Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Metodologia de ensino da Literatura - Pedagogia de Projetos para Ensino de Literatura: um estudo de caso

Marcelo dos Santos Gama

Pós-graduado em Educação Inclusiva pela UCB; pós-graduado em Mídias na Educação pela UFRRJ; pós-graduado em Formação em EAD pela Unip, professor de Língua Portuguesa na rede estadual do Rio de Janeiro

Cristiane Brasileiro

Doutora em Letras pela PUC-Rio, coordenadora geral da área de Linguagens & Códigos da Fundação Cecierj e orientadora dos TFC da área de Metodologia do Ensino de Literatura da Especialização em Ensino de Leitura e Produção Textual

Introdução

Este artigo apresenta os resultados obtidos a partir de uma investigação sobre a eficácia e as contribuições da Pedagogia de Projetos para o ensino de Literatura no nível médio. A sua motivação deu-se em razão da necessidade de encontrar abordagens que contribuíssem para promover a aprendizagem dos estudantes, diante da falta de interesse por parte dos alunos no que se refere à aprendizagem da literatura em sala de aula. Nesse contexto, consideramos a pedagogia de projetos como uma resposta possível diante do problema mais amplo do aparente desinteresse dos alunos pela disciplina em questão. Para isso, realizou-se estudo de caso tendo como participantes alunos do terceiro ano do ensino médio de duas escolas do estado do Rio de Janeiro. O estudo foi realizado antes, durante e após o desenvolvimento de um projeto denominado Tributo a Vinicius de Moraes, e nossa análise dos dados foi basicamente qualitativa. Os resultados confirmaram a hipótese levantada a respeito do impacto positivo da pedagogia de para o ensino da literatura.

Diante da falta de desinteresse dos estudantes do Ensino Médio pelo estudo da literatura, fato percebido ao longo de dez anos como professor da rede do estado do Rio de Janeiro, nasceu meu interesse em promover mudanças no modo de colocar os alunos em contato com os textos literários. Nesse contexto, a pedagogia de projetos surgiu para mim como uma proposta de ensino que talvez pudesse contribuir para reverter o quadro de desinteresse e promover a motivação dos estudantes. Por isso, o presente artigo se propõe a relatar os resultados de uma pesquisa que buscou verificar as contribuições e a eficácia da realização de projetos no ensino de literatura, especificamente no ensino médio.

Antes, porém, tornou-se importante identificar as possíveis causas para a falta de interesse e motivação. Uma das hipóteses para tal fenômeno poderia ser a maneira como a literatura é ensinada na sala de aula: priorizando a periodização estilística de base historiográfica, apresentada de forma esquemática, e com isso desconsiderando a experiência de vida do aluno e a sua realidade.

Outra hipótese que poderia ser levantada é o fato de que por muitos anos o ensino da literatura se fez de forma isolada do uso da língua. Uma fragmentação do ensino do idioma, entre a gramática e a literatura. Apesar de nos últimos anos esse método ter mudado, com o ensino da língua passando, essencialmente, pela leitura, interpretação e produção dos mais variados gêneros textuais (dentre eles os literários), ainda se pode perceber os efeitos e reflexos dessa abordagem metodológica anterior.

Nesse contexto, a pedagogia de projetos vem de encontro às duas possíveis causas, pois por meio dessa proposta aluno aprende pesquisando e produzindo. O professor deixa de ser um mero transmissor de conteúdo e passa a desempenhar um papel de orientador, criando situações de aprendizagem e instigando os alunos a buscar as informações. Na pedagogia de projetos, o trabalho é realizado de forma coletiva, promovendo o espírito de cooperação e compartilhamento, e o resultado dessa atividade é apresentado para toda a escola, o que contribui para motivar os estudantes, que terão seu esforço e empenho vistos por outras pessoas. Por isso, a meu ver, essa é uma metodologia que de fato promove a busca pelo saber, por meio da pesquisa e da valorização do trabalho coletivo, em equipe.

No caso do ensino da literatura, vale frisar que a pedagogia de projetos tem sido aplicada com frequência nas escolas. Saraus e cafés literários, ciranda de livros, dramatizações e exposições são alguns exemplos de projetos promovidos pelas escolas.

