, também, o estudo do que se pensa, sente e o que faz o povo, relacionado a um saber, uma filosofia, uma literatura, uma arte a seu modo diluídos na tradição (GALENO, 1978). O conto é uma maneira de narrar um episódio, um fato que se perpetua por meio da transmissão oral, pelo passar de boca em boca, de ouvido para ouvido e pode ainda ser alterado e mudar, surgindo diversas versões, dando-lhe caráter universal e regional (HARTMANN, 2000).
Segundo Cascudo (1972, p. 303), os contos "são de importância capital como expressão de psicologia coletiva no quadro da literatura oral de um país". Sua manifestação popular pode se dar por meio de uma história de Trancoso, conto de fadas, da Carochinha etc. Suas várias modalidades de processo de transmissão, adaptação, narração, os auxílios das mímicas; a entonação ocorre como um dos mais expressivos índices intelectuais populares. O conto ainda se registra como documento à sobrevivência e aos costumes esquecidos ao longo do tempo (CASCUDO, 1972, p. 303).
O folclore, os contos e as lendas só se perpetuam se forem repassados oralmente dentro da comunidade, entre as gerações, registrados pela sociedade para que constituam acervo de suma importância das características de um povo e que possam permanecer vivos não só na memória, mas acessados por todos. Cabe, portanto, às instituições de pesquisa, ensino e da sociedade civil organizada buscar esses conhecimentos e trazê-los à tona para, a partir do passado, construir um futuro calcado em tradições, valores, crenças, cidadania e identidade cultural.
Referências
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Natal: Tecnoprint, 1972.
FERNANDES, Renata Beloni de Arruda. A movência como fator de adaptação das poéticas orais. Boitatá — Revista do GT de Literatura Oral e Popular da Anpoll, Londrina, nº 11, p. 37-46, jan./jul. 2011.
GALEANO, Juvenal. Lendas e canções populares. 4ª ed. Fortaleza, 1978.
HARTMANN, Luciana. Oralidades, corpos, memórias: performances de contadores e contadores de causos da campanha do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.
MORAES, Nilson Alves de. Memória e mundialização. In: LEMOS, Maria Teresa Toríbio Brittes; MORAES, Nilson Alves de (org.). Memória, identidade e representação. Rio de Janeiro: 7Lettras, 2000.
TOLEDO, Victor M.; BARRERA-BASSOLS; Narciso. La memoria biocultural: la importância ecológica de lãs sabidurías tradicionales. Barcelona: Icaria, 2008.
VIDART, Daniel D. Sociologia rural. Barcelona: Salvart, 1960.
Publicado em 10 de junho de 2014
Como citar este artigo (ABNT)
CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena; NASCIMENTO, Maria Ernestina Cornélio do; NASCIMENTO, Glória Cristina Cornélio do. Cultura, folclore e os saberes tradicionais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 14, nº 21, 10 de junho de 2014. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/14/21/cultura-folclore-e-os-saberes-tradicionais
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