As redes sociais e a ciência. E na escola?

Andrea Velloso

Doutora em Educação, Gestão e Difusão em Biociências (UFRJ), coordenadora da área de Prática Docente da Fundação Cecierj e do Mestrado Profissional em Ensino das Ciências na Educação Básica da Universidade do Grande Rio

Solange Barros

Mestranda do curso de Mestrado Profissional em Química Biológica do Instituto de Bioquímica Médica (UFRJ)

Luciano Luz Gonzaga

Doutorando em Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica (UFRJ)

RESUMO

A atividade científica, por natureza, funciona em rede. É por meio dessa comunicação que o conhecimento flui e cresce. E na escola? Como fica o uso das redes sociais? Parece que a resistência da área educacional às redes sociais está no fato de não haver um comando centralizado nem poder e por ser descentralizadas e não hierárquicas. Estará esse entrave ligado somente aos professores? Participaram deste trabalho 50 professores de 46 escolas (públicas e privadas) de 17 municípios do Estado do Rio de Janeiro em 2013. Os professores responderam a um questionário sobre uso de redes sociais na escola. Os dados sugerem que grande parte das escolas ainda não permite o uso de redes sociais, já que 48% dos professores declararam que é proibido o uso das redes sociais em suas escolas, tanto por professores quanto por alunos. Algumas escolas proíbem o uso das redes sociais para os alunos (32%) e somente 20% permitem o uso das redes sociais para professores e alunos. Se a escola e a universidade perceberem que também são responsáveis pela conexão de todos os nós da rede social que as compõe, perceberão que a não conexão dos elos interfere em toda a rede de alguma forma, dificultando o fluxo de informações entre o universo científico e escolar.

Introdução

A própria natureza humana faz com que o homem se agrupe com seus semelhantes, construa relações de amizade e profissionais, que nada mais são do que relações de interesses que se desenvolvem e se modificam conforme a sua trajetória, estruturando, assim, a sociedade em rede.

As redes sociais se configuram como uma das estratégias usadas pela sociedade para o compartilhamento de informação e conhecimento (SILVA, 2004). A expressão “rede social” foi cunhada pelo antropólogo Radcliffe-Brown na década de 1950 para definir “um agrupamento de pessoas ou organizações ligado por um leque de relações sociais de um tipo específico” (CARVALHO, 2002, p. 2).

Adotaremos a definição de rede social proposta por Marteleto, em estudo publicado na revista Ciência da Informação em 2004, que define rede social como um

conjunto de participantes autônomos, unidos por ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados em uma estrutura sem fronteiras, que se comunicam de forma não linear, descentralizada, flexível, dinâmica, auto-organizável e que se estabelece por relações horizontais (não hierárquicas) de cooperação (p. 4).

A informação e seu compartilhamento são elementos fundamentais para o incremento econômico e social de comunidades e grupos sociais. Como espaço permanente de interação, a cada postagem/contato são proporcionadas diferentes informações, que podem ou não gerar novos conhecimentos, mas que movem a rede. A capacidade de obter informações, além dos contornos restritos a sua própria rede, “confere capital social ao grupo, facilitando aos seus membros a diminuição do custo de se obter e processar a informação” (MARTELETO, 2004, p. 1). Para Bourdieu (1980), o capital social está embutido nas relações sociais.

A atividade científica por natureza funciona em rede, formada, a princípio, pela comunicação direta verbal entre os pares, passando pela comunicação escrita e chegando à comunicação virtual, tendo sempre como princípio a avaliação do que é produzido pelos membros da comunidade que a compõem (MORAES, 2004).

