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Metodologia de ensino da Literatura - Teoria & prática: análise do impacto de uma especialização profissionalizante sobre o ensino de Literatura

Selma Monteiro Coimbra

Graduada em Letras e professora da Secretaria de Estado da Educação do Rio de Janeiro

Cristiane Brasileiro

Doutora em Letras pela PUC-Rio, coordenadora geral da área de Linguagens & Códigos da Fundação Cecierj; orientadora dos TFC da área de Metodologia do Ensino de Literatura da Especialização em Ensino de Leitura e Produção Textual

Introdução

Foto autores

A necessidade de intensificar a capacitação e a formação do professor de Língua Portuguesa da rede estadual do RJ impulsionou a criação do curso de Especialização em Ensino de Leitura e Produção Textual, que foi oferecido na modalidade EAD. O presente artigo visa exatamente relatar a experiência dos professores capacitados e dos seus respectivos alunos, respondendo à seguinte indagação: quais foram as contribuições mais notáveis do curso, no sentido de geração de alteração nas práticas de ensino de literatura que já eram utilizadas? Com uma metodologia focada na coleta e análise dos documentos produzidos para e pelo curso, com ênfase na análise das contribuições dos textos-base, buscamos registrar os pontos de impacto mais direto do curso sobre as práticas de ensino da leitura literária: articulação do ensino da literatura com uma abordagem ligada ao estudo dos gêneros textuais; atualização e expansão do corpus literário de análise; refinamento dos recursos para abordagem e condução de atividades criativas ligadas às leituras realizadas.

O curso de Especialização em Ensino de Leitura e Produção Textual teve seu início em 2011. Com uma fase inicial de 180h de Aperfeiçoamento, surgiu da necessidade de intensificar a capacitação e formação do professor, para o uso do Currículo Mínimo no cotidiano da sala de aula, através de diferentes ações, que buscassem, cada vez mais, a autonomia autoral.

Neste curso contamos com recursos da tecnologia da informação e comunicação, encontros presenciais mensais, participações em fóruns de trocas pedagógicas, material didático com textos teóricos, orientações pedagógicas, roteiros de atividades, enfim, um conjunto de elementos que possibilitaram momentos de informação, reflexão, discussão e trocas favorecendo o aprimoramento profissional.

Almejava-se que o processo se traduzisse, de fato, em uma mudança nos procedimentos de ensino e aprendizagem na sala de aula, ou seja, desejava-se que a formação continuada e, por sua extensão, a especialização, pudessem, ao mesmo tempo, contribuir para elevar o nível de conhecimento da área específica e da prática pedagógica.

Neste campo promissor, o curso apresentou uma metodologia centrada numa articulação intensa entre teoria e prática, o que a meu ver é um diferencial, pois muitos cursos de formação continuada e de pós-graduação apresentam lacunas imensas entre o que se estuda como acadêmico e o que se pratica em sala de aula como docente no ensino básico.

O presente artigo visa demonstrar a experiência com alunos do segundo ano do ensino médio e de outros colegas de curso, através da análise e da reflexão a respeito das mudanças ocorridas na prática docente em função do curso em questão, especificamente quanto ao ensino e aprendizagem da literatura, respondendo às seguintes perguntas centrais: Quais foram as contribuições mais notáveis do curso em questão, no sentido de geração de alterações nas práticas de ensino de Literatura que já eram usadas?

Em relação à leitura de literatura na turma do ensino médio, dois quadros se apresentavam há anos, diante dos meus olhos de professora: de um lado os alunos se mostravam desinteressados, diziam não gostar de Literatura e nem de ler, de um outro lado, a prática abordada era a tradicional de ensino, ou seja, habilidades mecânicas de decodificação da escrita sem reflexão nem diálogo com o texto. O texto literário, assim, com frequência era tomado como simples pretexto para atividades metalinguísticas ou de avaliações.