Para verificar as contribuições e a eficácia da pedagogia de projetos no ensino de literatura no nível médio, foi feito um estudo de caso a partir da implantação e desenvolvimento de projetos de literatura em duas escolas da rede de ensino do estado do Rio de Janeiro, com alunos do terceiro ano do ensino médio, dos dois turnos: matutino e noturno. Denominamos Escola A a unidade de ensino que possui duas turmas com cerca de 30 alunos cada e que funciona no horário matutino, das 7 às 12h20min. A Escola B, por sua vez, possui uma turma com aproximadamente 25 alunos, e funciona no período noturno.

Cabe destacar que o objetivo não é apresentar a fórmula mágica ou a receita para a solução de todos os problemas - até porque seria pretensão demais, pois a educação escolar não se desenvolve a partir de algo que pronto, moldurado, não flexível, mas levando-se em consideração os mais variados aspectos, entre eles, o cultural, o social, o econômico, o étnico e o ambiental. O que se propõe é, a partir de experiências bem sucedidas, procurar contribuir para o reconhecimento e a incorporação madura de abordagens metodológicas bem sucedidas, através do exame dessas experiência diante da comunidade acadêmica. Contribuir para que o processo de ensino e de aprendizagem da literatura se realize, sem exagero, de forma menos traumática, a partir da avaliação do impactos de projetos implantados em duas escolas da rede de ensino do estado do Rio de Janeiro. Da mesma forma, o presente estudo vem preencher lacunas existentes na bibliografia acerca da pedagogia de projetos, especialmente no que se refere ao ensino da literatura, já que, após pesquisas realizadas, a bibliografia sobre o assunto mostrou-se limitada, não respondendo às indagações sobre as contribuições e a eficácia dessa abordagem.

Além das suas possíveis contribuições para a comunidade acadêmica, no entanto, o estudo também procura mostrar se a pedagogia de projetos também traz benefícios para a comunidade em geral, por meio da formação de cidadãos com espírito coletivo e solidário e leitores adultos que, buscam as informações nas mais variadas fontes disponíveis, por meio da pesquisa orientada. Ao mesmo tempo, por se tratar de uma metodologia que tipicamente consegue transpassar o espaço físico da escola, ela consegue envolver a comunidade e atrair a atenção de outros jovens para a importância cultural da literatura

Metodologia

Como já foi informado na introdução, nossa pesquisa se propôs a avaliar a eficácia e as contribuições da pedagogia de projetos no ensino da literatura em sala de aula, e por isso fizemos um estudo de caso a partir de um projeto desenvolvido com três turmas do 3º ano do Ensino Médio de duas escolas da rede de ensino do estado do Rio de Janeiro.

Antes da realização do projeto em si, foi feita pesquisa bibliográfica que pudesse contribuir para dar embasamento ao estudo, bem como para conhecer melhor a pedagogia de projetos e outros assuntos que corroborassem com o desenvolvimento do tema proposto, que é avaliar as contribuições e a eficácia da realização de projetos no ensino de literatura no ensino médio.

Após essa pesquisa bibliográfica, foram realizadas entrevistas coletivas, denominadas grupos focais, em que o professor, após diagnosticar o desinteresse e a falta de motivação para as aulas de literatura, moderou um debate, estimulando todos a participar e a dar suas opiniões sobre o que achavam das aulas de literatura.

Em seguida, o projeto foi desenvolvido com registro de todos os passos, passando pela pesquisa em si, implantação e pós-realização. Foi observado, por exemplo, o grau de interesse dos alunos, distribuídos em grupos de até sete integrantes, com base nas orientações solicitadas ao professor e nas ideias apresentadas para exposição dos resultados da pesquisa; o espírito do trabalho coletivo durante a implantação do projeto; o domínio do assunto abordado e os resultados após a realização do trabalho, seja por meio da manifestação individual ou coletiva.

Referencial teórico

Quanto à literatura que serviu de embasamento teórico, buscou-se pesquisar em obras que abordassem diferentes eixos teóricos, ou seja, que não privilegiassem apenas a pedagogia de projetos, mas sim outras áreas que se relacionam à profissão de professor.