É pela comunicação que o conhecimento flui e cresce. A comunicação científica consiste num intenso e ininterrupto “contar de histórias” ao longo dos séculos, em todas as sub-redes que foram se estabelecendo pelo mundo alimentando a ciência, gerando tecnologia e progresso. Segundo Pisciotta (2006), os colégios invisíveis, termo reintroduzido por Price em 1963, compõem uma das redes sociais da ciência. Eles são formados por pequenos grupos de cientistas que se unem pelos mesmos interesses científicos e se comunicam não publicamente por meio de conferências eletrônicas, listas de discussões, correio eletrônico e/ou fóruns temáticos, em uma rede de intercâmbio e comunicação. Outro exemplo de redes sociais na ciência são as redes de coautoria.

Essas redes sociais de ciência aumentaram e se intensificaram a partir da década de 1990, com a web. Os cientistas passaram a se comunicar em linha (on-line), facilitando a transmissão de conhecimento e de técnicas aplicáveis no desenvolvimento de uma pesquisa, mesmo entre cientistas localizados em regiões geográficas distintas (MEADOWS, 1999).

A rede de sequenciamento do genoma humano, a rede nacional de pesquisa em nanotubos de carbono e a rede franco-brasileira de pesquisadores em mediações e usos sociais de saberes e informações são alguns exemplos de redes sociais de cooperação formal na ciência que contribuíram enormemente para o avanço das pesquisas nas respectivas áreas.

Entretanto, no artigo Das redes sociais à inovação, publicado em 2005,Tomaél discute o fato de as redes sociais terem ultrapassado o âmbito acadêmico científico, conquistando e ganhando espaço em outras esferas da sociedade, operando em diferentes níveis, como por exemplo redes de relacionamento (Facebook, Orkut, Myspace), as redes de comunicação (Twitter), as redes profissionais (LinkedIn) e as redes políticas, entre outras.

Com o intuito de entender o impacto das redes sobre a vida social, a compreensão dos fluxos de informação de conhecimento e de poder que percorrem as redes sociais e o papel dos diferentes atores que as compõem passaram a ser objeto de estudo das Ciências Sociais. Um método bastante sistemático e legitimado pela área e usado também pela Ciência da Informação é a Análise das Redes Sociais (ARS), metodologia considerada contemporânea cuja unidade de observação é composta pelo conjunto de indivíduos, comportamentos e suas relações.

Esses estudos são importantes, pois o modo como o indivíduo se comporta é determinado por suas relações, passadas e atuais, com os outros membros de seu grupo. A interdependência dessas funções sujeita e molda de forma profunda os indivíduos.

Atualmente, as redes digitais representam fator determinante para a compreensão da expansão de novas formas de redes sociais. As empresas já usam as redes sociais para conhecer consumidores, detectar tendências. Recentemente, o Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, divulgou em abril de 2010 que cientistas utilizam sites de relacionamento e ferramentas virtuais para realizar seus trabalhos de campo, relacionar-se com fins de estudo e para divulgar suas publicações para além das paredes universitárias. Entre as vantagens dessa prática, segundo pesquisadores consultados pelo Jornal da Ciência, estão a rapidez na troca de dados de pesquisa, a possibilidade de integrar mais pessoas a um determinado estudo e o aumento de informações abertas sobre pesquisa.

Entretanto, onde há maior acessibilidade de informações há maior risco de elas serem utilizadas de forma leviana ou incorreta. Contudo, não podemos condenar a acessibilidade das informações científicas pelos plágios e outras práticas que já aconteciam antes. A rede também facilita a identificação do plágio. O que o cientista ganha em oportunidade é muito maior do que os riscos que corre com a disponibilização dos trabalhos na internet. No entanto, o paradigma da avaliação por pares não permite uma ampla adesão a essa nova modalidade de comunicação por parte da comunidade acadêmico-científica.

E na escola? Como fica o uso das redes sociais? A dinâmica das redes sociais ainda é timidamente usada pelos educadores. Alguns autores, como Machado (2005), apontam que

a utilização das redes sociais leva a um papel descentralizador do professor. Isso requer uma mudança de paradigmas de poder: se antes o professor tinha controle maior sobre os saberes que circulavam na sala de aula, com essa nova possibilidade, perde o controle desse espaço e do grupo, não tendo mais uma turma fixa de alunos, pois qualquer um pode participar do processo, bastando se logar à rede e interagir em qualquer horário (p. 8).

