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Metodologia de ensino da Literatura - Leitura na escola: as faces da opressão e do prazer

Eduardo da Costa Freires

Especialista em Docência do Ensino Superior pela PUC-MG, pós-graduando em Ensino de Leitura e Produção de Textos pela UFRRJ, professor de Teoria e Prática do Texto dos cursos da área de saúde da Uniabeu, professor de Língua Portuguesa e Literatura das redes de ensino estadual e municipal no Estado do Rio de Janeiro

Cristiane Brasileiro

Doutora em Letras pela PUC-Rio, coordenadora geral da área de Linguagens & Códigos da Fundação Cecierj e orientadora dos TFC da área de Metodologia do Ensino de Literatura da Especialização em Ensino de Leitura e Produção Textual

Introdução

Foto autores

Este artigo apresenta resultados de pesquisa relacionada a metodologias de leitura de livros de literatura entre alunos do 4º ciclo do Ensino Fundamental em escolas particulares do Rio de Janeiro. Considerou-se, como hipótese da pesquisa, que alguns professores ainda desenvolvem uma pseudoformação de leitores, a qual é fruto de ações alicerçadas em métodos opressores que obrigam o aluno a ler somente para cumprimento de um fazer burocrático da escola. Por outro lado, considerou-se também a hipótese de que existem várias alternativas metodológicas de sucesso para a formação de leitores proficientes, que leem por prazer muito além de qualquer projeto de leitura escolar. Para o desenvolvimento do estudo, realizaram-se pesquisas entre professores e alunos das escolas envolvidas, os quais responderam a questionários cujas perguntas foram direcionadas ao fim proposto, ou seja, descobrir quais metodologias contribuem ou não à formação de leitores. As respostas evidenciaram que a avaliação da leitura, a escolha dos livros de leitura, a destinação de tempo de leitura de tais livros em sala de aula, o compartilhamento de experiências leitoras entre os sujeitos educacionais e o uso adequado de espaços destinados à leitura estão todos diretamente relacionados ao sucesso ou não de qualquer projeto de leitura.

Propõem-se neste artigo algumas reflexões em torno de atividades que envolvem leitura, opressão e prazer a partir da escola. Quais são consideradas opressoras e que afastam os alunos dos livros de literatura? Ao contrário, quais são as metodologias de leitura escolar que proporcionam o prazer de ler? Quais metodologias contribuem efetivamente para a formação de leitores?

As respostas a tais questionamentos são apresentadas ao longo do trabalho e vêm acompanhadas de pesquisas ancoradas no método de coleta por levantamento de dados e na análise dos resultados por intermédio de uma abordagem quantitativa. Nosso ponto de partida foi uma problematização das atividades pedagógicas de leitura de livros literários desenvolvidas em duas escolas particulares da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, especificamente no 2º bimestre letivo de 2012. Por meio dos resultados obtidos, foi possível avaliar comparativamente o impacto de métodos didáticos distintos e eventualmente contraditórios adotados nos entre as instituições pesquisadas.

Logo no início dos trabalhos de pesquisas, por meio de entrevistas aos professores (vide anexo 1) e da análise de seus registros de aulas, constatou-se que em ambas as escolas, aqui denominadas “escola A” e “escola B”, há projetos de leitura e suas bibliotecas contêm um variado acervo de livros de leitura. No entanto, apesar dessa base aparentemente equivalente, pudemos captar velados diferenciais metodológicos entre elas: em uma, a leitura dos livros está atrelada a uma avaliação por meio de testes ou provas, ao passo que na outra não há avaliação e os alunos não recebem nota pelo cumprimento da atividade. Em uma escola os professores escolhem os livros de leitura para os alunos, sendo indicação bibliográfica única para todos os discentes, uma para cada um dos quatro bimestres letivos. Na outra, os alunos escolhem seus livros de leitura como resultado de uma vasta variação de indicações bibliográficas por parte do professor, sendo que cada aluno deve escolher pelo menos um livro por bimestre. Em uma escola não há nos planejamentos de disciplina dos professores de Língua Portuguesa a previsão de alguns instantes semanais para motivação e troca de experiências de leituras, ao passo que na outra existem registros nos diários dos professores a respeito da ocorrência de atividades semanais de motivação voltadas à leitura dos livros.

