Educação básica no Brasil: entre o direito social e subjetivo e o negócio
Gaudêncio Frigotto
Doutor em Educação: História, Política e Sociedade (PUC/SP); professor titular aposentado em Economia Política da Educação (UFF); professor no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH-UERJ)
Este texto, cujo objetivo é, de forma breve e sucinta, expor as situação conjuntural da Educação Básica no Brasil, sintetiza algumas análises de pesquisas recentes, em grande parte divulgadas em trabalhos mais extensos ou em texto em coautoria com Maria Ciavatta e Marise Ramos.
No ideário da revolução burguesa no século XVIII, a escola básica, hoje entendida no Brasil como Ensino Fundamental e Médio, era concebida como a instituição que deveria garantir, como direito social e subjetivo, o acesso universal, público, gratuito e laico ao conhecimento e ao patrimônio cultural da sociedade. Esse legado permitiria às sucessivas gerações uma dupla cidadania: política e econômica. No primeiro caso, a garantia da participação ativa na vida política e social; no segundo, a inserção qualificada no processo produtivo que permitisse a autonomia na construção de seu futuro.
O fato de a revolução burguesa não abolir a sociedade cindida em classes sociais, mas apenas produzir uma nova estrutura de classes, garantiu apenas parcialmente esse ideário. O que se afirmou é uma estrutura dual de escolarização, reservando à classe trabalhadora uma formação instrumental e de cunho adestrador. Entretanto, nas nações em que as relações de força entre classes e frações de classe colimaram a forma clássica de revolução burguesa a maioria dos cidadãos, mesmo de modo diferenciado, atingiu a escolaridade básica, mediação necessária à dupla cidadania.
O que espanta e causa estranheza para quem busque entender a sociedade brasileira é que chegamos à segunda década do século XXI situados entre as sete maiores economias, mas mantendo a reiterada negação ao direito à Educação Básica completa para a maioria, quando não na persistência da produção do analfabetismo. Essa negação incide justamente sobre a grande maioria de jovens e adultos que, pelo seu trabalho de geração a geração, produziu essa riqueza.
Com efeito, em plena segunda década do século XXI a sétima economia do mundo em produção de riqueza mantém mais de 13 milhões de analfabetos absolutos. Também na Educação Infantil (de zero a cinco anos) permanece uma imensa dívida, especialmente com os filhos das frações mais pobres da classe trabalhadora. Avançamos nas últimas décadas na quase universalização do acesso ao Ensino Fundamental, mas sem oferecer as bases materiais de uma aprendizagem adequada, bases estas que implicam prédios adequados, bibliotecas, laboratórios, espaços de lazer e cultura, tempo do aluno na escola e professores com excelente formação geral e específica e dignamente remunerados – o que lhes permitiria atuar numa só escola e com carga horária dividida entre aulas, organização de materiais, atendimento aos alunos que precisam de apoio e estudo etc.
O Ensino Superior, desde a ditadura civil-militar, ampliou significativamente as matrículas, mas com diferenciação de qualidade e acelerada privatização. A partir da década de 1990, a expansão, incluindo cursos de educação a distância, teve aumento exponencial e de baixa qualidade. Hoje, mais de 80% das matrículas são do ensino privado. Mesmo com a criação de 16 novas universidades federais e de 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IF), com centenas de campi, o setor privado avançou proporcionalmente mais. Assim mesmo, há um grande déficit, pois o número de nossos jovens que têm acesso à universidade é bem inferior ao de países como Argentina, México e Colômbia.
A dívida maior, entretanto, é a negação do acesso e permanência no Ensino Médio para metade dos jovens brasileiros. A negação do direito constitucional dessa etapa conclusiva da Educação Básica significa não apenas a perda de um direito, mas a mutilação da cidadania política e da emancipação social e econômica.
Os números são inequívocos. De acordo com os dados do Censo do Inep/MEC de 2011, havia 8.357.675 alunos matriculados no Ensino Médio. Apenas 1,2% no âmbito público federal, 85,9%, no âmbito estadual, 1,1% no municipal e 11,8% no ensino privado. Mas o alarmante é o que revela a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012 sobre a negação do direito ao Ensino Médio aos jovens brasileiros. Aproximadamente 18 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão fora da escola. Isso equivale à metade da juventude brasileira nessa faixa etária.
