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Um estudo sobre o uso pedagógico das tecnologias em cursos de licenciatura em Matemática

Jediane Teixeira de Souza

Mestre em Educação Matemática pela PUC-SP, professora de Matemática (EE Prof. Jorge Rahme)

Introdução

É perceptível a grande dificuldade dos professores de Matemática em lidar com o uso das tecnologias na Educação Básica. Investigar em que condições os cursos de formação inicial contemplam atividades, tanto do domínio técnico das tecnologias ou softwares e suas potencialidades quanto o modo como essas ferramentas podem ser usadas em sala de aula são questões pertinentes de pesquisa. O objetivo deste trabalho é investigar instituições de ensino superior que possuem cursos de licenciatura em Matemática sobre o oferecimento de recursos tecnológicos, as oportunidades de inclusão digital e a preparação dos futuros professores de Matemática para utilizarem as tecnologias da informação e comunicação (TICs) como recurso pedagógico.

Foram realizadas entrevistas com um professor que utiliza as tecnologias em suas aulas e com o coordenador de curso de duas instituições privadas, uma universidade e uma faculdade. Realizamos também análise documental dos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura em Matemática e das ementas das disciplinas que fazem referência às novas tecnologias. Os resultados mostram que as duas instituições oferecem recursos materiais e tecnológicos. O curso da universidade oferece disciplinas da área de Informática e Computação e de Informática na Educação. O curso da faculdade oferece disciplinas de formação matemática que usam as TICs como ferramenta educacional para a construção dos conhecimentos geométricos e gráficos. Apesar de não possuir disciplinas que se assemelhem à Informática na Educação, algumas disciplinas de Matemática oferecem momentos em que se propõem a investigar as TICs aplicadas à Educação por meio de leitura de artigos que enfatizam as vantagens e desvantagens do uso de softwares e a orientar os licenciandos em como utilizar as tecnologias na prática docente. Entretanto, questionamos se é suficiente o oferecimento de recursos tecnológicos e disciplinas que contemplem as categorias mencionadas para que os licenciandos utilizem as tecnologias pedagogicamente.

A sociedade atual sofreu uma série de mudanças sociais, culturais e tecnológicas que exigem dos cidadãos competência de compreender e interpretar a realidade, de realizar uma leitura crítica dos acontecimentos e do ambiente comunitário, de inovar, produzir novos conhecimentos e buscar soluções para as questões que surgem conforme as necessidades sociais que aparecem.

Segundo Flecha e Tortajada (2000), a sociedade informacional é uma realidade econômica e cultural que surgiu com o avanço das tecnologias. Essa sociedade prioriza o domínio de certas habilidades, como a seleção e o processamento da informação, a autonomia, a capacidade para tomar decisões, o trabalho em grupo, a polivalência, a flexibilidade etc.

Para se enquadrar nessas características, o cidadão precisa estar em um contínuo processo de formação, e é por isso que a educação é considerada, na sociedade contemporânea, um dos elementos fundamentais da vida humana. Ela pode auxiliar o cidadão a construir seus conhecimentos e a desenvolver seu lado crítico, suas atitudes de responsabilidades e compromissos e a conhecer seus direitos e deveres.

Nesta sociedade, o objetivo da escola deixa de ser apenas a transmissão de conhecimento e passa a ser ensinar o sujeito a utilizar, selecionar e organizar os conhecimentos e as inúmeras informações que estão no nosso cotidiano; é por isso que a escola precisa se inovar para acompanhar o avanço da tecnologia. Valente (2007, p. 13) mostra que “a presença das tecnologias digitais em nossa cultura contemporânea cria novas possibilidades de expressão e comunicação”.

Cabe à escola preparar seus alunos para esse contexto social, e isso é proposto por meio das disciplinas lecionadas, todas possuindo como função e objetivo educá-los para a sociedade atual. Uma delas é a Matemática, que, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 27), pode contribuir para

a formação do cidadão ao desenvolver metodologias que enfatizam a construção de estratégias, a comprovação e justificativa de resultados, a criatividade, a iniciativa pessoal, o trabalho coletivo e a autonomia advinda da confiança na própria capacidade para enfrentar desafios.