A partir de tais constatações, foi elaborado um questionário direcionado a alunos do 4° ciclo do Ensino Fundamental dessas duas escolas, mais especificamente dos 8º e 9º anos (vide anexo 2), a fim de descobrir em qual dessas escolas as atividades de leitura de livros literários alcança melhores resultados quanto à formação de leitores.

Todas as reflexões teóricas, substanciadas pela análise dos dados das pesquisas, visam a contribuir à adoção de metodologias voltadas à formação de leitores a partir da escola. Os resultados das pesquisas empreendidas e suas análises são importantes para devido à lacuna existente na bibliografia teórica e aos problemas práticos enfrentados para o ensino de Literatura, em especial no que se refere à comparação das abordagens metodológicas que foi a metodologia adotada neste trabalho. Acredito, ainda, que esta pesquisa seja válida também para incentivar docentes envolvidos em atividades de literatura a rever suas práticas, as quais muitas das vezes voltam-se à formação de meros ledores, que são apenas cumpridores de compromissos pedagógicos estabelecidos pela instituição de ensino ou mesmo pelo próprio professor.

Afinal, segundo estudos realizados pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com o Ibope Inteligência, o comportamento leitor do brasileiro está muito aquém do esperado e em constante decréscimo, em especial entre crianças e adolescentes em idade escolar. “A redução da leitura foi medida até entre crianças e adolescentes, que leem por dever escolar. Em 2011, crianças com idades entre 5 e 10 anos leram 5,4 livros, ante 6,9 registrados no levantamento de 2007. O mesmo ocorreu entre os pré-adolescentes de 11 a 13 anos (6,9 ante 8,5) e entre adolescente de 14 a 17 (5,9 ante 6,6 livros)” (GOULART, in: site Veja Educação, 2012). Assim, as reflexões aqui propostas se fazem urgentes tendo em vista esse cenário e, por conseguinte, a necessidade de adoção de novas práticas metodológicas de leitura na escola, as quais, se bem planejadas e executadas, são indispensáveis à formação de leitores “que recorram à escrita para satisfazer necessidades práticas, ou como fonte de entretenimento, ou como fruição estética...” (MINGUES, 2007, p. 1).

Procedimentos metodológicos

O método de pesquisa adotado para confirmação das hipóteses iniciais tratadas neste artigo foi o de coleta através de levantamento de dados e de a análise dos resultados por intermédio de abordagem tanto quantitativa quanto qualitativa, conforme estabelecem Lüdke e André (1986).

Os dados coletados e analisados tiveram como suportes de pesquisa dois questionários (vide anexos 1 e 2): um para professores de Língua Portuguesa das escolas envolvidas e outro para alunos das mesmas escolas, sempre tendo como instrumentos de interesse as turmas de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental. As questões formuladas atendem as expectativas quanto à comprovação de eficácia ou não de cada uma das metodologias adotadas, tomando como base: a) a estrutura da escola e à própria metodologia: os recursos básicos disponíveis (biblioteca, acervo de livros), critérios de escolha dos livros, avaliação das atividades envolvendo os livros de leitura, as ações de incentivo à leitura; b) Quanto ao interesse dos alunos pelos livros de leitura e a possibilidade de formação de leitores: o interesse ou não interesse dos alunos pelos livros de leitura adotados, o interesse pela procura de outros livros não atrelados ao projeto de leitura e, finalmente, o interesse pela busca independente por espaços destinados à leitura.

Para fidelização dos resultados, os alunos foram informados de que poderiam responder livremente e sem nenhum receio, pois não se tratava de uma avaliação escolar e que, por isso, não seriam prejudicados na nota final do bimestre.

Como dito na introdução deste artigo, denomina-se uma das instituições envolvidas na pesquisa de “escola A” e a outra de “escola B” para preservá-las em suas individualidades, eximi-las de qualquer vínculo com este trabalho e facilitar as explanações necessárias.