Entretanto, tomando o custo aluno-ano como indicador das bases materiais referidas para os alunos de Ensino Médio que estão matriculados nos âmbitos estadual e municipal (aproximadamente 86%) tem-se uma ideia da negação de condições objetivas para um ensino com o mínimo de qualidade. O relatório Futuro em risco, do final da década de 1990, patrocinado pela Inter-American Dialogue e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, que trata da crise da educação na América Latina e as consequências na estagnação econômica, mostra que o grau médio de gasto aluno/ano para o Ensino Fundamental e Médio, nos países desenvolvidos, é de US$ 4.170. No câmbio atual do dólar (R$ 2,30), isso equivale a R$ 9.590,00/aluno/ano. O custo médio anual por aluno nos estados da Federação no Brasil não passa de R$ 3.500. Isso representa a mensalidade em algumas das escolas particulares disputadas pelo pequeno “andar de cima” da sociedade nas principais capitais dos estados brasileiros.
O baixo custo é um indicador daquilo que os poderes constituídos (parlamento, Executivo e Judiciário) estão dispostos a gastar com a juventude que frequenta a escola púbica, a maioria absoluta filhos da classe trabalhadora. Revela, de outra parte, que, excetuando aproximadamente 3% de alunos que frequentam a rede federal e algumas escolas estaduais, cujo custo aluno/ano atinge o patamar de US$ 4.000, a qualidade do ensino médio dado aos jovens mais pobres é baixíssima. O baixo custo reflete a ausência do que definimos acima como “bases materiais da qualidade”. Um exemplo desse descaso é o Estado do Rio de Janeiro, que, desde a década de 1940, praticamente não constrói escolas apropriadas para esse nível de ensino.
Outro indicador que mostra a fragilidade do Ensino Médio é que mais de um terço (aproximadamente 35%) dos jovens que o frequentam está fora da idade-série adequada. A estratégia pedagógica adotada para sua correção e de “aceleração da aprendizagem”, justamente para aqueles que necessitariam de tempo mais lento e ampliado para recuperar o que socialmente se lhes negou, a começar pela ausência de creches e um Ensino Fundamental cuja universalidade do acesso não significa a garantia, no processo, de qualidade. A medida que o Ministério da Educação (MEC) oferece e sugere, a partir de 2014, aos estados da Federação para essa aceleração é que adotem o Telecurso da Rede Globo de Televisão.
E qual tem sido a estratégia compensatória para os jovens a quem se negou o Ensino Médio ou se deu um Ensino Médio precário para inseri-los no mundo da produção, agora já sob o que se denominou “Terceira Revolução Industrial”, em que a ciência é a mola mestra? No início da década de 1940, com o surto de desenvolvimento pela substituição de importações, foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que ao longo do tempo constituíram-se no Sistema S, hoje com uma dezena de instituições, gerido privadamente com o fundo público compulsório e sem amplo controle da sociedade.
Um breve retrospecto revela que, em cada ciclo virtuoso de crescimento, o país é surpreendido com falta de mão de obra qualificada. A estratégia é a criação de programas com determinado tempo de duração. No início da década de 1960, criou-se o Programa Intensivo de Formação de Mão de Obra Industrial (Pipmoi), que em seguida foi estendido a todas as áreas da economia, sendo transformado em Programa Intensivo de Formação de Mão de Obra (Pipmo), um programa inicialmente proposto para durar 20 meses e se estendeu por 19 anos. No final da década de 1990 criou-se o Plano Nacional de Formação Profissional (Planfor) e, no início da primeira década do século XXI, o Plano Nacional de Qualificação (PNQ).
O surpreendente é que, depois de quase uma década de governo de um ex-líder operário, Luiz Inácio Lula da Silva, e de sua sucessora, Dilma Rousseff, com nome diverso, criou-se em 2011 o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Um programa que, tirando sua amplitude e o volume gigantesco de recursos investidos, reedita o Pipmo. O Pronatec é um programa que busca responder à necessidade de trabalhadores no contexto em que se retoma a palavra desenvolvimento, que, mesmo em sua acepção modernizadora, havia desaparecido do vocabulário político e econômico. Em seu lugar, os guardiões do capital financeiro, industrial, agroindustrial e de serviços, com a sistemática repetição na grande mídia vinculada a eles, cunharam os vocábulos de economias emergentes e mercados emergentes.