Com a implementação do Currículo Mínimo, os professores ficaram perdidos, pois não encontrávamos nos livros didáticos as habilidades que o currículo exigia. Assim, surgiu o curso de formação, que teve como primeira disciplina Gêneros Discursivos, seguida de Fundamentos Cognitivos e Socioculturais da Leitura e da Produção Textual e Enunciação, Discurso e Interação. Todos esses conteúdos e as trocas de idéias que foram promovidas nas discussões virtuais do curso foram imprescindíveis para melhorar a minha prática e a de outros professores, pois nos ajudaram a trabalhar as habilidades do Currículo Mínimo presentes no texto de forma dinâmica e criativa.

Assim, este artigo tem como objetivo realizar um levantamento das contribuições da especialização que possam ser consideradas mais relevantes para o ensino da Literatura, basicamente através de um cruzamento entre o material didático oferecido e alguns dados mais sistemáticos sobre a recepção do mesmo.

Ao término do curso de formação, estudamos as disciplinas de Linguística Textual e Metodologia do Ensino da Literatura, ponto nevrálgico deste artigo.

Na disciplina de Metodologia do Ensino da Literatura, estudamos a teoria da literatura relacionada aos cânones literários, ponto central que nos faz entender e refletir em como surgiu o ensino da literatura tradicional e o que ela tem a ver com a nossa prática em sala de aula. A partir deste ponto de leitura, reflexão, discussão e trocas de ideias e práticas com colegas nos fóruns, mudei a minha prática aplicando nas aulas de literatura aquilo que aprendia no curso e, com isso fui obtendo sucesso.

Para a realização desse artigo, ainda, fizemos um estudo de caso através da análise dos textos didáticos recebidos no curso e de algumas das principais atividades interativas que foram propostas ao longo das disciplinas focadas. Assim, esta pesquisa se concentrou, nesse sentido, na coleta e análise de dados documentais, que depois receberam um tratamento eminentemente qualitativo.

Assim, realizamos uma análise dos quatro últimos textos-base da disciplina de Gêneros Discursivos, conforme a ordem estudada no curso, relatando de que trata o texto e o que foi relevante para a prática em sala: texto-base 5 - Modos e gêneros do domínio literário; texto-base 6 - O modo narrativo e seus gêneros; texto-base 7: O modo dramático e seus gêneros e texto-base 8: O modo lírico e seus gêneros.

Em outra etapa, refletiremos sobre os textos da disciplina de Metodologia do Ensino da Literatura assim identificados: 1: O Cânone Literário e o Ensino da Literatura e a atividade utilizada em sala. Texto base 2: Primeiras manifestações literárias no Brasil; texto-base 3: Manifestações Literárias no Brasil do séc.XVII: o caso Gregório de Matos; texto-base 4: Arcadismo, texto-base 5: O teatro no Romantismo; texto-base 06: Contribuições da Teoria Literária para o Ensino/ Aprendizagem da Literatura; texto-base 07: Literatura e Contemporaneidade; texto-base 08: Literatura de Cordel. Por fim, através das reflexões dos textos-base, práticas articuladoras e alguns teóricos como: Bakhtin, Cosson, Lajolo, Kleiman, Freire, Bordini e Aguiar, Candido, Zilberman, citadospara corroborar com a prática e o pensamento utilizados, apresentaremos os resultados obtidos com a aplicação dos mesmos em sala de aula.

Tal artigo se justifica pela sua abordagem original e atual, e ainda pelo grau de concretude do objeto pesquisado. Busca-se, neste movimento, dirimir as lacunas bibliográficas existentes na área de Metodologia do Ensino de Literatura e, ainda, contribuir com a comunidade acadêmica não só no que se refere ao impacto de programas de formação continuada pra área específica de ensino e Literatura, mas também na importância de uma investigação desse tipo para elaborar mais detidamente as qualidades e também as eventuais limitações de um curso que envolveu, inicialmente, 2000 professores da rede estadual em efetivo exercício docente no Ensino Básico.