O impacto que a informática provocou na adequação da sociedade moderna foi muito intenso. Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006, p. 87),

por um lado, tem-se a inserção dessa tecnologia no dia a dia da sociedade, a exigir indivíduos com capacitação para bem usá-la; por outro lado, tem-se nessa mesma tecnologia um recurso que pode subsidiar o processo de aprendizagem da Matemática. É importante contemplar uma formação escolar nesses dois sentidos, ou seja, a Matemática como ferramenta para entender a tecnologia e a tecnologia como ferramenta para entender a Matemática.

A atividade de uso do computador pode ser feita tanto para continuar transmitindo a informação para o aluno quanto para criar condições de o aluno construir seu conhecimento. O objetivo deste trabalho é investigar se e como o professor formador no curso de licenciatura em Matemática está preparando os futuros professores de Matemática para utilizar as TICs como recurso pedagógico. Este trabalho é um dos produtos do projeto de pesquisa Formadores de professores de Matemática: concepções, saberes e práticas docentes, financiado pela Fapesp, sob coordenação da Profa. Dra. Ana Lúcia Manrique, e está inserido no grupo de pesquisa Professor de Matemática: formação, profissão, saberes e trabalho docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

As questões de pesquisa que nortearam este trabalho foram:

  • As instituições de ensino estão oferecendo formação com TICs nos cursos de licenciatura?
  • Como as TICs estão sendo utilizadas nos cursos de licenciatura?
  • Professores e coordenadores consideram importantes as TICs no contexto de formação docente?

Metodologia

O estudo foi realizado em três etapas: a primeira consistiu em um levantamento bibliográfico, a fim de obter uma base teórica para nossa análise; a segunda foi uma análise documental dos projetos pedagógicos das instituições e de suas ementas; a terceira etapa contemplou a realização de visitas às instituições e de entrevistas semiestruturadas com os coordenadores e dois professores.

Barcelos (2004) apresenta uma categorização das disciplinas de alguma forma relacionadas às TICs, considerando as diferentes abordagens delas, em cursos de licenciatura em Matemática. São três:

  • Categoria 1: Disciplinas da área de Informática e Computação - usar computadores de forma competente, para produzir coisas simples como pôsteres e desenhos; utilizar processadores de texto, editores de textos matemáticos, criar e usar banco de dados ou planilha eletrônica; usar serviços oferecidos pelas redes de computadores e produzir páginas a serem disponibilizadas na internet; projetar, programar e avaliar algoritmos simples para problemas orientados a tarefas elementares.
  • Categoria 2: Disciplinas da área de Informática na Educação – investigar TICs aplicadas à Educação Matemática identificando suas vantagens e desvantagens; provocar a mudança de postura didática do professor face às ferramentas tecnológicas de apoio e ao sincronismo com o mundo atual; avaliar e utilizar softwares educacionais de Matemática voltados para o Ensino Fundamental e Médio; avaliar sites que envolvam conteúdos matemáticos; criar projetos que utilizem TICs na construção de conhecimentos matemáticos.
  • Categoria 3: Disciplinas de formação Matemática que usam as TICs como ferramenta educacional – utilizar softwares para cálculos algébricos e aproximados, visualizações gráficas e experimentos computacionais, ligados ao cálculo diferencial, funções reais de uma variável e construções geométricas.

Análise dos resultados

A primeira instituição contatada foi uma universidade situada no Grande ABC paulista, a qual nomeamos Instituição-A. Seu curso de licenciatura em Matemática tem 184 alunos matriculados, distribuídos assim: 37 alunos no 1º semestre, 20 alunos no 3º semestre, 18 alunos no 4º semestre, duas turmas de 34 alunos cada no 5º semestre e 41 alunos no 6º semestre.