Esses mesmos guardiões, pela voz de seus intelectuais, produziram a expressão “apagão educacional”, reclamando do governo a falta de mão de obra qualificada. Uma realidade, pois de fato o Brasil está importando quadros de profissionais qualificados para os empregos ligados ao trabalho complexo. Mas o cínico é que os responsáveis por este “apagão”, no passado e no presente, são os que dele reclamam. A prova inequívoca disso é que os seus representantes no parlamento protelaram por quatro anos a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) construído no debate e negociação nas instituições científicas, sindicatos e movimentos sociais, sobretudo os relacionados com a educação.
Um protelar idêntico ao que ocorreu na década de 1990 com o projeto da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Um processo de mutilação dos aspectos fundamentais, em particular os relacionados ao financiamento e organização do sistema educacional e à concepção de educação púbica como direito social e subjetivo universal e gratuito. A reiteração do cinismo é de que quem efetiva estas mutilações são os representantes, no parlamento e no Poder Judiciário, dos grandes grupos e da mídia, hoje protagonistas do “compromisso” Todos pela Educação.
Do que expusemos até aqui derivam duas conclusões que nos parecem amplamente sustentáveis. A primeira é de que sem a universalização do Ensino Médio e cuja qualidade equivalha à dos aproximadamente 3% que o concluem na rede federal, os programas emergenciais do passado e o atual Pronatec constituem-se em castelos em cima de areia. No caso do Pronatec, há a transferência de um vultoso fundo público ao mercado do privado em cursos em sua maioria absoluta de 160 horas.
O que vem se evidenciando é que as grandes corporações que têm no ensino um negócio, inicialmente centrado no Ensino Superior, rapidamente estão também avançando sobre o mercado da Educação Técnica e Profissional, tradicionalmente disputado pelo Sistema S. Isso fica evidenciado quando se tomam, por exemplo, dados referentes ao Estado do Rio de Janeiro. Das aproximadamente 40 mil vagas ofertadas pelo Pronatec (no Brasil são 291.338) em 2014, perto de 35 mil advêm de grandes empresas da educação, como a Universidade Estácio de Sá (29.840 vagas), a Unicarioca (1.040 vagas) e o Centro Universitário Anhanguera (2.360 vagas). Com a fusão da Anhanguera à Kroton em 2013, numa megaoperação financeira de cerca de R$ 14,1 bilhões, o grupo passou a controlar 800 unidades de Ensino Superior e 810 escolas privadas associadas à Educação Básica e Profissional.
Cursos de 160 ou de 300 horas e oferecidos por instituições específicas e qualificadas e para jovens e adultos que tenham o Ensino Médio completo e similar ao que oferecem as escolas técnicas federais, hoje institutos federais de educação, ciência e tecnologia ou equivalentes, representam um processo de acompanhamento das mudanças da base científica e técnica do processo de produção em todas as áreas. Sem essa base, na melhor das hipóteses, preparam para o trabalho simples ou representam o protelamento de uma ilusão e, quando vinculados a outras políticas compensatórias, uma estratégia de alívio da pobreza e controle social.
A segunda conclusão é de que os problemas que persistem na conjuntura presente na Educação Básica, por ser esta constituída na e constituinte da sociedade, só podem ser adequadamente entendidos na relação orgânica com o tecido estrutural da mesma sociedade. O campo estrutural fornece a materialidade de processos históricos de longo prazo; o campo conjuntural indica, no médio e curto prazo, como os grupos, classes ou frações de classe – em síntese, as forças sociais – disputam seus interesses e estabelecem relações mediadas por instituições, movimentos e lutas concretas. O elemento crucial dessas disputas é apreender se a direção das mudanças se dá na conservação e reprodução das relações sociais historicamente dominantes ou na sua alteração qualitativa.
Vários intelectuais do pensamento social crítico brasileiro permitem entender a especificidade estrutural de nossa sociedade e a natureza das forças sociais que a produziram e a mantêm como uma das mais desiguais do planeta e que em seu projeto societário não só não cabe a universalização da Educação Básica como politicamente a impedem. No espaço deste breve texto, valho-me das análises de Florestan Fernandes, o grande batalhador pela educação pública até sua morte, e Francisco de Oliveira.
Florestan Fernandes (1981, 1975) destaca que a burguesia brasileira não efetivou um projeto societário na forma clássica das revoluções burguesas e, como tal, nunca lutou por um projeto nacional. A opção foi por associar-se de forma subordinada aos grandes centros hegemônicos do capital em detrimento do desenvolvimento autônomo e soberano da nação e de seu povo. Forjou, assim, um projeto de capitalismo dependente que combina altíssima concentração de propriedade e de riqueza e produção ampla de pobreza e miséria.