Referencial teórico

A instituição escolar sempre foi considerada a principal força responsável pelo processo de aprendizagem da leitura. É concebida dessa forma, pois para muitos ela é o primeiro veículo de intermediação entre o aluno e o livro. O professor Ezequiel Theodoro da Silva sustenta tal concepção ao afirmar que “a escola tornou-se e ainda é a principal instituição responsável pelo ensino dos mecanismos (ler e escrever) que permitem o acesso da criança ao mundo da escrita ou aos registros da chamada cultura letrada” (SILVA, 1983, p. 99).

Nesse contexto, é muito importante acentuar que a leitura, de um modo geral – e, para os fins deste artigo, mais especialmente a leitura literária - tem mesmo um importante espaço dentro do universo escolar. Inclusive essa também é a concepção a ser sustentada neste artigo. Mas antes é também válido salientar, em linhas gerais, que mesmo antes de frequentar a escola, a criança já pode, de certa forma, ser considerada uma leitora. É claro que tal leitura não é aquela codificada, presente nos livros, mas sim a leitura de mundo, tal qual afirma Emília Ferreiro: “Em ambiente urbano, as crianças estão, desde seu nascimento, expostas a material escrito e as ações sociais vinculadas a este tipo de material” (FERREIRO, 2001, p. 65).

Outro aspecto que merece destaque, pelo menos superficial, é o relacionado ao ato de ler não somente associado à leitura de livros, jornais, revistas ou qualquer outra impressão gráfica ou eletrônica (Internet). A todo instante, qualquer indivíduo, alfabetizado ou não, é convidado a fazer uma determinada leitura. Isso pode acontecer enquanto se assiste a uma partida de futebol, quando se contemplam as ondas do mar, o voo de um pássaro ou até mesmo quando se ouve o choro de um bebê. A associação dessa leitura natural com aquela ensinada na escola é que pode contribuir a uma consciência crítica textual. Defendendo esse princípio, o educador Paulo Freire muito bem afirmou: “A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica percepção das relações entre o texto e o contexto” (FREIRE, 2001, p.12).

Contudo, é mesmo a intenção abordar neste artigo os processos de leitura literária na escola e seus resultados quanto à formação do leitor competente, ou seja, aquele leitor que além da apropriação da consciência crítica à qual se refere Freire, é capaz de fazer escolhas de suas próprias leituras, de detectar, refletir e transformar significados a partir daquilo que lê, uma vez que “leitura sem compreensão e sem recriação de significado é pseudoleitura, é um empreendimento mecânico” (SILVA, 1983, p.99)

É esse, portanto, um dos mais significativos papéis a ser desempenhado pela escola, sempre com a preconização dos atores responsáveis pelas ações de leitura, ou seja, os professores.

Leitura na escola e as faces da opressão e do prazer

Apesar dessa clara definição de papéis, algumas práticas escolares, porém, podem inibir esse processo de formação de leitores, trazendo consequências desastrosas àqueles comprometidos com a educação de qualidade.

Nesse sentido, uma prática comum nas escolas é atrelar qualquer atividade a uma avaliação. Isso se explica em parte pelo fato de muitos considerarem ser este um dos únicos mecanismos capazes de fazer com que o aluno produza. Assim, muitas escolas ainda adotam a avaliação tradicional como um suposto fio condutor para a formação de leitores. A leitura de uma determinada obra é apenas um meio opressor indispensável para se fazer um teste ou uma prova, com possibilidade única para o alcance de um conceito ou nota. Outras chegam a pedir o preenchimento de fichas ou apresentação de resumos da história contada no livro.

Com muita propriedade, Ezequiel Theodoro defende que estas atividades, “ao invés de incentivar o hábito da leitura, muitas vezes fazem com que o aluno adquira outro hábito: o de ler para preencher a ficha, quase sempre dentro de esquemas semelhantes e rotineiros” (SILVA, 1983, p. 101).