Essa instituição ressalta que a inserção de novas tecnologias exige do professor o domínio do uso do computador e a potencialidade dele como ferramenta para o ensino. Um dos procedimentos adotados como princípio fundamental é “utilizar na construção do saber novas ferramentas auxiliares, como: computadores, softwares específicos e recursos audiovisuais” (projeto pedagógico da Instituição-A, 2007, p. 8). Nesse contexto, a Instituição-A oferece algumas disciplinas que de alguma forma citam em sua ementa o uso das TICs: Introdução à Informática Básica, Prática III: Prática de Ensino em Matemática, Prática IV: Prática de Ensino em Matemática Financeira, Métodos Computacionais e Informática Aplicada à Educação.

Quanto aos recursos materiais específicos do curso, o projeto pedagógico da Instituição-A destaca os laboratórios de ensino de Matemática, de Informática e de Física. No curso de Matemática, os laboratórios de informática servem de apoio ao aluno em estudo e pesquisa e como sala ambiente das disciplinas Introdução à Informática Básica e Informática Aplicada à Educação. Porém, o laboratório também é disponível para os outros docentes do curso.

Com esses resultados, podemos inferir que a instituição oferece estrutura e recursos tecnológicos de boa qualidade, facilitando o acesso dos licenciandos à cultura digital.

Constatamos também que a Instituição-A possui disciplinas que contemplam o uso das TICs e que elas possuem alguns objetivos compatíveis como os propostos nas categorias 1 e 2 apresentadas por Barcelos (2004), ou seja, a disciplina Introdução à Informática Básica e Métodos Computacionais fazem parte da categoria 1 e as disciplinas intituladas Informática aplicada à Educação e Prática de Ensino III e IV da categoria 2.

Quanto ao uso das tecnologias nessa instituição, o coordenador explicita as duas disciplinas de Informática; a primeira disciplina relaciona-se ao ensino da utilização do computador, desenvolve atividades com o intuito de ensinar alguns softwares básicos, como Word e Excel. Afirma, ainda, que muitos alunos não sabem usá-los e, por isso, a disciplina Introdução à Informática está alocada no primeiro semestre. A segunda disciplina, Informática Aplicada à Educação, que ocorre no último semestre, é direcionada à aplicação da informática nas aulas de Matemática, que seus licenciandos podem vir a lecionar.

Para obter mais informações sobre as disciplinas que de alguma forma utilizam as tecnologias entrevistamos o professor que atualmente leciona a disciplina, Informática Aplicada à Educação, e que, anos anteriores, já lecionou a disciplina Introdução à Informática Básica.

O Professor-A declara que gostaria que o curso de licenciatura ensinasse a Matemática na prática, apresentasse aos alunos onde uma fórmula matemática pode ser aplicada. Acredita que isso facilitaria o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos matemáticos. Ele afirmou: “a licenciatura deveria ser uma Matemática na prática, a gente deveria ensinar os nossos futuros professores a ensinar Matemática na prática” (Entrevista com o Professor-A, 07 de março de 2008).

As dificuldades enfrentadas pelo Professor-A em seu trabalho como formador estão em fazer com que seus alunos se interessem por aprender a lecionar utilizando as tecnologias como recurso pedagógico e compreender que esse recurso pode auxiliá-los na sua formação como docente.

O Professor-A, que atua na instituição somente na licenciatura em Matemática, afirma que desenvolve seu trabalho no curso procurando conscientizar os alunos de que o computador é um recurso tecnológico excelente para ajudá-los e para apoiá-los nas aulas de Matemática.

Ele declara que a informática é importante na formação inicial do professor de Matemática e em qualquer área, não só na formação de professores, mas de qualquer profissional.

A segunda instituição analisada foi uma faculdade integrada situada em Guarulhos, cidade da Grande São Paulo. O projeto pedagógico da Instituição-B (2006, p. 5) afirma que os objetivos do curso de licenciatura em Matemática são os mesmos da instituição, e que

garantem um ensino de excelência e propõem uma estreita articulação com as dimensões teóricas e práticas, considerando os conhecimentos específicos, os pedagógicos, os curriculares e as políticas educacionais como base para a formação de seus alunos.