O conceito de capitalismo dependente expressa, por um lado, que o confronto e a disputa não é entre nações; o que ocorre é a aliança e a associação subordinada da burguesia brasileira com as burguesias dos centros hegemônicos do sistema capital na consecução de seus interesses. De outra parte, contrapõem-se às visões liberais conservadoras dominantes que atribuem as dificuldades do Brasil de constituir-se como país desenvolvido com a tese de que existe uma pequena parte dele moderna e avançada e que é contida pela grande massa do povo que vive no atraso, este identificado pela baixa escolaridade, pelo trabalho informal e baixo consumo.
Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira rechaçam a tese da estrutura dual da sociedade brasileira e mostram a relação dialética entre o arcaico, atrasado, tradicional, subdesenvolvido, e o moderno e o desenvolvido na especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista. Fernandes sublinha que a estratégia da classe dominante brasileira é de reiterar o processo de “modernização do arcaico”.
Francisco de Oliveira (1972), em sua obra Economia brasileira: crítica da razão dualista, mostra de forma lapidar a imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que potencializa a nossa forma específica de sociedade capitalista dependente e nossa inserção subalterna na divisão internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados atrasados, improdutivos e informais se constituem em condição essencial do núcleo integrado ao capitalismo orgânico mundial. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas cidades, uma ampliação ou inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade" com alta exploração de mão de obra de baixo custo são funcionais à elevada acumulação capitalista, ao patrimonialismo e à concentração de propriedade e de renda.
Ao atualizar, 30 anos depois, sua obra com um capítulo, que denominou metaforicamente de O ornitorrinco, Oliveira (2003) revela que o que se tornou hegemônico foi a permanência de um projeto de sociedade que aprofunda sua dependência subordinada aos grandes interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. Essa opção hegemônica, em termos sociais, se assemelha ao ornitorrinco, um mostrengo. Um projeto societário que produz a miséria e se alimenta dela.
Para Oliveira, as forças sociais que elegeram Lula da Silva, mesmo num contexto diverso da eleição de 1989, davam ao novo governo uma base para ter como tarefa de mudar o projeto societário, agora num marco de não retorno.
Na periodização de longue duré brasileira, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, ancorada na excepcional performance do Partido dos Trabalhadores e de uma ampla frente de esquerda, tem tudo para ser uma espécie de quarta refundação da história nacional, isto é, um marco de não retorno a partir do qual impõem-se novos desdobramentos. (...) É tarefa das classes dominadas civilizar a dominação, o que as elites brasileiras foram incapazes de fazer. O que se exige do novo governo é de uma radicalidade que está muito além de simplesmente fazer um governo desenvolvimentista (OLIVEIRA, 2003a, p. 3).
Uma ampla produção crítica, a começar pela do próprio Oliveira, permite-nos sustentar que por diferentes razões e determinações não ocorreu o caminho do não retorno. A radicalidade a que o autor se refere, no contexto das forças em jogo, seria uma opção clara de efetivação de medidas políticas profundas capazes de viabilizar a repartição da riqueza e suas consequências em termos de reformas de base na confrontação do latifúndio, do sistema financeiro e do aparato político e jurídico que os sustentam.
O caminho foi outro: a formação de alianças com forças políticas e econômicas historicamente contrárias às mudanças estruturais. Forças que se ampliaram no governo Dilma Rousseff. Resultam daí duas perdas fundamentais: no âmbito político, a fragmentação do campo da esquerda e perda significativa da base social que poderia dar sustentação às mudanças estruturais. Configurou-se o que Oliveira denominou hegemonia às avessas ou a despolitização da política. Para Coutinho (2010), abandonaram-se as questões políticas estruturais, em termos de Gramsci, a grande política, e cristalizou-se a hegemonia da pequena política. Em relação aos movimentos sociais mais organizados e com maior clareza de projeto societário, como é o caso do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a grande mídia e o Poder Judiciário avançaram na sua criminalização.
O abandono e a perda do projeto no plano político social significaram, no âmbito da educação, a perda também da disputa da concepção pedagógica no governo e, em larga medida, pela despolitização, na sociedade. Abriu-se no governo e no Estado o caminho para que a concepção mercantil de educação, sob a orientação dos organismos internacionais, intelectuais e coletivos que zelam pelo lucro do capital, se tornasse dominante. Bancos, associação do agronegócio (ABAG), redes de televisão e institutos privados disputam não mais apenas recursos para o mercado privada da educação, mas a direção pedagógica do conteúdo e do método das escolas públicas.