A avaliação da leitura, seja por qualquer instrumento, também gera o que se pode aqui chamar de “efeito cascata”. Desde muito cedo, quando iniciam na vida escolar, as crianças têm seus potenciais de leitura avaliados por meio de testes ou provas. Assim, vão avançando na “carreira” estudantil tendo de encarar a leitura como uma obrigação, jamais como uma possibilidade de alcançar o prazer. Ruben Alves repreende essa prática ao afirma que “a receita certa para destruir o prazer da leitura é colocar um teste ao seu final para avaliar o aprendido. Ou pedir que se faça um fichamento do livro lido” (ALVES, in Revista Educação, 2003, p. 47). Assim, as possibilidades do aluno tornar-se um leitor que lê com satisfação e manter-se nesse nível após deixar a escola é algo improvável.

Todavia, para se evitar essa grande falha metodológica (isto é, atrelar leitura de livros literários a avaliações tradicionais, cabe à escola e ao professor estimular atividades diferenciadas para substituir tais avaliações.

Corroborando com essa proposta de proporcionar aos alunos o prazer pela leitura, o jornal Educar, um periódico mensal da Associação Beneficente dos Professores Públicos Ativos e Inativos do Rio de Janeiro (CARVALHO, 2002, p. 14), publicou uma matéria consideravelmente útil para a abordagem aqui proposta. Uma das escolas mencionadas na reportagem realiza todos os anos uma feira do livro. Durante o evento, os alunos apresentam aos demais colegas e visitantes os resultados da leitura dos livros de leitura. Mas essas apresentações são o resultado das atividades lúdicas desenvolvidas ao longo do ano letivo, quando os alunos são estimulados, individualmente ou em grupo, a produzir seus próprios livros a partir das leituras que fazem. Essas produções expostas na feira funcionam não somente como um estímulo à leitura, mas também à produção de textos dos próprios alunos. Trata-se apenas de uma dentre tantas outras metodologias que a escola pode adotar para avaliar a atividade de leitura por outras vias.

Outro aspecto opressor, que neste artigo merece destaque, está na impossibilidade dos alunos escolherem seus livros de leitura. Com a necessidade de manter um maior domínio do repertório a ser avaliado, muitas escolas controlam excessivamente todos os passos dos seus alunos, não dando sequer a oportunidade de escolherem os livros que mais lhes agradam, que mais se aproximam das suas realidades e mesmo de seus interesses pessoais. Assim, a escola é acusada, há bastante tempo, de “matar a espontaneidade ao controlar de maneira rígida os comportamentos das crianças e dos jovens” (PILETTI, 1990, p. 115). Muitos educadores, assim, ainda preconizam atividades de leitura pautadas em livros escolhidos unilateralmente por eles. E muitos agem dessa forma, infelizmente, como puro reflexo da educação de base que tiveram, sem contar com as falhas também na formação acadêmica. Assim, não conhecem outra metodologia que sirva como alternativa.

Em uma comunidade escolar pertencente a uma sociedade democrática, como é a nossa, torna-se essencial que o aluno se sinta participante também da escolha do seu livro de leitura. Ler um determinado livro só porque o professor assim deseja, elimina a espontaneidade e a agentividade do aluno, levando-o aluno a um estado de passividade. Mais do que isso, pode-se pensar até mesmo que “Obrigar uma criança ou adolescente a ler um livro de que não gosta só tem um resultado: desenvolver o ódio pela leitura” (ALVES, in Revista Educação, 2003, p. 47).

No entanto, o professor que deseja alcançar resultados satisfatórios e quiser promover o prazer pela leitura precisa possibilitar que seus alunos escolham os livros que irão ler na escola e fora dela. Nesse sentido, Santos muito bem defende que:

No lugar dessa passividade, o aluno poderia ser chamado a participar da escolha do livro através do contato com várias obras; nesse momento, a análise da capa, das ilustrações, do tema mobilizaria a turma a discutir o que leu. Em vez de um só livro para todos, cada grupo poderia escolher um título e, posteriormente, apresentá-lo aos colegas, através de mural, cartazes, debate. Dessa maneira, pode-se proporcionar ao aluno uma variedade de leituras e a possibilidade de se sentir o agente do ato de ler, para que essa não seja apenas uma atividade a mais no currículo escolar (2005, p. 11).

