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As libertadoras paredes das bibliotecas

Mariana Cruz

Dia desses um amigo contou-me da sua visita à recém-inaugurada Biblioteca Parque Estadual, no Centro do Rio de Janeiro; o comentário dele foi simples: “você tem que conhecer”. Ele, que geralmente tem um senso crítico aguçado diante das coisas que são apresentadas como maravilhosas e não passam de mera maquiagem, pareceu ter gostado do local.

Perguntei-lhe o que diferenciava essa biblioteca das outras, ele me disse que ela faz jus ao nome: além de ser uma biblioteca é também um parque. Viu muitas pessoas indo lá simplesmente para descansar – deitar mesmo – em seus bancos. Disse também que o espaço é frequentado por todo tipo de gente: estudantes, trabalhadores na hora da sesta, curiosos e até os meninos que ficam perambulando pela Av. Presidente Vargas atrás de um troco.

Ainda não tive tempo de ir lá, mas tal função multiuso do local fez lembrar da época de faculdade, em ficava horas na sala de leitura, seja descobrindo novos mundos pelos livros que pegava da biblioteca ao lado, seja para tirar uma irresistível pestana no meio da tarde entre uma aula e outra. Pensei então nas tantas outras bibliotecas que frequentei durante a infância e adolescência (hoje em dia, infelizmente, perdi esse hábito) e vi o quanto foram essenciais para minha formação intelectual.

Meu afastamento desses lugares coincidiu com a popularização da internet e do Google – e com a escassez cada vez maior de tempo destinado a atividades descompromissadas. Não raro meus livros nas bibliotecas eram escolhidos pelo título ou mesmo pela capa. De qualquer forma, acredito que quem passou um período da vida enclausurado – por diletantismo – nesses templos de leitura deve saber do que estou falando.

As bibliotecas guardam uma espécie de mistério, um mundo a ser descoberto. Lá estão as histórias dos povos, as diferentes culturas, ritos, religiões. Não é à toa que alguns consideram que a destruição da Biblioteca de Alexandria (uma das maiores – quiçá a maior – do mundo antigo) pode ter atrasado o desenvolvimento da humanidade em alguns séculos, uma vez que nela estava contido praticamente todo o saber da Antiguidade. Mesmo na ficção, essa biblioteca aparece como um local capaz de revolucionar uma sociedade e que, por isso mesmo, nem todos podem ter acesso a ela, como na obra-prima de Umberto Eco, O nome da Rosa.

O texto descreve uma biblioteca dentro de um mosteiro beneditino sobre a qual apenas os bibliotecários e intelectuais escolhidos tinham poder de decisão sobre o que poderia ser lido ou não, pelo fato de algumas obras do acervo serem consideradas perigosas ou imorais.

O escritor Jorge Luis Borges, logo no início de seu conto A biblioteca de Babel, dá ideia da dimensão “interminável” do lugar ao descrevê-la: “O UNIVERSO (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas”.

Mais adiante ele cita o que o acervo de tal construção fantástica reúne:

Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpolações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.

Foi pensando nesse mundo de bibliotecas reais e imaginárias que cheguei à biblioteca da escola em que trabalho, uma escola pública do Rio de Janeiro que, como grande parte delas, apresenta vários problemas estruturais. Essa biblioteca, que antes estava desativada, começou a funcionar em uma sala pouco arejada e pequena e agora está em um espaço amplo, com mesas, estantes, ar-condicionado. Vejo que essa mudança de espaço, junto com a aquisição de livros e móveis novos, tornou o lugar mais aprazível e aumentou a frequência dos alunos.

A biblioteca agora faz parte do dia a dia de muitos deles; alguns nem descem mais para o pátio na hora do recreio, preferem a companhia dos livros. Virou um centro de integração. Nunca vi tantos alunos lendo livros em sala de aula – anda que a maioria deles seja sobre vampiros e zumbis.

O importante foi que a mudança do espaço, a reforma e a constante aquisição de livros deu uma cara nova não só à biblioteca como também ao cotidiano de vários estudantes. Ao deparar-se com o infindável mundo dos livros, eles passam a enxergar o mundo com outras lentes.

Aqueles que frequentam bibliotecas meramente pelo prazer de descobrir o que há dentro dos livros que habitam suas estantes hão de concordar com a afirmativa de Borges: “a Biblioteca existe ad aeternum”.

Publicado em 17 de junho de 2014.

Publicado em 17 de junho de 2014

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