O mais paradoxal é que o governo de forma crescente estimula e legitima a orientação da Educação Básica, sua gestão, conteúdos e avaliação dentro dos critérios mercantis. À adoção do Telecurso, da Rede Globo, para nivelar os alunos defasados na idade-série somam-se, em 2014, duas outras medidas nesta direção. O MEC estabeleceu parceria com o Instituto Unibanco (IU) para orientar tecnicamente o Ensino Médio inovador. Qual educação um banco privado pode assessorar se não a que interessa ao seu negócio? Outro protocolo de parceria foi assinado entre o MEC, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e o Instituto Ayrton Senna (IAS) para estimular pesquisas sobre o desenvolvimento de habilidades socioemocionais na Educação. Um retrocesso à psicologização das questões sociais e da educação oriundas da teoria da modernização, da década de 1940.
O cenário das eleições presidenciais indica que as alternativas ao governo atual, exceto os partidos claramente de esquerda, têm projetos no campo da sociedade e da educação totalmente abertos à mercantilização. Coloca-se, nesse cenário, para tentar renascer das cinza no plano social e educacional, inicialmente uma dupla autocrítica e, em seguida, uma agenda política necessária e possível.
Ao PT, partido que encabeça o governo e a proposição da reeleição da atual presidenta, apreender com a autocrítica, que revela grandeza política e humana do que Florestan denominou, referindo-se à sua geração, “geração perdida”. Fernandes, após perguntar o que queriam, onde e por que erraram e como aprender com o erro, responde com a clareza que o presente cobra:
Não foi um erro confiar na democracia e lutar pela revolução nacional. O erro foi outro – o de supor que se poderiam atingir esses fins percorrendo a estrada real dos privilégios na companhia dos privilegiados. Não há reforma que concilie uma minoria prepotente a uma maioria desvalida (FERNANDES, 1980, p. 145).
Ele prossegue indicando que a tarefa fundamental é estar com o povo para que ele adquira consciência e capacidade para fazer a revolução de que o Brasil necessita.
Ao campo das esquerdas, pois diversos são seus matizes, e dos partidos, sindicatos e movimentos sociais que as constituem, o desafio é afirmar uma unidade possível. No plano estratégico, aprender com a classe dominante a não transigir no que não é negociável. Trata-se de somar forças para a ruptura e superação do projeto societário que historicamente produz a desigualdade e se alimenta dela.
No plano da agenda propositiva, um primeiro passo é a retomada da defesa unitária das reformas estruturais, entre elas a reforma agrária popular defendida pelo MST e outros movimentos sociais; a reforma tributária e novas alíquotas de imposto de renda, numa escala progressiva; o controle do capital especulativo, a taxação das grandes fortunas, a reforma política e do Judiciário, um dos poderes mais opacos, inacessível aos movimentos sociais e populares; o controle social ao monopólio privado da grande mídia; e, no campo da educação, a construção de uma nova LDB, tendo como base a que foi produzida pela sociedade na década de 1990 e abortada pelos representantes da classe dominante no parlamento.
Sem uma unidade mínima nessa direção o assalto ao fundo público e a mercantilização de todas as esferas da vida se darão por completo. Se essa unidade mais que necessária se tornará possível o futuro próximo o dirá.
Referências
BARRADAS, Anésia Maria da Silva. A fábrica PIPMO: uma discussão sobre política de formação de mão de obra no período de 1963-1982. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: IESAE/Fundação Getúlio Vargas, 1986.
COUTINHO, Carlos Nelson. A hegemonia da pequena política. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Sibele. Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 30-49.
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
______. A sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980.
______. A revolução burguesa no Brasil. Um ensaio de interpretação sociológica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
OLIVEIRA, Francisco de. Economia brasileira: crítica da razão dualista. Estudos Cebrap, nº 2, São Paulo, 1972.
______. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.
______. Entrevista concedida a Fernando Haddad e Leda Paulani. Revista Reportagem, nº 41, fev. 2003a.
______. Hegemonia às avessas. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Sibele. Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 21-29.
PAULANI, Leda. Brasil delivery. São Paulo: Boitempo, 2008.
* Esse texto integra a coletânea "Conjuntura 2014: Desafios para uma cidadania ativa" IBASE 2014 - www.ibase.br
Publicado em 07 de outubro de 2014
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.