Para chegar a esse resultado, o professor deve atuar como orientador e, para isso, relacionar um bom e variado número de livros, sempre de acordo com um propósito pedagógico de aprendizagem. Depois, com a lista pronta – melhor será se os livros estiverem à disposição – oferecê-la para que os alunos escolham aquelas obras que mais lhes agradam. Não obstante, tem o professor orientador uma enorme responsabilidade ao selecionar e indicar os muitos títulos para escolha dos alunos. Esse cuidado é essencial, pois “não se formam bons leitores oferecendo aos alunos materiais empobrecidos, (...) as pessoas aprendem a gostar de ler quando (...) a qualidade de suas vidas melhora” (PCN, 1997, p. 36). Além de primar pela qualidade dos livros indicados, o professor, antes de sugerir, deve verificar quais são as preferências de seus leitores, seus interesses, o que buscam no livro, quais suas expectativas. Fatores como idade, grau de escolaridade, sexo, desenvolvimento socioeconômico devem ser criteriosamente observados.

Outra questão considerada inibidora do processo de formação de leitores competentes, portanto opressora, é a falta de atividades motivadoras de leitura em muitas escolas, mesmo naquelas onde sejam implantados os chamados Projetos de Leitura. Alguns professores de língua portuguesa estão muito preocupados em analisar a estrutura linguística dos textos reproduzidos nos livros didáticos e, nas aulas de literatura, transmitir conhecimentos relacionados à história literária, às características de cada estilo de época, à estrutura narrativa textual e outros aspectos técnicos que em nada contribuem para que os alunos efetivamente leiam livros de leitura. Nesse caso, as aulas são “mecanizadas”, sem qualquer atrativo, sem a possibilidade de avanço dos estudos direcionados exclusivamente pelos livros didáticos.

Mas nesse sentido, é válido destacar uma lacuna significativa: em pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) contatou-se que 41% dos docentes afirmaram ler menos de um livro por mês, 34% deles eventualmente leem e 25% não responderam ou não costumam ler (MILANI, site Revista Educação, 2011). Fica aqui o dilema: como alguém que nunca teve ou não tem uma honrosa experiência com os livros de leitura pode estimular seus alunos a tê-la? Fica evidente que “se a relação do professor com o texto não tiver um significado, se ele não for um bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor” (LAJOLO, in SILVA, 1983, p. 103). Por isso, muitas das aulas são “robóticas”, cheias de metodologias burocráticas, sem “vida”, sem “sabor”. São meros instantes de estudos de teoria literária, sem o devido contato com a principal ferramenta da literatura, ou seja, os próprios livros de leitura. Assim, os alunos são furtados da oportunidade de manusear na escola tais livros, de explorá-los, de conhecê-los a fundo, de empreender fantásticas viagens ao imaginário das obras de ficção. A formação de leitores fica, então, mais uma vez comprometida e fadada ao fracasso.

Por outro lado, há alternativas metodológicas simples que podem mudar esse quadro desalentador. Uma delas é a de levar para a sala de aula os livros de leitura e ler trechos previamente selecionados desses livros. A partir de então, ao apresentar aos alunos os detalhes mais intrigantes e excepcionais das narrativas, fomentando neles o desejo pela descoberta de detalhes não revelados, o professor contribuirá para a procura dos livros em estudo. Agindo assim, dará o primeiro passo para influenciar seus alunos a ler por iniciativa e interesse próprios.

O professor pode também levar os livros de leitura para a sala de aula com o objetivo de permitir que os alunos tenham contato com eles e faça suas próprias escolhas. É muito importante aproximar o aluno do livro, fazendo-o perceber que esse objeto de leitura não é algo sem vida, que nada pode lhe proporcionar de bom. Além disso, pode aproveitar esse contato para promover o rodízio de livros para que haja a troca de vivências leitoras entre os alunos e a motivação advinda do próprio grupo.

Outra proposta indispensável é a das visitas guiadas a biblioteca da escola ou a qualquer outra biblioteca disponível. “Segundo especialistas, toda classe deve ir ao menos um dia por semana... O que importa é dar autonomia aos alunos, ensinando-lhes a localizar o que procuram e mostrando que a biblioteca é parte do dia a dia” (PRADO, 2003, p. 55).