Uma das obras estudadas foi Pedagogia de Projetos: fundamentos e implicações, de autoria de Maria Elisabette Brisola Brito Prado, doutora em Educação. A referida obra aborda o conceito de projeto e como aprender e ensinar com projetos. Outra fonte de consulta foi Uma proposta dialógica de ensino de Literatura no Ensino Médio, de Willian Roberto Cereja, doutor em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem e autor de livros adotados em muitas escolas de educação básica. O foco estudado na obra foi a prática do ensino da literatura voltado para a memorização e o vestibular. Também serviu para fundamentação a obra Dez novas competências para uma nova profissão, escrita por Philippe Perrenoud, sociólogo e antropólogo e professor da Université de Genève, Suíça, na área de currículo, práticas pedagógicas e instituições de formação, que apresenta as 10 grandes “famílias” de competências que um professor deve ter. Como o mundo se encontra na era digital e a escola deve estar concatenada com todo esse desenvolvimento, buscou-se também conhecer sobre ensino da literatura na sociedade da informação, bem como o uso das TICs no processo de ensino e aprendizagem, temas presentes na obra Ensino de Literatura e objetos de aprendizagem: uma proposta interacionista, de Cimara Valim de Melo e Silvia de Castro Bertagnolli, doutoras em Letras e em Computação, respectivamente. Por último, destaca-se Os sete saberes necessários à educação do futuro, de autoria do antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu Edgar Morin, O objetivo foi apresentar problemas da educação que são ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos.

O ensino da Literatura no Ensino Médio e as novas perspectivas

O estudo da literatura integra o currículo disciplinar das escolas brasileiras de educação básica. No caso do ensino fundamental, o ensino de literatura é considerado como parte da disciplina de Língua Portuguesa, enquanto que na educação secundária, oscila entre se visto como integrante da disciplina de Língua Portuguesa ou ora como disciplina à parte. Um bom exemplo é o que tem ocorrido no estado do Rio de Janeiro nos últimos anos. O ensino da literatura já fez parte do currículo do Ensino Médio das escolas públicas como disciplina específica e, atualmente, as manifestações literárias brasileiras têm sido trabalhadas em sala de aula como conteúdo integrante de Língua Portuguesa.

Por outro lado, as instituições particulares têm optado por trabalhar a literatura como disciplina, inclusive com um professor específico e via de regra o processo é voltado para o bom desempenho no vestibular e Enem. Essa didática, no entanto, esbarra no que apregoa documentos e orientações curriculares, que propõe algo mais contextualizado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), por exemplo, em seu Art. 35, afirma que o Ensino Médio é a etapa final da Educação Básica e tem por finalidade a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos. Não se pode interpretar que prosseguimento dos estudos refira-se de forma exclusiva ao ensino superior, mas também a outras modalidades, que podem ser técnicas ou profissionalizantes. Assim, não é objetivo do ensino médio preparar o estudante apenar para ingressar em uma faculdade, mas sim aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental que possam ser úteis ao cidadão para o prosseguimento dos estudos.

Independente se o processo de ensino e aprendizagem da literatura se faz em forma de disciplina ou como conteúdo de Língua Portuguesa, importante destacar também o papel dos livros didáticos adotados pelas escolas de ensino médio, que via de regra trazem capítulos destinados exclusivamente ao estudo das manifestações literárias. Apesar de o livro didático constituir, teoricamente, apenas um dos recursos didáticos e pedagógicos, não há como negar que ele de fato costuma servir de parâmetro mais concreto para o processo de ensino e aprendizagem e, muitas vezes, até como único instrumento por alguns professores. E esse processo, infelizmente, se baseia majoritariamente na tradição transmissiva e na periodização estilística, que leva em conta, num primeiro momento, o contexto histórico, seguido de uma apresentação das características supostamente gerais de determinada escola literária, acompanhada por vezes do estudo sobre a vida dos principais escritores e, só por fim, da leitura e interpretação de trechos de obras canônicas.