A instituição tem vários laboratórios instalados em ambientes modernos, climatizados, com equipamentos de alto desempenho e grande versatilidade de uso, preparados para situações que viabilizam a prática eficaz das áreas a que se destinam, entre eles o laboratório de ensino de Matemática, o de Física, o de informática e o de tecnologias educacionais.

O projeto pedagógico registra que essa instituição busca desenvolver habilidades no emprego da tecnologia como ferramenta no processo ensino-aprendizagem da Matemática e fazer com que os alunos compreendam, critiquem e utilizem novas ideias e tecnologias para a resolução de problemas.

O curso de licenciatura em Matemática tem duração de três anos, com 219 alunos matriculados: 63 alunos estão no 1º ano, 76 no 2º ano e 80 no 3º ano. O projeto pedagógico da Instituição-B (2006, p. 15) destaca que:

a informática estará presente desde o início do curso, sendo utilizada como ferramenta para o desenvolvimento das disciplinas, assim como o conhecimento de leitura e escrita que será desenvolvido em todas as disciplinas, tendo ênfase especial nas disciplinas de Prática e Metodologia da Pesquisa.

Verificando as ementas das disciplinas do curso de licenciatura em Matemática da Instituição-B, percebemos que não há uma disciplina específica sobre o uso das TICs na Educação, mas disciplinas que o mencionam em sua ementa como recurso pedagógico, tais como: Geometria I, II, III e IV; Cálculo Diferencial e Integral I, II e III; Matemática Financeira e Fundamentos da Matemática I e II.

Segundo as categorias descritas por Barcelos (2004) e de acordo com as ementas das disciplinas, podemos inferir que essa instituição oferece apenas disciplinas que se enquadram na categoria 3.

O coordenador foi questionado quanto ao uso das tecnologias durante o curso e afirmou que um dos momentos em que os alunos têm contato com a informática é em uma atividade acadêmica-científica-cultural, entre as 200 horas exigidas, quando é oferecido o curso de informática básica com ênfase na Matemática, que ocorre no primeiro semestre. Nesse curso de 20 horas, os alunos têm a oportunidade de aprender a editar textos matemáticos com a utilização do aplicativo Equation e aprendem a construir gráficos utilizando o software Winplot.

Um segundo momento que o coordenador destacou são as aulas de Geometria, em que o laboratório de informática é utilizado por cada turma pelo menos uma vez por semana para fazer uso de um software de geometria dinâmica. O curso de Geometria é dividido em aulas na sala com exposição do conteúdo e outras no laboratório de informática para vivenciar a Geometria em um recurso tecnológico. Ele diz ainda que a disciplina Geometria tem prioridade na utilização do laboratório.

A calculadora é utilizada nas aulas de Prática de Ensino também como recurso pedagógico. Outra visão de uso de tecnologia discutida entre os professores refere-se a alguns momentos que são usados para ensinar a utilizar softwares de apresentação, como o PowerPoint. Ele menciona também que nas aulas de Cálculo o professor promove discussões de artigos sobre as tecnologias e a importância do uso de calculadora gráfica. Na análise do projeto pedagógico da Instituição-B, não encontramos na ementa da disciplina Prática de Ensino nenhuma referência quanto à utilização das tecnologias.

Quando questionado sobre como é a articulação entre a teoria e prática, o Coordenador-B afirma que o intuito de proporcionar a seus alunos aulas no laboratório de informática é de ensiná-los a utilizar o computador para aprender Geometria e para ensiná-los a lecionar usando o Cabri Géomètre.