Resultados e discussão

Na escola A, o professor do 8° ano do Ensino Fundamental escolhe unilateralmente apenas um título para ser lido por todos os alunos da classe a cada bimestre e aplica um teste uma semana antes da realização das avaliações finais do período para averiguar quem realmente leu o livro proposto. Foi constatado também que não há nesta escola, pelo menos na turma pesquisada, atividades de incentivo à leitura durante as aulas, momentos de leitura lúdica do livro de leitura e a destinação de tempo para visitas guiadas à biblioteca ou outro espaço propício.

Na turma de 8º ano do Ensino Fundamental, com um total de 41 alunos matriculados e frequentando as aulas regularmente (56,09% meninos e 43,90% meninas com idade entre 13 e 14 anos), verificou-se que 19,51% não leram o livro adotado pelo professor no 2º bimestre. Os demais 80,49% declararam ter lido. Parece um dado aparentemente satisfatório, uma vez que grande parte da turma leu o livro proposto. Seria satisfatório sim, se não tivesse sido constatado que desses 80,49% de “leitores”, apenas 48,48% leram porque gostaram do livro e sem qualquer preocupação com a avaliação. Os demais 50,51% declararam ter lido sem nenhum interesse, somente para fazer o teste e, por consequência, não ficarem prejudicados na nota final do bimestre na disciplina língua portuguesa. Ou seja, mais da metade dos alunos ditos “leitores” leram somente para alcançar um objetivo pedagógico estipulado pela escola e pelo professor. Isso leva a crer que nem sempre o fato da maioria dos alunos “ter atendido” aos apelos para a leitura extraclasse significa que a atividade tenha alcançado resultados satisfatórios. Considerar que quase todos os alunos leram sem fazer uma apuração detalhada, como a feita neste trabalho, leva muitos a crer estar no caminho certo no processo pedagógico de formação de leitores. Trata-se, portanto, de uma grande ilusão.

Um dos principais agravantes para esse quadro desalentador é o fato da leitura na escola A ser encarada como obrigação, somente para o cumprimento de uma tarefa atrelada a avaliações tradicionais. Como registrado acima, a grande parte dos alunos da turma do 8º ano dita “leitora” (50,51%) leu somente porque tinha que ser avaliada. Esse resultado mostra que tal metodologia da “ditadura” da avaliação da leitura escolar é amplamente prejudicial à formação efetiva de leitores.

Essa concepção fica ainda mais ratificada ao constatar-se que do total de alunos que leram o livro do bimestre (80,49%), apenas 45,45% declararam terem-no lido por completo. Os demais 54,55% informaram que leram parcialmente, sendo que desse último percentual (54,55%) 33,34% leram menos da metade do livro e apenas 21,21% mais da metade, porém, sem alcançar a totalidade dos capítulos. Por conseguinte, considerando o total de alunos matriculados na turma e os resultados apresentados acima, conclui-se que apenas 36,58% leram o livro por completo.

Por todos esses dados percentuais, constata-se que a falta de estímulo entre os alunos da turma é bastante perceptível quando verificada a possibilidade de mais da metade deles (54,55%) considerada “leitora” ter informado não ter conseguido ler por completo o livro proposto. Desses, 33,34% foram incisivos em dizer que sequer leram a metade das páginas do livro. Fica então aqui registrado mais um agravante prejudicial ao processo de formação de leitores: o fato dos alunos não terem a oportunidade de escolher o livro de leitura. O desestímulo é velado entre os sujeitos pesquisados da escola A, uma vez que o professor detém o “poder” de determinar os livros a serem lidos ao longo do ano letivo, sem considerar os interesses, as particularidades e o contexto de vida dos alunos.

Ademais, procurou-se saber quantos alunos haviam lido no 2º bimestre algum outro livro de leitura, além do proposto. O resultado foi: 26,82% responderam que sim e 73,18% disseram que não. Perguntou-se também se houve entre eles o interesse em visitar espaços destinados à leitura: 39,39% declararam que sim e 60,61% informaram que não. Com base nas ações metodológicas de leitura do livro de leitura adotadas pela escola A, tais resultados confirmam mais alguns dos muitos agravantes prejudiciais à formação leitora de alunos: a falta de atividades semanais de incentivo à leitura, a não leitura dos livros de leitura por parte do professor como instrumentos de estudos literários e o não uso adequado de espaços apropriados para leitura, em especial o da biblioteca escolar.

