Adultos egocêntricos
Mariana Cruz
Semana retrasada minha filha participou de uma competição pela primeira vez. Era de natação infantil. Nada sério, era um evento muito mais para diversão do que para disputa, tanto que todas as crianças foram premiadas. Findo o campeonato, pais e filhos atacaram as mesa de comes e bebes e, por fim, fomos fazer a digestão no parquinho, onde várias crianças falavam sobre o feito. Não poupavam elogios a si mesmas: um dizia que era muito rápido na piscina; a outra, que era ótima nadadora; um menorzinho falava que tinha ganhado uma medalha de ouro (detalhe: todos ganharam). Como era curioso escutar as crianças elogiando-se sem o menor pudor. Era algo tão natural e ingênuo que dava vontade de rir.
Tal comportamento vai ao encontro da teoria piagetiana que sustenta que nessa fase (que ele chama de estágio pré-operatório, vai dos 2 aos 6/7 anos) é normal que a criança seja egocêntrica e não considere o ponto de vista dos outros. Elas pensam que o mundo gira em torno delas. Logo começam as tentativas de agrupamento, até que se inicia o estágio operatório-concreto, dos 6/7 aos 11 anos, no qual vai se desenvolvendo a capacidade de aceitar o ponto de vista do outro, considerando mais de uma perspectiva. Ao chegar à adolescência, o indivíduo já percebe uma diferença nítida entro o ego e os objetos. Apesar disso, o egocentrismo não deixa de estar presente em tal estágio, como Piaget fala, mas agora vem carregado de um "idealismo ingênuo".
Ao ver como as pessoas vêm se relacionando com as novas tecnologias, às vezes me pergunto o que Piaget diria sobre tal comportamento: a forma como utilizam as redes sociais, os celulares com suas mil e uma funções, a necessidade de publicar fotos e comentários sobre tudo que acontece no dia. A incessante necessidade de exibir seus músculos, viagens, artigos de luxo, grupo de amigos felizes, família perfeita, restaurantes de luxo, exatamente como as criancinhas do parquinho. A diferença é que estas estão no estágio egocêntrico (sua inteligência trabalha com situações concretas); mas o que Piaget diria dos adultos que se comportam assim?
A todo momento deparamo-nos com os paradoxos deste mundo baseado nas imagens. Outro dia, uma amiga enviou-me um post dessas saradonas da internet no qual ela aconselhava seus seguidores a não se importar com a aparência e sim com o que tinham por dentro. Não entendi nada. A moça que, pela definição dos músculos, deveria ficar muito, mas muito mais tempo na academia do em casa, dizendo que não é importante a aparência? Se fosse um intelectual, sedentário, frequentador de outro tipo de academia, até poderia entender tal comentário. Ou pelo menos não seria tão contrastante com a imagem. Outro fato que me chamou a atenção a respeito das contradições geradas pelo mundo virtual foi durante a exposição de Salvador Dalí, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. Lá observei que muitas pessoas nem olhavam os quadros, apenas paravam na frente deles para usá-los como "pano de fundo" das suas fotos (que provavelmente iriam postar em alguma rede social a fim de compartilhar a "experiência incrível" de terem ido à exposição e mostrar o quanto são cultas, sensíveis e amantes das artes). Mas tudo não passa de pose – literalmente. A moça musculosa mente quando diz que acha que a aparência não importa; as pessoas da exposição mentem quando dizem que admiram a pintura de Dalí; o casal feliz, a família perfeita, a viagem dos sonhos... Talvez nada disso seja real. A alegoria de Platão nunca foi tão atual. Por vezes parece que estamos nos dirigindo em direção oposta à saída da caverna e tomando como suprarrealidade as sombras (o mundo virtual) ali projetadas. E é assim, sem olhar para o outro, centrados em nós mesmos, que muitos de nós parecemos ter chegado à idade adulta sem que tenhamos saído do estágio pré-operatório designado por Piaget.
Publicado em 04 de novembro de 2014
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.