Sobre isso, Cereja (2004), ao analisar a forma de transmissão de conteúdos, revela que “geralmente ela é feita pelo professor, de modo oral e expositivo, que, às vezes, cumpre também o papel de mediador entre o autor do manual didático adotado e os alunos.”. Ele vai além e é categórico em afirmar que:

De modo geral, os professores de literatura não estão preocupados com essas questões, porque se pautam na tradição do ensino diacrônico da literatura e numa concepção de literatura como expressão da língua e da nacionalidade (CEREJA, 2004, p. 215).

Em contraste com essa metodologia fortemente inercial, Morin (2000, p. 4), ao discorrer sobre a forma do ensino e da poesia, diz que “elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais” e considera ainda que “A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos”.

Percebe-se, por tudo isso, que o ensino de literatura necessita trilhar por novos caminhos. E isso depende diretamente do professor, que deve estar atento às novas exigências da profissão e às mudanças que a sociedade demanda. Considerando isso, recorremos a Perrenoud (2001), que elencou dez novas competências que dizem respeito diretamente aos profissionais da educação. No caso em questão, vale a pena destacar quatro, que são as seguintes: organizar e estimular situações de aprendizagem; gerar a progressão das aprendizagens; envolver os alunos em suas aprendizagens e no trabalho e trabalhar em equipe. Fazendo um balanço do sentido geral das mudanças no papel do professor, o autor faz ainda esta reflexão mais impactante:

Assistimos mais a uma progressiva recomposição do leque de competências de que os professores necessitam para exercer seu ofício de forma eficaz e equitativa. Algumas formas de “dar aula” desaparecem lentamente, enquanto outras assumem uma crescente importância (PERRENOUD, 2001 p. 2).

Conclui-se então, diante do exposto, que o profissional da educação deixa de ser um mero transmissor de conhecimento e passa a ser um mediador de aprendizagem, promovendo a interação e motivando o aluno a buscar sempre mais. No caso do ensino da literatura, entendemos que isso deveria passar por um novo olhar, levando-se em conta o conhecimento prévio do educando e oferecendo-lhe condições para a aquisição de novos saberes. Sobre isso, veja o que dizem os PCN:

uma vez internalizado seu ofício de mediar a aprendizagem, o professor deve ter, além de um bom conhecimento dos conteúdos a serem desenvolvidos com os alunos, clareza sobre a transposição desses conteúdos para que a aprendizagem se efetive. Um dos caminhos mais férteis para concretizar esse processo parece ser considerar com toda seriedade a realidade, a bagagem, as representações que o aluno já traz consigo, uma vez que ele não é uma tábula rasa, capaz de ser moldada conforme a vontade exclusiva do professor. As contribuições individuais dos estudantes podem efetivamente se tornar objeto de trabalho voltado para a aprendizagem coletiva. Essa aproximação desarmada do universo dos alunos permite que se instale uma relação de confiança e respeito, capaz de tornar aproveitáveis para uma aprendizagem significativa até mesmo “erros” e inadequações. Tendo claras algumas intencionalidades sobre seus objetos de ensino, o professor poderá partir para a elaboração ou adoção de materiais didáticos que medeiem o percurso da aprendizagem, valendo-se ainda de outras maneiras de geração do conhecimento, como a proposição de atividades de pesquisa e projetos de trabalho (BRASIL, 2010, p. 86).

O que os estudantes acham do ensino da Literatura no Ensino Médio

Não tínhamos muitas dúvidas de que a forma como a literatura é ensinada nas escolas, no caso específico do ensino médio, não agrada tanto aos estudantes. No entanto, a manifestação de colegas professores acerca do desinteresse por parte dos alunos precisava ser verificada mais objetivamente a fim de que pudéssemos ter uma ideia mais precisa a respeito dessa impressão anterior mais difusa e intuitiva.