Escola B: apresentação e análise dos resultados da pesquisa

Ao contrário da escola A, o projeto de leitura da escola B prevê a oportunidade de escolha do livro de leitura por partes dos alunos, segundo suas afinidades com o tema e o gênero literário. Cada um deles seleciona quatro livros, os quais serão lidos durante o ano letivo, um a cada bimestre. Para facilitar essa escolha, a escola conta com variado acervo da biblioteca, além de uma grande lista sugestiva de livros de leitura para cada turma. Tantos os livros do acervo, quanto os da lista são selecionados pelos professores de Língua Portuguesa / Literatura como contribuição para uma leitura de qualidade e atrelada a um propósito pedagógico. A cada semana, existem alguns tempos de aula destinados ao incentivo à leitura, seja em sala de aula ou na sala de leitura anexa à biblioteca da escola, em especial para leitura compartilhada entre professores e alunos. Uma vez a cada mês, é realizada uma “oficina de leitura”, quando os alunos criam atividades lúdicas a serem apresentadas ao final dos bimestres. Dentre essas atividades está a montagem de encenações, a criação de livro gigante com gravuras, a criação de teatro de fantoches e outras atividades sugeridas pelos professores e também pelos alunos. Com base nessas atividades, os docentes têm a oportunidade de constatar a realização da leitura dos livros escolhidos pelos alunos, mas sem existir para isso qualquer atribuição de conceito ou nota.

Como produto dessa metodologia, constatou-se o seguinte resultado de pesquisa: em duas turmas do 9° ano do Ensino Fundamental (uma com 30 alunos e outra com 33 alunos, com idade variando entre 14 e 15 anos) registrou-se que no 2º bimestre todos os alunos leram, cada um, pelo menos um livro entre os que foram escolhidos por eles mesmos. Todos informaram que a leitura aconteceu por interesses próprios, não havendo, portanto, nenhuma preocupação com qualquer teste ou prova, até porque esses instrumentos avaliativos são desconhecidos por eles para atividades de leitura.

Registrou-se também que do total de alunos das duas turmas, 95,23% conseguiram ler seus respectivos livros por completo, ou seja, todas as páginas. Apenas 4,76% não completaram a leitura, porém declararam ter lido mais da metade dos capítulos. Além disso, 80,95% disseram que naquele bimestre leram mais de um livro de leitura. Ao serem questionados a respeito da possibilidade de terem frequentado algum espaço destinado à leitura, foram unânimes em informar que sim. Isso se explica pelo fato da própria escola incentivar o uso da biblioteca e da sala de leitura.

Esses resultados são animadores para qualquer educador preocupado com a real formação de leitores. O fato de todos os alunos das duas turmas da escola B terem declarado que leram os seus respectivos livros, e que mais de 3/4 (80,95%) leram mais de um livro no bimestre, ratifica a nossa concepção de que leitura de livros de leitura jamais pode estar atrelada a avaliações tradicionais e que deve, sobretudo, estar enraizada em uma proposta que visa à participação do aluno na escolha dos livros que irá ler. Ademais, as atividades lúdicas, os instantes de compartilhamento de leitura (inclusive com o professor), o contato com o livro em sala de aula e na biblioteca levam os alunos à motivação em desvendar os fascínios dos livros de leitura. São ações metodológicas simples, porém propulsoras para assegurar a leitura espontânea e prazerosa.

Considerações finais

Incentivar a leitura entre os alunos não é uma tarefa tão simples para a escola, em especial quando não há na instituição de ensino uma política de ações bem planejada voltada especialmente à leitura. Pior ainda quando os resultados obtidos são “mascarados” por estatísticas que não correspondem à realidade, fazendo muitas escolas acreditarem estar no rumo certo do processo de formação de leitores.

