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Educação Ambiental: tipologias, concepções e práxis
Eduardo Beltrão de Lucena Córdula
Mestrando do Prodema/UFPB; pesquisador do Gepea-GEPC/UFPB; diretor de Educação Ambiental da Semapa, Cabedelo
Introdução
A Educação Ambiental (EA) visa proporcionar a transformação de valores, atitudes e conhecimentos acerca de práticas cotidianas do ser humano que causam impactos ou desequilíbrios ambientais (SATO; PASSOS, 2003), afetando diretamente a manutenção de um meio ambiente saudável e equilibrado (BRASIL, 1988). Portanto, há necessidade de atuar na sensibilização do ser humano, levando-o a perceber as interações entre os aspectos físico-ambientais, socioculturais e político-econômicos que compõem a sua relação com o ambiente que o rodeia (CANDIANI et al., 2004). Segundo Galvão (2007), a EA teve início no Brasil em 1971 no Rio Grande do Sul, pelos movimentos ambientalistas; a partir de conferências e encontros internacionais e nacionais, foi sendo desenvolvida na forma de projetos e pesquisas nas esferas governamentais (OGVs) e no contínuo surgimento de entidades ambientalistas da sociedade civil organizada (ONGs). Para Dias (2004), as diretrizes ambientais tiveram grande impulso com a criação da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981 (Lei nº 6.938/81), a elaboração do Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA) em 1991, além da criação do Ministério do Meio Ambiente em 1992 e com a elaboração da Agenda 21 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no mesmo ano. Em 1994 houve a criação do Pronea – Programa Nacional de Educação Ambiental e em 1999, a elaboração e sanção da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/99).
Tipologias
Voltando à Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) (BRASIL, 1999): nas seções II e III há duas tipologias: Formal e Não Formal. Porém, Silva e Joia (2008) fazem inferência à outra tipologia que é a EA Informal.
Figura 1: Tipologia da Educação Ambiental na promoção dos processos de sensibilização.
Fonte: Eduardo Córdula, 2014.
Educação Ambiental Formal (EAF): é aquela se processa no âmbito da escola, nas salas de aula, sendo promovida pelos docentes, corpo pedagógico e gestores da comunidade escolar (Art. 9° da Lei nº 9.795/99) (BRASIL, 1999). Conforme a lei da EA, compreende:
- Educação Básica:
- Educação Infantil;
- Ensino Fundamental;
- Ensino Médio;
- Educação Superior;
- Educação Especial;
- Educação Profissional;
- Educação de Jovens e Adultos.
O Art. 10 dessa lei afirma que "a Educação Ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal" (Ibidem, p. 2). Nesse contexto, será que está sendo cumprida em alguns aspectos no ensino formal em todas as suas modalidades? E no Ensino Superior, que trata da formação dos futuros profissionais?
São indagações que precisam continuamente ser pensadas e avaliadas para o pleno desenvolvimento dos processos e implantação da EA Formal.
Educação Ambiental não formal (EANF): "entende-se por Educação Ambiental não formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente" (BRASIL, 1999, p. 2), ou seja, os processos de sensibilização que ocorrem no âmbito das comunidades.
Nesse sentido, temos comunidades e aglomerados humanos urbanos e rurais, e comunidades tradicionais. Estas últimas são entendidas como "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição" (BRASIL, 2007, p. 1).
Educação Ambiental informal (EAIF): a Educação Ambiental informal é, segundo Silva e Joia (2008, p. 136), aquela que é "exercida em diversos espaços da vida social, mas não necessariamente possui compromisso com a sua continuidade. (...) Por exemplo, os meios de comunicação escrita e falada têm enfatizado atualmente os temas ambientais, mas com objetivo informativo". Portanto, ela tem a função de utilizar as mídias para sensibilizar a população em uma escala macro, por meio de seus anúncios, programas televisivos, reportagens etc. implementados pelo setor privado e público (federal, estadual, municipal).
