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O ser ótico: a falta de ampliação da percepção nos leva ao cárcere da cognição
Eduardo Beltrão de Lucena Córdula
Mestrando (Prodema/UFPB); pesquisador do Gepea-Gepec (UFPB); professor e diretor de Educação Ambiental da SEMA (Cabedelo-PB)
Ótica e percepção
O ser humano é um ser visual. Essa afirmação se baseia no que Santaella (2012) diz, no início de sua obra, e que confirma a conhecida frase popular "quem vê cara, não vê coração". Somos propelidos a pensar, criar pressupostos, julgar e gerar hipóteses a partir do contato visual com o mundo, seus fenômenos e acontecimentos.
A percepção do mundo gera aprendizado. Essa percepção se deve ao estímulo dos sentidos humanos, em que se tem que 75% são visuais, 20% auditivos e 5% são os outros sentidos (Santaella, 2012, p. 1). Ou seja, nossa evolução nos tornou cognoscentes – cognição que gera consciência – e isso se deve em grande parte ao fato de a percepção dos olhos e ouvidos, ou seja, nossos principais sentidos, estar ligada diretamente ao cérebro, permitindo um apuramento visual de alto nível e garantindo primeiramente a sobrevivência e em segundo a dominação do meio. Porém o desenvolvimento social, político, econômico, educacional, científico e tecnológico giraram em torno do principal sentido: o visual. As demais percepções não evoluíram tanto quanto esta, e outros estímulos são pouco captados ou percebidos à nossa volta (Figura 1). O estímulo tecnológico dos demais sentidos acabou desvalorizado, desprezado, o que infelizmente poderia contribuir para o maior processo de evolução cognitiva.
Figura 1: Tecnologias que estimulam a percepção visual
Fonte: Eduardo Córdula (2014).
Sentidos, instinto e aprendizado
Para Ferry (2009), o ser humano é um ser antinatureza, porque foge de sua programação natural – o instinto – e se apropria da liberdade de escolha para guiar-se pelo ambiente. Para exemplificar isso, o autor faz uma comparação com um carnívoro, como um leão, que, passando fome na savana africana, é movido pelo seu instinto de sobrevivência a buscar presas (carne); mesmo que encontre frutas, raízes e folhas comestíveis pelos mamíferos, esse animal irá desprezá-los e continuará sua busca pela carne. Ele por si próprio não consegue provar esses alimentos – experimentá-los –, pois está programado para seguir seu instinto. O ser humano é o oposto: prova, experimenta, testa, busca, amplia sua quantidade de possibilidades, fugindo de sua programação inicial instintiva, porém mantendo reações viscerais ligadas à sobrevivência e perpetuação da espécie. Também aprende por esses processos, na interação com o meio externo e interno (Figura 2). Os instintos são perceptíveis quando atos irracionais afloram, como o aumento da violência, da conotação sexual e apelativa de muitos campos da cultura (música, artes visuais etc.), e na perda de conquistas como a fraternidade, a igualdade e a própria liberdade de escolha na contemporaneidade (CÓRDULA, 2013a, b).
Figura 2: Processo de assimilação/interação com informações do meio e aprendizado no ser humano.
Fonte: Eduardo Córdula (2014).
Portanto, os sentidos propiciam ao instinto a percepção do meio e todas as suas nuances para a tomada de decisão dos organismos e enfrentamentos para sua sobrevivência. No ser humano, o instinto passa a ter conotação de intuição, de sensação extrassensorial, quase um sentimento de alerta (medo, apreensão, euforia etc.).
Afetividade: evolução dos instintos
Talvez a perda ou a deterioração da afetividade (todos os sentimentos controlados) no ser humano tenha sido motivada exatamente pela supressão ou falta de estimulação dos demais sentidos. A sociedade hoje elevou sua tecnologia e consumo para estimular os olhos, gerar valorização pelo superficial e não pelo conteúdo – saber. Por outro lado, está estimulando mais a cada dia a percepção sonora, com tecnologias atrativas. A mídia de consumo busca encantar os consumidores por essas duas percepções. São ilusões lançadas às massas para gerar consumidores cegos e surdos – sem consciência – das reais implicações dos seus atos, pois, se a tivessem, não teriam comportamentos que fogem muito da condição do ser humano, que é humana (CÓRDULA, 2013a). A afetividade estaria em sua plenitude, elevando a sociedade a um estado de nirvana. A história mostra inúmeras guerras e conflitos armados no século passado, e ao adentramos no século XXI muitos acreditaram que o nível de pacificação, fraternidade, igualdade, liberdade e afetividade seria outro. Mas o que vemos é que parece que caminhamos no sentido contrário a esse ideal.
A sociedade está se perdendo dentro de seu próprio "eu", encarcerando sua cognição, por não permitir que novos estímulos, saberes e sabores rompam os grilhões que nos prendem a um mundo materialista e superficial (CÓRDULA, 2013c).
Considerações finais
A percepção é um fenômeno que garante aos indivíduos captar informações e interagir com o meio. Porém, cada sujeito possui uma dimensão e um nível determinados pelas suas experiências, vivências, interações e capacidade de estar receptivo a tudo que o cerca. Quanto mais receptiva, mais apurada é a percepção e, como consequência, o seu nível de interpretação do meio, das pessoas e dos acontecimentos também o é. Os seres humanos com alto nível de percepção são popularmente conhecidos como sábios.
Mas, à medida que nos permitimos expandir nossa percepção, aceitação pelo novo e mudamos nosso modo de interar com tudo a nossa volta, nos permitimos evoluir, desenvolver e nos tornar indivíduos melhores, capacitados a possibilitar reais transformações na sociedade.
Cabe, portanto, a cada um se permitir transmutar em indivíduos afetivos, perceptivos e que resgatem valores perdidos, essências humanas esquecidas e projetem uma nova formação social, política, econômica e educacional para que estas gerações e as futuras tornem-se cidadãos rumo à sociedade do futuro.
Referências
CÓRDULA, E. B. L. O novo paradigma educacional: o reflexo da violência na comunidade escolar. In: CANANÉA, F. A. (org.). Trilhas educacionais. João Pessoa: Imprell, 2013a, p. 46-61.
______. A escola no resgate da afetividade humana: quebra do paradigma social da violência. In: CANANÉA, F. A. (Org.). Educação (re)construída: teoria fundamentando a práxis. João Pessoa: Imprell, 2013b, p.39-56.
______. O saber do sabor: degustando o conhecimento. Educação Pública, Rio de Janeiro, n. 28, 30 jul. 2013c. Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0397.html>. Acesso em: 05 ago. 2013.
FERRY, L. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem. Rio de Janeiro: Difel, 2009.
SANTAELLA, L. Percepção: fenomenologia, ecologia, semiótica. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
Publicado em 24 de junho de 2014.
Publicado em 24 de junho de 2014
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