Para um público mais amplo, esta pesquisa justifica-se, ainda, em virtude do investimento, do grau de mobilização docente e do impacto indireto do curso analisado sobre os alunos da rede estadual que são o público indireto da especialização em questão, como alunos que são dos próprios alunos do curso.

Especificidade do domínio literário: modos e gêneros

Estudando o texto-base cinco, voltamos aos bancos escolares da graduação e relembramos as discussões recorrentes de teóricos como Derrida, Jolles, Bakhtin, Todorov e muitos outros acerca do pensamento da existência ou não, na obra literária, de gêneros puros.

Isso nos lembra de que, no Renascimento, os gêneros literários eram tidos como estruturas fixas, com regras preexistentes, estagnados e puros, mas que com o advento do Romantismo, este pensamento e conceito são gradualmente abandonados, dando lugar ao entendimento de gêneros “mistos”. Entretanto, as propostas mais contemporâneas na área da teoria da literatura nos advertem a respeito da distinção entre gêneros literários (categorias históricas do texto literário) e modos literários (formas naturais da literatura), o que muitos têm confundido.

Estudamos que na modernidade a teoria do gênero literário não é normativa, mas descritiva, ou seja, seguimos por um caminho distinto das poéticas clássicas, pois aos poetas clássicos eram impostas regras para a criação textual e determinavam-se quais espécies literárias deveriam ser privilegiadas. Já atualmente, é consagrado o método misto em que numa mesma instância literária são combinados diferentes tipos de discursos.

Discurso é sinônimo de linguagem, esta usada como instrumento de conexão entre os diferentes textos que se apresentam para a sociedade dá origem ao gênero literário.

Para Bakhtin a linguagem é um lugar de interação comunicativa entre interlocutores e relaciona os gêneros literários entre os gêneros secundários, por serem constituídos a partir do diálogo com outros gêneros que já são do reconhecimento do leitor. Seus estudos se voltam para recepção da obra pelo leitor, de como ele capta a realidade da obra literária. Por isso, de acordo com a literatura, com os valores sociais e culturais, os gêneros sofreriam mudanças.

Com Andre Jolles estudamos as formas simples, onde os gêneros produzidos seriam feitos por pessoas e autores não identificados vindos das classes mais populares da história, podendo a partir do reconhecimento da sociedade, transformar-se em gêneros secundários.

Um autor decisivo para o entendimento dos gêneros e com poder de síntese muito grande foi Tzvetan Todorov. Propôs um quadro simplificado dos gêneros organizadores da variedade literária (épicos, líricos e dramáticos) divididos entre verso e prosa, apresentação e representação conforme o quadro abaixo:

VERSO PROSA
APRESENTAÇÃO Poesia Poema em prosa
REPRESENTAÇÃO Epopeia Ficção (romance, conto etc.)

Esse quadro fez diferença no modo de iniciar a abordagem do romance com meus alunos, pois nunca havia trabalhado a partir dessa visão. Sempre iniciei minhas aulas de literatura pela história e depois partia para as características do texto. Assim, coloquei essa explicação no quadro e discutimos. Os alunos compreenderam mais facilmente que o romance moderno é um gênero narrativo que surgiu a partiu da epopeia clássica por estar no mundo da representação, da ficção e que a poesia encontra-se no mundo da apresentação, pois não está representando um mundo que já existe e nem a partir dela conseguimos fazer associações.

No que tange ao ensino dos modos literários o texto-base também foi muito útil mostrando as especificidades dos mesmos, para que ao ensinarmos possamos discuti-las através dos textos com os alunos, levando-os a perceber não só as suas peculiaridades, mas também os discursos presentes em seu interior.