Por isso, nada como ouvir os próprios alunos sobre o que eles pensam a respeito da forma como a literatura é comumente ensinada nas escolas. Assim, foi feita uma pesquisa de levantamento, usando um questionário como instrumento. Foram ouvidos 65 alunos do terceiro ano do Ensino Médio, de duas escolas da rede de ensino do estado do Rio de Janeiro: Colégio Estadual Américo Pimenta, localizado na cidade de Quatis, e Colégio Estadual República Italiana, situado no município de Porto Real. Na primeira escola, foram ouvidos alunos de duas turmas do período matutino, enquanto que na segunda instituição, a pesquisa ouviu estudantes de uma turma do período noturno. A idade dos pesquisados varia entre 17 e 20 anos.

A escolha por estudantes do último ano do ensino médio deu-se, especialmente, em razão de eles estarem estudando literatura por dois anos e meio e também por terem estudado com diferentes professores, o que permite um diagnóstico mais perfeito, sem contar, é claro, o grau de maturidade já atingido. Da mesma forma, a opção por turmas de períodos e escolas diferentes teve como objetivo verificar até que ponto os resultados da pesquisa negam ou confirmam o que tem sido percebido por professores da área. Os questionários também não foram identificados com os nomes.

A primeira pergunta formulada foi “Qual a sua opinião sobre as tradicionais aulas de literatura?” Para responder, foram oferecidas duas opções: interessantes e desinteressantes. Além de escolher a alternativa, o aluno teria que justificar a sua resposta. Antes de os alunos responderem à pergunta, foi esclarecido que as tradicionais aulas de literatura se pautam no ensino que parte da periodização, do contexto histórico, do contexto cultural, da apresentação das características, de informações sobre a vida de escritores e na leitura e interpretação de suas obras, seja de forma completa ou parte delas. O resultado encontra-se publicado no gráfico abaixo:


Figura 1: Qual a sua opinião sobre as tradicionais aulas de Literatura?

Percebe-se que o resultado confirma já mais frontalmente (ainda que por um percentual não tão expressivo), as hipóteses levantadas. As tradicionais aulas de literatura são consideradas desinteressantes por 58,46% dos alunos pesquisados, enquanto que 41,54% dos estudantes acharam interessantes. Mais importante do que os números, no entanto, foram algumas justificativas dadas pelos pesquisados, que se encontram transcritas a seguir:

O mundo está evoluindo, mas o modo de ensino das escolas não mudou muito. Diversificar as coisas aumentaria o interesse do aluno e ajudaria no aprendizado.

As tradicionais aulas de literatura não despertam interesse porque, na maior parte das vezes, são tediosas. Talvez com algum método que atraia a atenção do aluno e desperte o interesse, as aulas seriam mais proveitosas e renderiam mais.

Em geral, as aulas são muito cansativas e desgastantes. Se o tema nos fosse passado de uma forma mais dinâmica, seria melhor.

Entre aqueles que consideram as aulas interessantes, também houve alguns posicionamentos que merecem ser observados:

São aulas interessantes, mas poderiam ser mais interativas.

As aulas são interessantes, porém alguns assuntos podem ser abordados de maneira diferente, tornando-se mais atrativos.

Apesar de a diferença percentual não ter sido grande, como se esperava, o resultado aponta para a necessidade de mudança na forma de se ensinar literatura, a fim de tornar as aulas mais dinâmicas e atrativas. Na nossa visão, essa transformação passa, essencialmente, pela mudança de postura do professor, que deve buscar uma didática que contribua para motivar e despertar mais o interesse dos alunos e, com isso, promover a aprendizagem.

É preciso reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados, e aceitar a ideia de que a evolução exige que todos os professores possuam competências antes reservadas aos inovadores ou àqueles que precisavam lidar com públicos difíceis (PERRENOUD, 2001, p. 1).

A Pedagogia de projetos no ensino de Literatura

Diante do diagnóstico inicial apresentado, em que a maioria dos alunos considera as aulas de literatura focadas na tradição transmissiva como desinteressantes, acreditamos que algo deve ser feito a fim de promover a motivação e despertar o interesse dos estudantes.

Nesse contexto, consideramos que uma boa proposta metodológica poderia ser a implantação de pedagogia de projetos no ensino da literatura. Trata-se de uma metodologia de ensino e aprendizagem que prestigia a pesquisa, a participação coletiva e a criatividade e que permite transpassar os limites da sala de aula e até mesmo, em algumas situações, o ambiente da escola, enveredando pela comunidade onde a instituição de ensino se encontra inserida.