Concepções
A escola, com o ensino formal, volta-se para os processos de formação do cidadão. Em se tratando de EA, possui várias correntes e tendências entre pesquisadores, o que, infelizmente, não leva à unificação; aparentemente há divergência entre elas. Portanto, as divergências ferem diretamente seu princípio central, que é a convergência (união e esforços) para conservação dos recursos naturais, para o desenvolvimento com sustentabilidade e a qualidade de vida socioambiental. Porém essas correntes podem ser unificadas frente ao objeto de estudo e ao problema enfrentado, que deve ser revertido.
Lucie Sauvé (2005) afirma que existem quinze correntes de pensamento e atuação da EAF, desde as mais antigas, concebidas na década de 1970, até as atuais. Para elaborar esse mapa de correntes de pensamentos, tomou por base: “a concepção dominante do meio ambiente, a intenção central da educação ambiental, o(s) enfoque(s) privilegiado(s) e o(s) exemplo(s) de estratégia(s) ou de modelo(s) que ilustra(m) a corrente” (Ibidem, p.18), que estão sintetizadas a seguir:
- Naturalista - educação para o meio natural, centrada na relação entre ser humano e natureza, de enfoque cognitivista, experiencial, afetivo, espiritual ou artístico;
- Conservacionista/Recursista - centrada na conservação da natureza-recurso, quanto à sua qualidade e quantidade; é uma educação para a conservação, baseada nos 3Rs;
- Resolutiva - da década de 1970, busca a solução para os problemas ambientais que são causados e amplificados pela ação antrópica de forma informativa e formativa, adotando a pedagogia para o desenvolvimento, no sujeito, de habilidades resolutivas desses problemas;
- Sistêmica – baseia-se nas interações e conexões entre as relações dos sistemas vivos e não vivos, com desenvolvimento cognitivo de habilidades para análise e síntese, com observação da realidade e dos seus fenômenos;
- Científica - de caráter cognitivo, dá ênfase ao processo científico de Educação Ambiental em sua relação causa e efeito (observação dos problemas, elaboração de hipóteses, execução de experimentações para confirmação/negação da hipóteses);
- Humanista - dá ênfase à dimensão humana do meio ambiente, à diversidade cultural e natural, aos símbolos e à leitura da paisagem como meio para entendimento do paradigma ambiental, para melhor intervir sobre os problemas detectados;
- Moral/Ética - valorização dos princípios éticos para melhor relação com o meio ambiente, atuando sobre os valores e a consciência na busca de uma moral ambiental e comportamentos ambientalmente corretos;
- Holística - busca analisar de forma racional as realidades ambientais e os sujeitos envolvidos, traçando um perfil da complexidade em suas relações socioambientais e na totalidade individual e coletiva;
- Biorregionalista - enfatiza os aspectos geográficos (naturais e humanos), com ênfase no convívio harmonioso com o ambiente, buscando desenvolver o ecocentrismo e o sentimento de pertencimento à região;
- Práxica - ênfase na aprendizagem da reflexão na ação e feedbacks positivos, caráter de pesquisa-ação, visando mudanças no meio (socioambientais e/ou educacionais);
- Crítica social – baseia-se na teoria crítica das ciências sociais (emancipadora e libertadora da alienação da ideologia dominante), com que analisa as dinâmicas socioambientais e seus problemas, de forma a buscar indagações e respostas nas mudanças de concepções e atitudes (pedagogia de projetos);
- Feminista - nasce dos movimentos feministas ou ecofeministas, visando à análise e à denúncia das relações de poder nos grupos sociais, políticos e econômicos. Busca a igualdade de direitos e deveres nos gêneros, rompendo os preconceitos e a misoginia;
- Etnográfica – dá ênfase no caráter cultural da relação com o meio ambiente, fazendo uso da Etnopedagogia nas comunidades autóctones, a fim de entender a sua cultura e suas relações com a natureza e utilizando esses conhecimentos na sensibilização das comunidades e de outras, com a valorização do pertencimento à região, aos saberes e cultura locais;
- Ecoeducação – dá ênfase na parte educacional da EA, buscando uma ecoformação e eco-ontogênese do sujeito como desenvolvimento pessoal de forma responsável com o meio ambiente e na solução de seus problemas;
- Para a sustentabilidade - conceito e condição absorvidos pela EA na promoção do desenvolvimento socioeconômico da humanidade, em condição indissociável da conservação dos recursos naturais, na equidade de sua utilização para estas e as futuras gerações.
