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A vida não é blockbuster, você não entendeu

Mariana Cruz

Outro dia, durante uma conversa, meu irmão contou-me que havia assistido a um filme na televisão sobre bullying chamado Um grito de socorro. A história era de um menino gordinho e quieto constantemente humilhado por seus colegas da escola. Ao longo da película, a situação vai se intensificando até que, ao final, não aguentando mais a vida que levava, acaba se suicidando.

Apesar de o filme ser baseado em uma obra de ficção, podemos dizer que está bem próximo do que acontece na realidade. Algumas cenas – como quando um colega do garoto diz que vai ajudá-lo e... toca uma música –, assim como o desfecho, causaram certo estranhamento em meu irmão. Sem entender a causa de tal sensação, ele fez uma pesquisa na internet sobre o filme. Tratava-se de uma produção holandesa.

Estava explicado. Ele de início pensou que era norte-americano – era isso que não encaixava, pois, não raro, em tais produções o protagonista humilhado consegue "dar a volta por cima" e ter um final apoteótico. Normalmente surge um aliado que mostra como sair do problema, seja pelo ensinamento de uma técnica marcial, seja fazendo dele um indivíduo popular (mas nunca a ajuda seria tocar uma música para confortá-lo).
Foi assim em Rocky, um lutador desconhecido e meio ingênuo que acaba se tornando campeão dos pesos-pesados; ou em Karatê Kid, em que o carismático e franzino Daniel San, depois de muito sofrer nas mãos dos alunos da academia Cobra Kai, consegue, com a ajuda do emblemático senhor Myiagi, vencer a luta final. Trata-se de um culto ao underdog bastante comum nos filmes americanos (underdog é o que no Brasil chamamos de azarão). Isto é, um indivíduo ou um grupo que entra em uma competição já visto como perdedor, mas no final vence. É a famosa zebra. Na estrutura dos filmes norte-americanos, a zebra já virou a barbada, pois nossa mente já espera o momento da superação do herói.

E é justamente isso que não acontece nos filmes europeus. Em muitos deles, o sofrimento causado pelos outros não é vingado; o protagonista passa o filme inteiro sofrendo e, ao final, sofre mais ainda. Não há final feliz. Não raro o sofrimento só cessa com a morte.

Cito dois filmes que me causaram grande revolta por não terem tido a merecida superação dos protagonistas: Dançando no escuro, do dinamarquês Lars Von Trier (apesar de os Estados Unidos serem um dos 13 países que o produziram, os outros 12 países eram da Europa), no qual a heroína vai ficando cega devido a uma doença hereditária e, para que o mesmo não ocorra com seu filho, ela trabalha exaustivamente em uma fábrica para conseguir dinheiro para operá-lo, até que um dia vizinho e amigo lhe rouba tudo que economizou em anos. Após isso, ela enfrenta uma série de desgraças e ao final é condenada à morte. O outro é Para sempre Lilya, filme europeu cuja protagonista sofre o pão que o diabo amassou até o fim. Lilya é uma pobre menina que aos 16 anos, depois de ser abandonada e desprezada pela mãe, violentada pelos garotos do condomínio na periferia onde morava, começa a se prostituir para se sustentar, então conhece um "príncipe encantado" por quem se apaixona; ele a engana e a vende como escrava sexual. Depois de tanta desilusão (esses são apenas alguns dos infortúnios pelos quais Lilya passa), ela, por fim, se mata.

Tal crueza no cinema europeu, que alguns dizem retratar o espírito do povo que já passou por diversas guerras, privações, invernos rigorosos... seja lá qual o motivo, faz de certa forma retomar o sentimento trágico da vida, tão aclamado pelos gregos. Assim como nas tragédias da Antiguidade, o herói do cinema cult, depois de passar por poucas e boas, ainda paga com a danação e faz com que saiamos das salas de projeção com os olhos marejados, solidarizando-nos com o destino cruel do qual ele não pode escapar. Um sofrimento necessário (desde a Antiguidade até os dias de hoje) para que façamos a catarse. Um sentimento essa cada vez mais renegado pelo homem moderno que preza mesmo um bom happy end e um pacote gigante de pipoca no colo. E assim seguimos com nossos ansiolíticos comprados em qualquer farmácia da esquina ao menor sinal de incômodo. Tudo superficialmente alegre como um foto de perfil no Facebook, um paraíso virtual onde todos são felizes.

Publicado em 12/08/2014

Publicado em 12 de agosto de 2014

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