Acredita-se, no entanto, que mesmo diante dessas e outras dificuldades, é possível a qualquer comunidade escolar lograr êxito em suas metas quanto à prática da leitura de livros de leitura, desde que a partir de práticas metodológicas de leitura bem estruturadas e com objetivos claramente definidos.

Partindo dessa proposta, é necessário inserir no projeto de leitura a exclusão das avaliações de leitura ou, se ainda essa for inevitável, criar atividades lúdicas que substituam os testes, as provas, os fichamentos e os resumos avaliativos. Como vimos aqui neste trabalho, a avaliação tradicional não se constitui força para formar leitores proficientes, os quais leiam por puro prazer, sem a temível tarefa ou obrigação. Além disso, todo projeto de sucesso estabelece claramente a participação dos alunos na escolha do livro de leitura. É claro que o envolvimento do professor na função de orientador é inevitável para a garantia da qualidade dos livros a serem lidos, contudo, sem a imposição da leitura de uma ou outra obra literária somente para cumprimento de um dever pedagógico institucional.

Somado a essas valorosas propostas metodológicas, ficou provado ao longo deste artigo que o envolvimento do professor de Língua Portuguesa/Literatura é “peça chave” para a formação de leitores de qualidade. Segundo os PCN de Língua Portuguesa, ver o professor envolvido em atos de leitura seduz pelo fato de despertar o desejo de também ler (1997, p. 58). Nesse sentido, é fundamental planejar a destinação de tempos em sala de aula para leituras compartilhadas entre professores e alunos e entre alunos e alunos. A troca de vivências de leituras, em especial do professor na condição de leitor mais experiente, forma uma corrente capaz de contagiar até mesmo aqueles alunos que dizem não gostar de ler. Aula de literatura sem a leitura de livros de leitura torna-se “mecânica”, sem vida, apenas focada em estudos teóricos e massificantes. Formar leitores significa encantar os propensos leitores, enfeitiçá-los com o “poder” encantador que provém dos livros. Associadas a esse compartilhamento, ficam as atividades de contato com os livros de leitura não somente em sala de aula, mas também em espaços como bibliotecas e salas de leitura.

Por isso, com base na observação realizada, acredito que toda e qualquer escola que objetive formar leitores para toda a vida, precisa afastar o “fantasma” da opressão metodológica de práticas de leitura e aperfeiçoar suas ações no sentido de promover o tão esperado prazer de ler.

Referências

ALVES, Ruben. A escola dos meus sonhos. Revista Educação. São Paulo, Ed. Segmento, nº 76, 2003.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 41ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

GOULART, Nathália. Hábito de leitura cai no Brasil. Veja Educação. Disponível emhttp://veja.abril.com.br/noticia/educacao/habito-de-leitura-no-brasil-cai-ate-entre-criancas. Acesso em 03 ago. 2013, publicado em 2012.

LAJOLO, Marisa; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura & Realidade Brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MEC. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1997.

MILANI, Aloísio. Por que professor não gosta de ler? Disponível em http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/77/artigo232741-1.asp. Acesso em 10 ago. 2013, publicado em 2011.

MINGUES, Eliane. Leitura na escola: o que pode essa máxima? Disponível em http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/104810Vivaleitura2.pdf#page=18. Acesso em 17 jul. 2013, publicado em 2007.

PILETTI, Nelson. Sociologia da Educação. São Paulo: Ática, 1990.

PRADO, Ricardo. Biblioteca, tesouro a explorar. Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, nº 162, set. 2003.

SANTOS, Leonor Werneck dos. Leitura na escola e formação do leitor. Disponível em http://www.letras.ufrj.br/posverna/literinfantil/artigos/santos1.pdf. Acesso em 4 ago. 2013, publicado em 2005.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura & Realidade Brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

Publicado em 28 de janeiro de 2014

Como citar este artigo (ABNT)

FREIRES, Eduardo da Costa; BRASILEIRO, Cristiane. Metodologia de ensino da Literatura - Leitura na escola: as faces da opressão e do prazer. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 14, nº 4, 28 de janeiro de 2014. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/14/4/metodologia-de-ensino-da-literatura-leitura-na-escola-as-faces-da-opressao-e-do-prazer

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