Segundo Prado (2003, p.2), na pedagogia de projetos, “o aluno aprende no processo de produzir, de levantar dúvidas, de pesquisar e de criar relações, que incentivam novas buscas, descobertas, compreensões e reconstruções de conhecimento.”. Como o ensino médio regular é integrado por jovens, que possuem dinamismo, que buscam novas descobertas até mesmo para sua formação como profissional e como cidadão, e não se contentam com a rotina e a repetição, a realização de projetos pode contribuir muito, pois ela permite que o aluno aprenda na prática. Como bem nota o autor em questão,

A pedagogia de projetos deve permitir que o aluno aprenda-fazendo e reconheça a própria autoria naquilo que produz por meio de questões de investigação que lhe impulsionam a contextualizar conceitos já conhecidos e descobrir outros que emergem durante o desenvolvimento do projeto (PRADO, 2003, p. 7).

Além de propiciar o aprender-fazendo, portanto, a pedagogia de projetos também permite o uso dos mais variados recursos didático-pedagógicos, principalmente as novas tecnologias de informação, que, por sinal, fazem parte do mundo dos estudantes e com as quais eles se identificam e conhecem bem. Sobre isso, Prado (2003, p. 4) afirma:

A pedagogia de projetos, embora constitua um novo desafio para o professor, pode viabilizar ao aluno um modo de aprender baseado na integração entre conteúdos das várias áreas do conhecimento, bem como entre diversas mídias (computador, televisão, livros), disponíveis no contexto da escola.

Sobre o uso das novas tecnologias de informação, dos diversos tipos de mídias no ensino da literatura, Melo e Bartagnolli (2012) entendem que a literatura, enquanto matéria linguística, é formada por uma “rede de fios dialógicos”, em interação dinâmica, que adentram a “cultura digital” e as demais manifestações artísticas, experimentam a liberdade de criação proveniente de diferentes tipos gêneros discursivos e “mídias”, produzindo, com essas possibilidades de interação, novas concepções estéticas e olhares sobre o mundo em transformação. Ainda sobre as tecnologias de informação no ensino da literatura, Melo e Bartagnolli completam afirmando que:

as TICs permitem que a aprendizagem possa ocorrer em espaço e tempo diferentes ao da sala de aula tradicional. Elas favorecem a construção colaborativa, o desenvolvimento da autonomia e o trabalho conjunto entre professores e alunos, próximos física ou virtualmente (MELO; BARTAGNOLLI, 2012, p. 5).

Neste ponto, uma pergunta importante seria mais do que cabível: mas o que os alunos pensam sobre a pedagogia de projetos? Pesquisa feita com os estudantes do terceiro ano do ensino médio revelou que 92,31% acreditam que a realização de projetos seria importante para as aulas de literatura. Eles citaram exposição, sarau literário, seminários, ciranda de livros, aulas-passeios a museus como atividades que podem ser desenvolvidas em forma de projetos. A pesquisa revelou que para 6,15% dos estudantes, a realização de projetos não seria importante, não mudaria nada; enquanto que 1,54% opinou que talvez pudesse contribuir para a aprendizagem. Neste caso, dependeria do interesse de todos e de o projeto ser interessante.

Desenvolvimento e resultados do projeto Tributo a Vinicius de Moraes

Diante do resultado apresentado, ou seja, de um diagnóstico negativo sobre as aulas de literatura que se baseiam na tradição transmissiva, bem como na expectativa positiva por parte dos alunos do terceiro ano do ensino médio sobre a realização de projetos na área, tornou-se necessário verificar as contribuições e a eficácia da pedagogia de projetos no ensino de literatura.

Por isso, durante um mês foi feito um estudo de caso tendo como objeto uma atividade que visou a prestar homenagem ao poeta, compositor, dramaturgo, jornalista, diplomata e crítico de teatro, Vinícius de Moraes. A atividade, denominada Tributo a Vinicius de Moraes, foi desenvolvida com as três turmas de ensino médio citadas anteriormente.

