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Em defesa das cotas

Mariana Cruz

Desde a sua adoção, no início dos anos 2000, a lei estadual das cotas para negros e pardos e estudantes das redes públicas de ensino no Rio de Janeiro vem gerando polêmica. Os que se colocam contra elas acusam tal sistema de institucionalizar o racismo, ao distinguir etnias por leis; outros consideram tal medida “assistencialista”. Há ainda os que afirmam que a falha está no critério de autodeclaração, uma vez que tal ação pode abrir precedentes para que as pessoas ajam de má-fé, ao afirmar ser negras ou pardas sem o ser. O mesmo pode dar-se em relação às cotas baseadas em critérios econômicos, como ocorreu recentemente quando um estudante fraudou o sistema de cotas sociais para entrar no vestibular de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O rapaz, que já estava no segundo período do curso, foi denunciado pelos próprios colegas ao observarem que seu alto padrão econômico não era condizente com a comprovação de renda familiar que apresentou: cerca de R$ 1 mil. Casos como esse não são comuns – é a primeira vez que ocorreu na Uerj (que já adota a política de cotas há 12 anos). Uma das dificuldades para descobrir tais ilegalidades reside no fato de os estudantes terem receio de denunciar algum colega suspeito. Além desse caso, outros nove estão sendo investigados na Uerj.

As cotas sociais exigem – obviamente – documentos comprobatórios; as cotas raciais utilizam a autodeclaração. Como vimos, ambos os critérios são passíveis de fraude. Os contrários ao critério da autodeclaração sugerem a instauração de uma comissão para avaliar quem teria direto a ser inserido na política das cotas. Tal procedimento, porém, também não é isento de erros, como ocorreu em 2007 na Universidade de Brasília, quando dois gêmeos univitelinos foram classificados como sendo de raças distintas pelos avaliadores do concurso.

Tais problemas existem e não podem ser ignorados, mas me parece que ir contra o sistema de cotas por tais motivos é como destruir um bem maior por causa de um mal menor.

A política das cotas, longe de ser assistencialista, procura corrigir injustiças que vêm acontecendo ao longo de anos, décadas, séculos. É uma ação afirmativa, no mais amplo sentido do termo, para não sustentar por mais tempo ainda tal situação de desigualdade de oportunidade entre brancos e negros, pobres e ricos. É uma forma de reparar os erros cometidos contra os negros no passado (recente, se falarmos de tempo histórico) e que ainda ecoam em diversas atitudes racistas no presente.

Todos sabem que há uma inversão que ocorre na chegada à universidade no Brasil. Aqueles que sempre estudaram em escolas privadas entram nas universidades públicas e os que estudaram nas escolas públicas não conseguem passar para tais instituições, exceto os provenientes das escolas públicas de ponta, que são poucas. Desse modo, os menos favorecidos economicamente acabam o Ensino Médio e são jogados no mercado de trabalho sem ter a chance de aprimorar seus estudos e conseguir empregos melhores. É quase um determinismo social, tal qual uma sociedade de castas, em que o indivíduo que nasce pobre há de morrer pobre. O sistema de cotas vem possibilitar justamente maior mobilidade econômica à nossa sociedade.

A intenção é que tal política emergencial seja aplicada por determinado tempo, até que chegue o dia (será?) em que todos – brancos, negros, ricos e pobres – estejam em condições iguais de concorrer a uma vaga nas universidades públicas. Enquanto esse tempo não chega, não se pode deixar que tais instituições, sobretudo seus cursos mais concorridos, continuem funcionando como extensão das escolas privadas.

Publicado em 24 de junho de 2014.

Publicado em 24 de junho de 2014

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