Estas reflexões, discussões e explicações sobre modos e gêneros literários junto aos alunos ajudaram-me a repensar as minhas metodologias a respeito do ensino de literatura, pois como já afirmado anteriormente, as aulas não passavam de dados mais importantes da história da época, de estudos da vida dos autores e também das características dos estilos literários, pois seguia “cegamente” ao livro didático. Era um ensino “mecanizado” voltado apenas para avaliação. Na verdade sem saber eu estava afastando os alunos do prazer e da experiência da leitura do texto literário. Nesse sentido corroboro com Cosson (2007:113) que afirma que a apresentação da “literatura deve ser como uma experiência e não como conteúdo a ser avaliado”.

Gêneros literários narrativos em verso e prosa: epopeias, lendas e fábulas

Ao tratar da epopeia, o texto-base 6 nos mostra um gênero que apresenta uma narrativa mista, com diálogos e narração conjuntas, como o romance. É uma narrativa de caráter universal feita por grandes heróis. Para os professores este texto é muito interessante no sentido de contribuição para o ensino das obras canônicas como Os Lusíadas, A Ilíada, a Odisseia, a Eneida. Especialmente para professores que lecionam para o primeiro ano do ensino médio. Mostra de forma detalhada sua estrutura, temáticas, características, os elementos da narrativa, além de sua finalidade. Apresenta Os Lusíadas, já no Renascimento, tendo um caráter universal, marcado pela representação de um mundo maravilhoso cheio de heróis e deuses (como os contos de fadas). O texto-base analisa-o pormenorizadamente em sua estrutura, finalidade e objetivo, mostrando que a epopeia aproxima-se da outras narrativas de qualquer lugar e em qualquer tempo, portanto, são atemporais podemos ensiná-la em comparação com outras obras a fim de despertar o interesse dos alunos pelas aulas. Dessa forma Cosson (2006:35) sugere ao docente alguns critérios para selecionar os textos que vai trabalhar dentre eles: os textos consagrados não podem ser abandonados, pois faz parte da herança cultural humanidade; tomar os textos não pela sua modernidade, mas pela atualidade deles; e trazer para a sala de aula diversos textos, desde o mais fácil ao mais complicado, para que o interesse do aluno a aula seja mantido.

Há uma apresentação das epopeias no Brasil Caramuru, O Uruguai, Vila Rica e Toda a América, esta, particularmente não conhecia, com elementos da estética moderna: ruptura formal e temática, importante para fazer um paralelo entre a epopeia clássica e a moderna.

A segunda parte do texto-base trata dos gêneros narrativos em prosa, como o conto, a lenda, e a fábula. Como esse estudo, percebi que as fábulas, como a epopéia, partiram da oralidade e da tradição popular para a escrita, e têm relação com o imaginário popular, podendo ser reelaboradas e reinventadas de acordo com os elementos manifestados em cada cultura. Os gêneros orais, assim, são os primórdios de qualquer literatura escrita, daí a importância de ensiná-los. A importância do texto-base, nesse sentido, está ainda na análise minuciosa das características dos gêneros narrativos. Afinal, o texto em questão ajudou os professores a identificar e esclarecer os pontos obscuros, definir melhor conceitos (em relação à epopéia, principalmente), e também deu sugestões para o trabalho com o gênero.

Em relação ao conto ou à narrativa contemporânea, o texto nos adverte que é difícil a escolha, por parte dos docentes, de um que apresente as questões da vida de uma maneira mais branda e com uma linguagem diferente das apresentadas no século passado. Entretanto, penso que só no conto podemos discutir determinados assuntos da vida; sendo ela mesma às vezes muito cruel, e com o pacto da verossimilhança existente no conto, como usar uma linguagem menos coloquial ou menos “cruel da existência?”, utilizando as palavras do texto-base.