No Colégio Municipal Américo Pimenta, na cidade de Quatis, os alunos foram divididos em oito grupos de cinco a seis alunos cada. Os temas trabalhados por cada grupo foram: família, diplomacia, jornalismo, poesia, dramaturgia, crítica de cinema, música e Bossa Nova. De posse dos temas, os grupos partiram para a pesquisa e, ao longo de três semanas, apresentaram as informações colhidas, bem como as ideias ao professor, que, por sua vez, procurou dar as devidas orientações.

A última semana coube à montagem do trabalho em si, com os alunos utilizando muita criatividade. O hall e o auditório foram utilizados como ambientes para a exposição, que incluiu murais, varal de poesia, caixa de mensagem e apresentação musical e de slides. Uma aluna, inclusive, chegou a “encarnar”, a Garota de Ipanema.

A exposição foi aberta aos demais estudantes da escola, inclusive do turno da tarde, além do público externo. Durante a exposição, percebeu-se que os alunos estavam motivados com o resultado do trabalho, através da maneira como davam explicação aos visitantes. Motivação que também se estendeu, horas depois, com relatos, depoimentos e fotos na rede social Facebook.

Importante destacar que durante este período, ficaram evidenciados alguns pontos que foram levados em consideração na hora da avaliação, como o grau de interesse de cada grupo em buscar informações consideradas importantes para a apresentação de um bom trabalho, a participação individual e coletiva, bem como a apresentação final do trabalho, que permitiu aferir o nível de aprendizagem sobre o assunto.

Os resultados foram tão satisfatórios que os estudantes foram convidados a levar a exposição para uma livraria da cidade, o que vai ocorrer no mês de outubro, mês em que o poeta completaria 100 anos.

No Colégio Estadual República Italiana, na cidade de Porto Real, o projeto foi desenvolvido de modo diferente, pois levou em conta algumas características típicas de uma turma do período noturno, cujos alunos trabalham durante o dia e têm pouco tempo disponível fora da sala de aula para a realização de atividades que exijam reuniões com frequência. Dessa forma, antes da formação dos grupos, o professor apresentou, durante duas semanas, um pouco da vida e da obra de Vinicius de Moraes, inclusive analisando alguns poemas e músicas do poeta e compositor. Feito isso, os estudantes foram distribuídos em quatro grupos de seis a sete integrantes. Dois grupos trabalharam o tema poesia e os outros dois a música, com enfoque no amor, na religiosidade, na mulher e na vida.

A culminância deu-se em forma de um sarau literário, em que os alunos se reuniram em uma grande mesa na sala de aula e declamaram poemas e cantaram músicas de autoria de Vinícius. Nos intervalos, os alunos saboreavam pizzas, remetendo ao ambiente de bares, onde o artista homenageado gostava de estar em companhia dos amigos. O resultado também repercutiu nas mídias sociais, com os alunos tecendo diversos comentários e postando fotos da atividade. O processo avaliativo utilizado também levou em conta os mesmos fatores elencados anteriormente, como a participação, o grau de interesse e a apresentação final.

A fim de consolidar os resultados obtidos, procurou-se passar o período de euforia dos estudantes para fazer-se uma pesquisa que pudesse colher com mais precisão a opinião dos alunos. Assim, no início de agosto, logo após o término do recesso escolar, foi feita uma consulta aos estudantes envolvidos. Dos entrevistados, 93,84 % disseram que gostaram do projeto; 3,08% opinaram de forma negativa; 1,54% que o projeto foi regular e 1,54% não respondeu.

Mais importante do que o percentual de aprovação foram as justificativas dadas ao projeto, que demonstram que os alunos ficaram mais motivados a partir da realização do projeto e que apontam para uma mudança de atitude no que se refere ao estudo da literatura por parte dos mesmos.

Ficamos por dentro sobre sua vida e obra. Ajudamos os outros grupos a terminarem seus trabalhos. Ninguém fez só o seu, interagimos com os assuntos de todos.

Foi muito interessante, diferente. Fazia muito tempo que não tinha isso na escola.

