Lendas e contos na cultura popular: a Lenda do Batatão

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Mestrando (Prodema/UFPB), presidente da ONG Mar, de Lucena/PB

Maria Ernestina Cornélio do Nascimento

Licenciada em Letras (UFPB), Secretaria de Cultura de Lucena/PB

Glória Cristina Cornélio do Nascimento

Doutoranda e mestra (Prodema/UFPB)

As lendas e os contos possuem uma poética oral muito importante no que se refere ao caráter sonoro; é um conhecimento externalizado pelos povos de forma rítmica, com sensibilidade poética, domínio e propriedade do saber transmitido entre os mesmos (Pelen, 2001). Essa arte narrativa é como uma forma artesanal de comunicação, pois o narrador molda, lapida o seu contar de acordo com seus ouvintes e a intenção/interação nesse processo (Benjamim, 1993, p. 203, apud Fernandes, 2011, p. 43).

Objetivando a busca da oralidade na transmissão dos contos nos saberes locais da comunidade, foi resgatada entre os moradores que tiveram uma experiência real a lenda do Batatão, relatando que a viram para buscar sua origem e descrição, já que é bastante conhecida na localidade, principalmente pelo público infantil, que a conhece por meio das narrativas propagadas pelos familiares.

As lendas fazem parte do folclore popular, da história de um povo e de suas características (Mônica, 1983). O registro da lenda/conto do Batatão ocorreu na comunidade de Lucena, no município de mesmo nome, localizada na região litorânea do Estado da Paraíba, com população que sobrevive basicamente da agricultura, da pesca, do setor público e do comércio local. E, em meio a essa cultura, buscou-se conhecer as narrativas dos habitantes locais sobre essa lenda, com observação participante direta (Abílio; Sato, 2013), por fazer parte desse universo, com entrevistas livres (Gil, 1989) e uso da técnica do snowball (Goldman, 1961) para buscar sempre a referência que possui mais conhecimento desse saber local entre os moradores da comunidade.

Essa manifestação folclórica foi relatada como sendo uma bola de fogo que causa temor aos moradores, sendo avistada apenas no período noturno e que vem de encontro às pessoas que estão no mar — pescadores — ou na beira-mar (na praia). Os entrevistados afirmaram que ocorria com maior frequência "antigamente", em sua infância e na juventude, quando tinham o hábito de ir à praia à noite, já que não dispunham de eletricidade nem aparelhos de TV e o entretenimento era ver a saída e a volta dos pescadores de sua incursão ao mar, além de ficar em grupos conversando os acontecimentos do dia que se findava. Porém os relatos mais detalhados vêm dos pescadores, que confirmavam o avistamento e o contato direto com a lenda.

A partir das entrevistas, pode-se sintetizar que o Batatão é uma bola de fogo que vem do mar para a terra e à noite. Surge da água em forma de uma pequena bola de luz e se irritada ou for pronunciado várias vezes seu nome, vai aumentando e intensificando seu brilho até ficar grande e soltando labaredas, quando ataca quem o provocou (Figura 1).


Figura 1: Ilustração do conto do Batatão, elaborada a partir da descrição narrativa dos entrevistados, por Maria Ernestina C. Nascimento, 2014

Geralmente o Batatão aparece para os pescadores, devido à constância deles no mar, e para aqueles que pronunciam o seu nome repetidamente. "Ele surge da água do mar e vai em direção à praia, em busca de quem o chamou", afirmou o senhor PL, pescador de 79 anos. Há um temor deste conto por parte dos mais velhos, razão pela qual eles não gostam de pronunciar seu nome para não irritá-lo, não atraí-lo e não sair queimando tudo à sua volta.

Foram realizadas tentativas para obter uma ilustração feita pelos entrevistados, porém o temor do conto foi o motivo da recusa em produzir os desenhos, considerando essa ação como um mau agouro que poderia atrair para eles o Batatão.

Ao realizar as entrevistas, foi observado que dentro de todo o contexto colhido nessa comunidade não foi citado em momento algum como tudo começou, quem o viu pela primeira vez, enfim, a origem da lenda e sua relação com os dois elementos naturais, o fogo e a água — no caso, o mar. Todos afirmaram que foram os seus pais e seus avós que viam o Batatão e passaram a ser vítimas dele, e que ele só aparecia para aterrorizá-los.

Apesar de trazer um objeto de temor entre os moradores locais, essa lenda vem se perpetuando mesmo na atualidade, quando o cenário mudou, havendo expansão da iluminação pública, os entretenimentos domésticos eletroeletrônicos e poucos estarem frequentando a praia durante a noite. Ao invés de essa lenda se dissipar ao longo do tempo, é conhecida pelas gerações atuais, principalmente pelo público infantojuvenil.

Considerações finais

A origem e os motivos do surgimento da lenda não foram identificados. Apesar dos esforços na busca de informações mais aprofundadas, não foi possível resgatar sua origem como tradição folclórica na comunidade.

É papel da escola e da sociedade resgatar esses saberes e perpetuá-los para que o conto não seja esquecido e continue a fazer parte da cultura e do folclore local.

Mesmo com todas as informações sobre a lenda e sua descrição minuciosa, há necessidade de um estudo mais aprofundado que tente buscar o motivo pelo qual ela surgiu e a sua real origem.

Referências

ABÍLIO, Francisco José Pegado; SATO, Michèle. Métodos qualitativos e técnicas de coleta de dados em pesquisas com Educação Ambiental. In: ABÍLIO, Francisco José Pegado; SATO, Michèle. Educação Ambiental: do currículo da Educação Básica às experiências educativas no contexto do semiárido paraibano. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2012. p. 19-76.

FERNANDES, Renata Beloni de Arruda. A movência como fator de adaptação das poéticas orais. Boitatá — Revista do GT de Literatura Oral e Popular da Anpoll, Londrina, nº 11, p. 37-46, jan./jul. 2011.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987.

GOLDMAN, L. Snowball Sampling. Annals of Mathematical Statistics, v. 32, p. 148-170, 1961.

MONICA, Laura Della. Manual do Folclore. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edart, 1983.

PELEN, Jean-Noël. Memória da literatura oral. A dinâmica discursiva da literatura oral: reflexões sobre a noção de etnotexto. Trad. Maria T. Sampaio. História e Oralidade, v. 22, p. 49-77, 2001.

Publicado em 17 de junho de 2014

Como citar este artigo (ABNT)

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena; NASCIMENTO, Maria Ernestina Cornélio do; NASCIMENTO, Glória Cristina Cornélio do. Lendas e contos na cultura popular: a Lenda do Batatão. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 14, nº 22, 17 de junho de 2014. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/14/22/lendas-e-contos-na-cultura-popular-a-lenda-do-batatao

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