Práxis
São as práticas aplicadas da EA em todas as suas tipologias, planejadas a partir de pesquisas e estudos bibliográficos e contextualizados à realidade e aos problemas observados.
Diferentemente de ação ambiental ou lúdica ou educativa, a EA vai além dessas ações pontuais. Não as desmerecendo, pelo seu papel emergencial, entretanto não possuem a continuidade e a inter-multi-transdisciplinaridade necessárias, além do arcabouço teórico-metodológico necessários, para uma plena atuação ao longo do tempo (CÓRDULA, 2012). Este último é fator vital ao trabalhar com EA, pois programas e projetos devem ser desenvolvidos ao longo dos anos. E, além destes, os processos de atuação das tipologias de EA podem ocorrer simultaneamente, tanto de forma independente como interligados e se retroalimentando (Figura 2).
Figura 2: Atuação das tipologias de Educação Ambiental e suas interligações.
Fonte: Eduardo Córdula, 2014.
Considerações finais
Educação Ambiental é um processo continuo de inserção de novos saberes e valores, frente à relação do ser humano com o ambiente que o cerca e com a natureza em toda a sua complexidade. A partir desses elementos temos o que chamamos de meio ambiente, que está em constante desequilíbrio frente à ação antrópica sobre o planeta.
Para que educadores possam atuar e entender a EA, é necessário mergulhar em suas tipologias e concepções para finalmente alcançar a práxis necessária. Caso contrário, o que se terá é apenas teoria dissociada da prática ou prática dissociada da teoria. Para Paulo Freire (2002, p. 12), "a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo". Portanto, para não gerar apenas modismos sem continuidade temporal, que não revertem a complexidade da problemática, se faz necessário ampliar os conhecimentos, buscando informações diversificadas e mudar, transmutar e evoluir ao longo do tempo frente às novas adversidades e problemáticas que surgem.
Promover um ambiente equilibrado, sustentável e com qualidade de vida (Art. 225) (BRASIL, 1998) só ocorrerá pela soma de esforços de todos os setores da sociedade e de todos os seres humanos, em que cada um, se fizer simplesmente a sua parte, estará contribuindo para a manutenção do meio ambiente, com vista ao surgimento de um novo paradigma socioambiental para esta e as futuras gerações.
Referências
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
______. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília: Senado Federal, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4281.htm. Acesso em 09 out. 2012.
______. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 30 jun. 2014.
CANDIANI, G.; LAGE, M.; VITA, S.; SOUZA, W.; WILSON-FILHO. Educação Ambiental: percepção e práticas sobre meio ambiente de estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Rev. Eletr. Mestr. Educ. Ambiental, nº 12, p. 74-89, 2004.
CÓRDULA, E. B. L. Modismos em Educação Ambiental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, n° 41, 23 out. 2012. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/meioambiente/0035.html. Acesso em: 30 out. 2012.
DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9ª ed. São Paulo: Gaia, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 25a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
GALVÃO, M. N. C. Educação Ambiental nos assentamentos rurais do MST. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2007.
SATO, M.; PASSOS, L. A. Notas desafinadas do poder e do saber – qual a rima necessária à Educação Ambiental? Contrapontos, Itajaí, v. 1, n. 3, p. 9-26, 2003.
SILVA, M. S. F.; JOIA, P. R. Educação Ambiental: a participação da comunidade na coleta seletiva de resíduos sólidos. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Três Lagoas, nº 7, ano 5, Mai. 2008, p. 121-152.
SAUVÉ, Lucie. Uma cartografia das correntes em Educação Ambiental. In: SATO, Michèle; CARVALHO, Isabel C. Moura (Orgs.). Educação Ambiental. Porto Alegre: Artmed, 2005, p.17-44.
Publicado em 08 de julho de 2014.
Publicado em 08 de julho de 2014
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