Foi uma maneira diferente de ensino, que nos permitiu maior envolvimento com o assunto.

Foi um trabalho diferente e que fez com que todos trabalhássemos em equipe.

Foi uma maneira mais interessante e mais fácil de aprender sobre a vida de Vinícius de Moraes.

A fim de consolidar os resultados obtidos mediante a opinião expressada pelos alunos, foi uma nova pesquisa em forma de questionário, com os alunos tendo que responder às seguintes perguntas: “O projeto Tributo a Vinícius de Moraes ajudou a despertar o interesse pelo ensino da literatura?” e “O projeto Tributo a Vinícius de Moraes contribuiu para a aprendizagem sobre a vida e obra do poeta?” Os resultados encontram-se apresentados nos gráficos a seguir:


Figura 2: O projeto Tributo a Vinícius de Moraes ajudou a despertar o interesse pelo ensino de Literatura?

Figura 3: O projeto contribuiu para a aprendizagem sobre a vida e a obra do poeta?

Para finalizar o estudo e com o objetivo de conferir se realmente os alunos alcançaram a aprendizagem, como foi apontado pela pesquisa, durante uma aula, o professor promoveu uma revisão de aprendizagem a respeito do tema, com perguntas formuladas oralmente e respondida pelos estudantes. O resultado acabou se confirmando, com os alunos tecendo vários pontos sobre a vida e a obra do autor, demonstrando assim, que houve aprendizagem e, dessa forma, o projeto foi eficaz e contribuiu para o ensino de Literatura.

Considerações finais

O estudo realizado a partir da implementação de um projeto com alunos do terceiro ano do ensino médio confirmou as hipóteses consideradas. A primeira é de que uma das formas para despertar o interesse e a motivação dos alunos está relacionada à maneira como o assunto é passado: os alunos demonstraram mais participação na realização do projeto do que nas aulas baseadas na tradição transmissiva. Além disso, o trabalho foi desenvolvido de forma coletiva e com bom desempenho também individual.

A segunda e principal hipótese é de que o ensino de Literatura por meio de projetos mostrou-se eficaz e contribuiu de forma significativa para a aprendizagem, visto que as informações sobre a vida e a obra do autor em estudo foram adquiridas de forma satisfatória, resultado este obtido após atividade avaliativa de revisão de aprendizagem, mesmo um mês depois da culminância do projeto com uma exposição.

Dessa forma, a pedagogia de projetos mostrou-se um valioso recurso didático e pedagógico para o ensino da literatura nas escolas, especialmente no ensino médio, podendo, assim, ser utilizado por professores com o objetivo de promover o ensino e a aprendizagem dos estudantes.

Referências

BRASIL. MEC. Boletim da Semtec, ano I, nº 4, jun./jul. 2000.

BRASIL. MEC. SEB. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 2000.

CEREJA, Willian Roberto. Uma proposta dialógica de ensino de Literatura no Ensino Médio. São Paulo, LAEL/PUC-SP, 2004.

MELO, Cimara Valim de; BERTAGNOLLI, Silvia de Castro. Ensino de Literatura e objetos de aprendizagem: uma proposta interacionista. Tear: Revista de Educação, Ciência e Tecnologia, Canoas, v. 1, n. 1, 2012.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro.

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para uma nova profissão. Pátio. Revista pedagógica, Porto Alegre, n° 17, p. 8-12, maio/jul. 2001.

PRADO, Maria Elisabette Brisola Brito. Pedagogia de Projetos: fundamentos e implicações. Série Pedagogia de Projetos e Integração de Mídias. Programa Salto para o Futuro, set. 2003.

Publicado em 28 de janeiro de 2014

Como citar este artigo (ABNT)

GAMA, Marcelo dos Santos; BRASILEIRO, Cristiane. Metodologia de ensino da Literatura - Pedagogia de Projetos para Ensino de Literatura: um estudo de caso. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 14, nº 4, 28 de janeiro de 2014. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/14/4/metodologia-de-ensino-da-literatura-pedagogia-de-projetos-para-ensino-de-literatura-um-estudo-de-caso

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.