Na Instituição-B, optamos em realizar a entrevista com o Professor-B, já que ele leciona as disciplinas Geometria I, II, III e IV e utiliza as TICs em suas aulas. Atualmente também leciona a disciplina Prática de Ensino. O professor afirma que não enfrenta nenhuma dificuldade para utilizar as tecnologias, e que todo o ano reserva o laboratório de informática três dias por semana, apesar de ocorrerem algumas divergências com os outros cursos, mas sempre chegam a um acordo. E enfatiza que o curso de licenciatura em Matemática é o único que o utiliza o laboratório de informática semanalmente na disciplina Geometria e durante o semestre nas disciplinas Cálculo Diferencial e Integral e Fundamentos da Matemática, entre outros.

Todo ano eu já reservo três dias para o uso do laboratório. [...] Outros cursos reclamam publicamente que nós da Matemática monopolizamos o laboratório. [...] As nossas aulas são preparadas, tem embasamento [...]. Mas todos os cursos, quando precisam, [...] a gente cede [...] eu combino com os meus alunos que aquele dia nós não usaremos, dobraremos a nossa aula em sala de aula ou aqui nesse ambiente e numa próxima a gente repõe. [...] Matemática é o único curso que tá usando direto, dois, três dias. E é usado não só por mim: com o pessoal de Cálculo, com o pessoal de Fundamentos, é amplamente utilizado (Entrevista com o Professor-B, 10 de março de 2008).

O Professor-B afirma que desenvolve seu trabalho direcionando suas aulas não só para o conteúdo da Geometria, mas também para ensinar os futuros professores a lecionar Geometria utilizando os recursos tecnológicos.

O uso das tecnologias está presente em suas aulas nos quatro semestres em que trabalha Geometria com os licenciandos em Matemática. O professor divide suas quatro aulas semanais em: duas aulas para os alunos trabalharem com teoria e exercícios no laboratório de Matemática, com manipulação de objetos concretos, e outras duas aulas no laboratório de informática trabalhando com software de Geometria Dinâmica.

O Professor-B enfatiza que trabalha com seus alunos não só o conceito de Geometria, mas também a utilização do software na Educação Básica. Propõe leituras de artigos para validar o uso desses softwares educacionais na Educação, discutindo o papel do ambiente informatizado na sala de aula.

Eles leem também artigos para validar o uso desses softwares na educação; qual é o papel do ambiente informatizado na sala de aula, qual a contribuição, a ideia do ambiente colaborativo, de interação, de integração. [...] Então, é bem nesse sentido, usa o ambiente, cria sequência pedagógica, didática e, ao mesmo tempo, vai discutindo textos (Entrevista com o Professor-B, 10 de março de 2008).

Os softwares utilizados nas aulas do Professor-B são o Cabri Géomètre e o Poly, entre outros, mas ele não se restringe a esses; ensina seus alunos a pesquisar softwares e seus manuais de uso na internet. Ressalta que os licenciandos têm a oportunidade de adquirir ótimos conhecimentos do Cabri Géomètre.

Considerações finais

Podemos perceber mudanças que estão acontecendo em nossa sociedade. Segundo Moran (2000), ela está mudando suas formas de se organizar, de produzir bens, de comercializá-los, de se divertir, de ensinar e de aprender. Estamos na era da sociedade do conhecimento; segundo Valente (1999, p. 31), “o conhecimento e, portanto, seus processos de aquisição assumirão um papel de destaque, de primeiro plano”. Essa valorização do conhecimento faz com que a Educação também passe por mudanças, pois muitas formas de ensinar não se justificam mais.

A mudança pedagógica que todos almejam é a passagem de uma Educação totalmente baseada na transmissão da informação, na instrução, para a criação de ambientes de aprendizagem nos quais o aluno realiza atividades e constrói o seu conhecimento (VALENTE, 1999, p. 31).

Nesse contexto, o papel do professor sofre mudanças; ele deixa de ser um mero transmissor de informações e passa a ser um facilitador, mediador, condutor do aluno no processo de construção do seu conhecimento. Para tanto, o professor precisa estar muito bem preparado para enfrentar essas mudanças.