Parece que a resistência da área educacional às redes sociais está no fato de não haver comando nem poder nas redes, por serem descentralizadas e não hierárquicas. Estará esse entrave ligado somente aos professores?

Desenvolvimento

Nova Friburgo, Niterói, São Francisco de Itabapoana, Nova Iguaçu, Macaé, Piraí, Angra dos Reis, São Pedro da Aldeia, Itaperuna, Magé, Volta Redonda, Rio das Flores, Três Rio, Rio de Janeiro, Resende e Saquarema.

Perguntamos a 50 professores de 46 escolas (públicas e privadas) de 17 municípios do Estado do Rio de Janeiro, entre abril e maio de 2013, a respeito do uso de redes sociais na escola. Os professores que participaram da pesquisa eram cursistas da disciplina Redes Sociais como Espaço Educacional, oferecida pela Fundação Cecierj. Todos responderam a um questionário semiestruturado com uma pergunta fechada (“A escola em que leciona permite o uso de redes sociais?”) e uma pergunta aberta (“A que você atribui a posição da sua escola em relação ao uso das redes sociais?”).

Os dados sugerem que grande parte das escolas ainda não permite o uso de redes sociais, já que 48% dos professores declararam que as redes sociais não podem ser usadas em suas respectivas escolas, tanto por professores quanto por alunos. Algumas escolas proíbem o uso das redes sociais somente para os alunos (32%) e somente 20% permitem o uso das redes sociais para professores e alunos (Figura 1).

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Figura 1: Respostas dos professores participantes, em percentual, para a pergunta “Sua escola proíbe o uso de redes sociais?”.

Seria, de fato, uma dificuldade do professor em lidar com novas tecnologias? De perder o poder hierárquico conferido à sua pessoa em sala de aula? Ou estariam as escolas resistindo/impedindo o uso das redes sociais? Uma hipótese não anula a outra, o fato é que, em muitos municípios, os professores são impedidos, mesmo se desejassem, de usar essa mídia social como estratégia educacional. Estaria a escola deixando de discutir fenômenos sociais que modificaram as formas de comunicação entre as pessoas? A escola tem sentido, se não for capaz de incorporar as ferramentas comunicacionais e de compartilhamento de informações que a sociedade já utilizar? (HARO, 2011). Fica claro, no discurso dos professores, que a escola adotou uma posição anacrônica em relação ao uso de mídias sociais:

A escola caminha a passos de tartaruga, não acompanha o avanço das tecnologias. Trabalho na Secretaria de Educação de minha cidade e é proibido abrir a página do Facebook, Youtube. Se a escola não acompanhar o avanço tecnológico vai continuar um lugar chato, aonde os alunos vão forçados pelos pais (Professor 4).

(...) Me faço essa pergunta o tempo todo. Os alunos estão cada vez mais desinteressados pela escola, por causa da maneira como as coisas vêm acontecendo. Precisamos quebrar barreiras para mudança de paradigma. Nas escolas estaduais os computadores são bloqueados. Como acessar blogs e redes sociais para desenvolver um trabalho que atraia a atenção dos jovens? (Professor 19).

“A comunidade escolar reconhece que a disseminação da informação não é mais responsabilidade apenas sua, que a troca de saberes pode se dar de maneira autônoma por meio da cooperação mediada pelas novas tecnologias de informação e comunicação”, afirma Machado (2005, p. 5). Entretanto é preciso estar atentos para as redes sociais não serem utilizadas como “máscara” para velhas práticas.

Utilizo em minha classe o Facebook. Criei uma página com o nome da escola e coloquei outros professores como gerenciadores da página. Lá publicamos notícias sobre a matéria dada, por exemplo (Professor 35).

