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A Geografia Cultural: novas perspectivas para a ciência geográfica e sua importância na escola

Karina Arroyo Cruz Gomes de Meneses

Socióloga e pedagoga, mestranda em Geografia Cultural (UERJ)

Pouco se fala na escola acerca dos subcampos científicos. A normatização do currículo torna o conteúdo a ser estudado homogêneo e excessivamente esquemático. A utopia de um didatismo eficiente coaduna com mentes acríticas e com pouca exploração científica. Na ciência geográfica não é diferente. Desde o fim do século XIX, a Geografia se espraia pelo viés humanista com vigor e vislumbra não apenas o espaço de ação do homem, mas também os produtos dessa ação no espaço e no tempo. Daí surgem os territórios que configuram identidades e pertencimentos sociais. Os grupos, portanto, necessitam do espaço para se reordenar, se reconhecer e exercer sua cultura.

Um dos maiores geógrafos culturais de nosso tempo, afirma:

A Geografia Cultural nasceu no fim do século XIX, no mesmo momento em que a Geografia Humana. Para alguns geógrafos, ela aparecia como outra formulação da Geografia Humana. Para outros, ela se interessava pela cultura material dos grupos humanos: as suas ferramentas, as suas casas, a sua maneira de cultivar os campos ou de criar animais. O seu desenvolvimento permanecia lento até os anos 1970. Depois, o seu caráter mudou. Doravante, o interesse maior é pelas imagens mentais, as representações, o simbolismo, as identidades. Nos anos 1990, começamos a falar da virada cultural da disciplina. Neste trabalho será apresentado um sumário dessa evolução e esboçado um balanço deste campo de pesquisa (CLAVAL, 2011).

Para que fique mais clara a história desse pensamento científico, é relevante dividi-lo em três tempos basilares:

  1. Do final do século XIX até os anos 1950: Os geógrafos adotavam uma perspectiva positivista ou naturalista, não estudando as dimensões mentais da cultura. O interesse voltava-se para os aspectos materiais da cultura, tais como as técnicas e a paisagem metamorfoseadas pelo homem. As referências e experiências subjetivas dos lugares foram esquecidas e renegadas voluntariamente. Mesmo assim, algumas contribuições foram deveras importantes e contribuíram para o avanço da Geografia Cultural, na medida em que as relações homem-meio ambiente-meio social foram consideradas imprescindíveis para obter-se um olhar mais humanizado, profícuo e global acerca das questões geográficas, considerando como elementos relevantes a análise dos fatos sociais e dos meios de difusão espacial das instituições, técnicas e paisagens. Para isso, a organização regional e o papel dos lugares passaram a ser determinantes.
  2. Anos 1960 e 70: A evolução da Geografia Cultural representou a adoção de um novo olhar, derivado do período anterior. A partir de então, uma nova metodologia pôde ser elaborada.
  3. Após os anos 1970: A Geografia Cultural deixa de ser um subdomínio da Geografia Humana; torna-se equiparável à Geografia Econômica ou à Geografia Política. O sentido final da Geografia Cultural é compreender a significação que o homem impõe ao ambiente.

Nesse ínterim, observa-se que tais questões culturais são abordadas em outras disciplinas, havendo para isso um recorte dos objetos de estudo. Quando se apresentam as diversas sociedades em sala de aula, seus artefatos, técnicas e mobilidade espacial, podemos perfeitamente estar explorando a História. Por sua vez, quando se analisam as características do solo ou o clima do local por onde uma dada sociedade passa ou fixa residência, analisa-se a Geografia.

Essas definições cristalizadas e perenes facilitam ao aluno identificar os objetivos a serem explorados, mas obliteram uma visão mais holística e integradora do homem, que pode e deve ser analisado como produto do meio, muito embora também seja agente modelador. Essa dinâmica do homem subjetivo, que se afeiçoa ao espaço, transformando-o em lugar, que reordena suas necessidades, consolida seus laços tendo como georreferencial a pátria escolhida e devotada demonstra a necessidade e a premência da abordagem da Geografia sob seu viés cultural. O sistema simbólico torna inteligível o espaço. Logo, a simbiose homem-espaço é indelével na paisagem, deixa marcas, constrói identidades e pode ser entendida em toda sua complexidade na abordagem geográfica cultural.

De acordo com Bonnemaison,

dedica-se hoje uma atenção nova à irredutibilidade do fato cultural. Este não é mais visto como a superestrutura vaga e fluida na qual se tenta encerrar uma concepção bastante materialista. A cultura hoje tende a ser compreendida como uma vertente do real, um sistema de representação simbólica existente em si mesmo e, se formos ao limite do raciocínio, como “uma visão de mundo” que tem sua coerência e seus próprios efeitos sobre a relação da sociedade com o espaço (2002, p. 86).

Portanto, a dimensão cultural encontra-se intimamente relacionada com o espaço. Não há produto cultural em que não há espaço apropriado para que essa cultura se desenvolva e imprima sua marca, delimitando e caracterizando territorialidades. Saindo de uma visão simplista e negligenciada da cultura, ou daquela que a concebe como sendo supraorgânica, entende-se sua importância a partir da visão de Corrêa (2003, p. 13), que a define como “um reflexo, uma mediação e uma condição social” que influencia e é influenciada pelos aspectos espaciais (2003, p. 13).

Na sala de aula, nos debates docentes, e onde mais puder se considerar a cultura como questão relevante e indispensável à formação humana, deve-se explorar os caminhos possíveis de uma dada ciência para além das considerações meramente quantitativas.

A ciência se renova, se ramifica, se torna mais espessa e coesa quando amalgamada com outras que lhe dão suporte. Cabe a referência à heterotopia de Focault, que se constitui em múltiplas camadas de significação ou de relações a outros lugares e cuja complexidade não pode ser vista imediatamente. A subjetividade, intrínseca ao homem, se insere no espaço, dando-lhe forma e conteúdo. Cabe aos professores e ao grupo pedagógico com participação ativa no processo ensino-aprendizagem abordar de maneira construtiva a multifacetada a ciência geográfica. Isso determina a formação de mentes críticas, que podem identificar aspectos e interfaces nos recortes espaço-temporais de maneira a tornar factíveis tais análises.

Referências

BONNEMAISON, Joël. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Geografia Cultural: um século (3). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002. p. 83-132 (Série Geografia Cultural).

CLAVAL, P. C. C. Geografia Cultural: um balanço. Geografia, Londrina, v. 20, nº 3, p. 5-24, set./dez. 2011. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/view/14160/11911

CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny. Geografia Cultural: introduzindo a temática, os textos e uma agenda. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 9-18.

ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, R. L. Apresentação. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, R. L. (orgs.). Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999 (Série Geografia Cultural).

Publicado em 26 de agosto de 2014

Publicado em 26 de agosto de 2014

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