As TICs estão presente em todos os aspectos de mudança e constituem instrumentos de trabalho essenciais no mundo de hoje, desempenhando papel fundamental na Educação. Segundo Ponte, Oliveira e Varandas (2002), as tecnologias constituem um meio privilegiado de acesso à informação; são um instrumento fundamental para pensar, criar, comunicar e intervir sobre numerosas situações; constituem uma ferramenta de grande utilidade para o trabalho colaborativo e representam um suporte do desenvolvimento humano nas dimensões pessoal, social, cultural, lúdica, cívica e profissional.

A Informática na Educação pode ser utilizada tanto para continuar transmitindo conhecimento como para auxiliar na construção do conhecimento. Segundo Valente (1999), o computador assume o papel de máquina de ensinar quando ele é utilizado meramente para transmissão de informação e o método de ensino continua a ser o tradicional. Entretanto, quando passa a ser uma máquina para ser ensinada, ou seja, quando o aluno o utiliza resolvendo problemas, utilizando linguagem de programação, refletindo sobre os resultados obtidos, utilizando softwares para realizar tarefas como desenhar, escrever, calcular etc., ele passa a ser utilizado para construir o conhecimento.

Valente (1999) afirma que a Informática na Educação enfatiza o fato de o professor ter conhecimento sobre os potenciais do computador. Para que o professor se sinta seguro em utilizar as tecnologias, é muito importante que ele esteja preparado para dominar os conhecimentos digitais e saber adequar as atividades de maneira que o computador seja uma máquina para ser ensinada.

Considerando os dados que obtivemos, entendemos que as disciplinas que mais correspondem aos objetivos da Categoria 1 de Barcelos (2004) são: Introdução à Informática Básica e Métodos Computacionais; as da Categoria 2 são: Informática Aplicada à Educação e Prática de Ensino III e IV da Instituição-A.

Ao comparar os objetivos da Categoria 3 de Barcelos (2004) com os objetivos e metodologias referentes ao uso das TICs, podemos perceber que as disciplinas que estão nessa categoria são: Geometria I, II, III e IV, Cálculo Diferencial e Integral, Matemática Financeira e Fundamentos da Matemática Elementar I e II da Instituição-B.

A Instituição-A oferece tanto disciplinas da categoria 1 como da categoria 2, e a Instituição-B oferece apenas uma disciplina da Categoria 3, mas na análise da entrevista com o Professor-B percebemos que, mesmo sendo aula de Geometria, o professor consegue atingir alguns dos objetivos da Categoria 2, pois ele propõe a investigação das TICs aplicadas à Educação por meio da leitura de artigos que enfatizam as vantagens e desvantagens do uso do software Cabri Géomètre e orienta os licenciandos a utilizar as tecnologias na prática docente e em suas atividades usando o software com foco no Ensino Fundamental e Médio.

Segundo Valente (1999), a formação do professor deve prover condições para o licenciando construir conhecimento sobre as técnicas computacionais, entender por que e como integrar o computador na sua prática pedagógica e ser capaz de enfrentar dificuldades administrativas e pedagógicas. Afirma ainda que

deve-se criar condições para que o professor saiba recontextualizar o aprendizado e a experiência vivida na sua formação para sua realidade de sala de aula, compatibilizando as necessidades de seus alunos e os objetivos pedagógicos que se dispõe a atingir (VALENTE, 1999, p. 113).

Com este estudo, entendemos que as três categorias têm papel fundamental na formação inicial de um professor, pois os licenciandos precisam saber manipular a máquina, utilizar softwares de edição de texto, de planilhas eletrônicas, de apresentação e fazer pesquisas pela internetpara ter segurança no uso das tecnologias. Precisam também aprender a utilizar os recursos em sua prática docente, pois não adianta dominar a máquina se não souber aplicar atividades com o uso do computador objetivando a construção do conhecimento, pois, como afirma Valente (1999), deve-se utilizar o computador como máquina para ser ensinada. Não podemos descartar que o professor deve ter conhecimento matemático sólido, que pode ser obtido por meio da utilização da tecnologia como recurso de aprendizagem, como defendemos em nosso estudo.