O maior poder das redes sociais, quando utilizadas na aprendizagem, é a identificação imediata que os alunos têm com o fato de que a construção do conhecimento depende da contribuição de todos e de cada um deles e não apenas do professor (MINHOTO, 2011). Exatamente o que a comunidade científica percebeu antes mesmo da criação da web.

A comunidade educacional, principalmente os professores que lecionam Ciências, incluídos aí professores de Biologia, Física e Química, deveria comungar com a comunidade científica o conceito de que as redes sociais são espaço de compartilhamento de informações por natureza e excelente ambiente para professores de todos os níveis exercitarem com seus alunos a aprendizagem colaborativa, desfrutando da sua flexibilidade. Esses ambientes são propícios ao estímulo da autoria e às discussões acerca das posturas éticas previstas nos processos de produção. Nesse sentido, os professores teriam também a oportunidade de trabalhar com os alunos a visão crítica dos materiais disponíveis, discutir responsabilidade e fidedignidade das informações veiculadas, agregar valor às informações disponibilizadas e criar capital social com outras redes; enfim, aproveitar o potencial pedagógico oferecido por um espaço privilegiado, como as redes sociais, entendendo que fazem parte dela não apenas como “observadores” ou “consumidores” de tecnologia.

Considerações finais

Do ponto de vista pedagógico, ainda não há nenhum impacto das redes sociais virtuais na educação. Se a escola e a universidade perceberem que também são responsáveis pela conexão de todos os nós da rede social que compõem, perceberão que a não conexão dos elos interfere de alguma forma em toda a rede. Perceberão que o bom fluxo da comunicação e de relacionamento entre os nós colabora para que toda a rede funcione bem, para que se perpetue e encontre outras redes em novos tempos e espaços.

Referências

BOURDIEU, P. Le capital social: notes provisoires, Actes Rech. Sci. Soc., v. 31, 1980.

CARVALHO, M. R. O. Redes sociais: convergências e paradoxos na ação estratégica. Encontro da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Administração - Enanpad, Anais. Salvador: ANPAD, 2002.

HARO, J. Redes sociales para la educacion. Madrid: Anaia Multimédia, 2011.

MARTELETO, R. Redes sociais, mediação e apropriação de informações: situando campos, objetos e conceitos na pesquisa em Ciência da Informação. Pesq. Bras. Ci. Inf., Brasília, v. 3, nº 1, p. 27-46, 2010.

MARTELETO, R. M.; SILVA, A. B. O. Redes e capital social: o enfoque da informação para o desenvolvimento local. Ciência da Informação, Brasília, v. 33, nº 3, p. 41-49, 2004.

MEADOWS, Arthur Jack. A comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos, 1999.

MINHOTO, P.; MEIRINHOS, M. As redes sociais na promoção da aprendizagem colaborativa: um estudo no Ensino Secundário. Educação, Formação & Tecnologias, v. 4 (2), 2011.

MORAES, M. A. Ciência como rede de atores: ressonâncias filosóficas. História. Ciência. Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11 nº 2, 2004.

PISCIOTTA, Kátia. Redes sociais: articulação com os pares e com a sociedade. In: POBLACION, Dinah Aguiar; WITTER, Geralina; SILVA, José Fernando Modesto (org.). Comunicação e produção científica: contextos, indicadores, avaliação. São Paulo: Angellara, 2006.

PRICE, Derek J. S. Hacia una ciencia da la ciencia. Barcelona: Ariel, 1973.

SILVA, R. C.; DELLAGNELO, E. L. Redes de organizações sociais: a inserção da lógica de mercado e a formação de gestores. Caderno Ebape, Rio de Janeiro, v. 2 nº 3, 2004.

TOMAÉL, M. N.; ALCARÁ, A. R.; DI CHIARA, I. G. Das redes sociais à inovação. Ciência da Informação, v. 34, nº 2, 2005.

Publicado em 07 de outubro de 2014

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