Analisando as duas instituições de ensino superior do escopo desta pesquisa, acreditamos que elas parecem oferecer condições para os licenciandos serem capazes de utilizar as tecnologias numa perspectiva inovadora de modo que aconteça uma aprendizagem verdadeira, buscando a construção dos conhecimentos matemáticos nos seus futuros alunos.

As instituições oferecem recursos materiais e tecnológicos, além de disciplinas que contemplam as categorias que analisamos. Quanto à metodologia utilizada pelos professores entrevistados, podemos inferir que eles direcionam suas aulas vinculando teoria e prática, propondo projetos que façam os licenciandos vivenciar a prática docente.

É claro que, como educadores, devemos oferecer a todos as condições para que os licenciandos sejam capazes de enriquecer suas aulas usando as tecnologias. Mas será que, mesmo se as IES oferecerem recursos tecnológicos e disciplinas que contemplem as categorias mencionadas, estaremos garantindo que os licenciandos vão utilizar as tecnologias pedagogicamente?

Valente (1993) discute alguns argumentos céticos em relação ao uso do computador na Educação. Ele destaca a pobreza do nosso sistema educacional, tanto no aspecto físico, de valorização do professor, como no processo pedagógico. Outra dificuldade é o medo que muitos professores têm de serem substituídos pela máquina. O maior desafio está relacionado à dificuldade de adaptação da administração escolar, dos professores e dos pais a uma abordagem educacional que eles mesmos não vivenciaram.

Os futuros professores estão propícios a enfrentar todas essas dificuldades e, por esse motivo, a formação do professor não pode acabar na sua graduação, pois, segundo Kenski (2003, p. 30), “é preciso estar em permanente estado de aprendizado e de adaptação ao novo”.

Para contribuir com essa formação continuada, Valente (1999) afirma que a informática na escola deve ser integrada às atividades desenvolvidas em sala de aula. Para tanto, quando o professor estiver em sua prática docente deverá continuar adquirindo conhecimentos sobre informática e desenvolvendo, junto com os seus alunos, atividades relativas ao conteúdo da sua disciplina.

Referências

BARCELOS, G. T. Inovação no sistema de ensino: o uso pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas licenciaturas em Matemática da Região Sudeste. Dissertação de Mestrado em Ciências de Engenharia. UENF. Campos dos Goytacazes, 2004.

BRASIL. Orientações curriculares para o Ensino Médio; vol. 2 Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEF, 2006.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998.

D’AMBROSIO, U. Etnomatemática – arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Ática, 1993. Séries Fundamentos.

FLECHA, R.; TORTAJADA, I. Desafios e saídas educativas na entrada do século. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A Educação no século XXI – os desafios do futuro imediato. 2ª ed. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

INSTITUIÇÃO-A. Projeto pedagógico: licenciatura plena em Matemática. São Paulo, 2007.

INSTITUIÇÃO-B. Projeto pedagógico de licenciatura em Matemática. São Paulo, 2006.

KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003. Série Prática Pedagógica.

MORAN, J. M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 11ª ed. Campinas: Papirus, 2000.

PONTE, J. P.; OLIVEIRA, H.; VARANDAS, J. M. As novas tecnologias na formação inicial de professores: Análise de uma experiência. In: V Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação. Actas: O particular e o global no virar do milênio, Lisboa: Edições Colibri e SPCE, 2002.

VALENTE, J. A. Por que o computador na Educação? In: VALENTE, J. A. (Org.). Computadores e conhecimento: repensando a Educação. Campinas: Unicamp/NIED, 1993.

VALENTE, J. A. (Org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Unicamp/NIED, 1999.

VALENTE, J. A. As tecnologias digitais e os diferentes letramentos. Pátio Revista Pedagógica, Porto Alegre, Ano XI, nº 44, p. 12-15, 2007.

Publicado em 29 de julho de 2014.

Publicado em 29 de julho de 2014

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