Esse texto-base, portanto, acrescido das propostas de atividades e discussões, foi muito relevante para a nossa prática pedagógica, especialmente no sentido de estudar as epopeias, nos ajudando a identificar e diferenciar melhor os gêneros narrativos. Pois normalmente apenas ensinamos as características das fábulas, lendas, contos, mas não epopeias e nem as suas especificidades. Aprendemos, ainda, a mostrar ao aluno como identificar a característica específica, a estrutura, a inspiração de quem escreveu a epopeia. E não só conhecê-la, mas encontrá-la no texto, que, a meu ver, é a parte na qual o discente, e talvez o docente, encontre mais dificuldades. Afinal, fixar as características dos gêneros é fácil, porém identificá-las concretamente num texto a partir de uma discussão e da mediação junto à turma, é a parte que realmente tende a nos desafiar.

O modo dramático e seus gêneros: tragédia, comédia, auto, tragicomédia, farsa

O texto-base 7 foi importantíssimo para o trabalho com o gênero do modo dramático, ou seja, o teatro na sala de aula. Uma observação importante foi é a questão do tempo da representação que diz respeito ao ano ou época em que ocorre a ação. Isso nos adverte que para compreendermos os gêneros do modo dramático, devemos levar em consideração o tempo da escrita da peça e o fato de que a obra é um texto escrito fixo para ser, antes de tudo, interpretado.

Trabalhar com o modo dramático em sala de aula permite que o aluno se veja e se perceba no mundo, perceba o outro e a sua relação com esse outro; é a imitação do personagem agindo por eles próprios. Através da encenação, dos diálogos, há um aprendizado de valores e de bom relacionamento com os outros alunos. Quando o aluno representa uma peça ele aprende a improvisar, desenvolve a oralidade, a expressão corporal, através da ênfase nos diálogos ele aprende a fazer a impostação da voz, melhora o vocabulário, desenvolve a leitura e a escrita, trabalha os sentimentos, desenvolve a reflexão, etc. Digo isto, porque trabalhei com a proposta de leitura feita por esta especialização da comédia A torre em concurso, de Joaquim Manuel de Macedo. A princípio estudamos a proposta de leitura para entendermos melhor como interpretá-la, pois o texto nos esclarece como fazê-lo. Começamos apresentando somente para a nossa turma, mas os alunos empolgaram-se tanto que o grupo apresentou-se para outras turmas. Percebi que na maioria dos discentes do grupo houve mudanças no aprendizado, nas relações interpessoais, na apreensão de novos conhecimentos. Eles interagiram relacionando-se com o texto.

Analisando o entusiasmo e a participação dos alunos, percebemos que apesar de ser considerado um gênero menor por Aristóteles, nos dias atuais a comédia tem levado muitos ao teatro. Os alunos gostam muito de trabalhar com este gênero, porque trata de assuntos atuais, na vida cotidiana de gente comum. Proporciona uma análise dos comportamentos humanos e dos costumes num determinado contexto social, tratando da transgressão de certas normas de conduta, ou de qualquer outro assunto, sempre ligados ao ambiente cômico e numa linguagem próxima da linguagem deles. Isso torna o trabalho mais fácil, aproximando os alunos da sua leitura e representação. Na interação entre os personagens da peça para o desencadeamento da tensão dramática e do riso há uma relação interpessoal em desenvolvimento.

Percebemos nas falas que muitos alunos identificam-se com situações encenadas que apresentam comportamentos humanos e costumes em determinados contextos sociais, especialmente relacionados à sua vivencia. Através das comédias ou até mesmo de tragédias, eles conseguem entender e refletir de maneira mais clara sobre problemas que envolvem a sociedade, pois os textos apesar de serem escritos em uma época diferente, continuam com temas atuais. Basta observar o sucesso das novelas entre os jovens atualmente.

Percebemos que no processo de estruturação da dramatização os discentes passam a observar detalhes marcados por falas e detalhes não ditos, mas interpretados nas cenas e que através da representação, eles demonstram o que realmente entenderam e sentiram ao ler um determinado texto, desenvolvendo a consciência crítica e construindo o conhecimento de maneira autônoma e eficaz. Desenvolvendo a oralidade e a expressão corporal, além disso, alguns alunos que apresentaram erros de pronúncia e de concordância foram sendo corrigidos de forma mais natural e prática, sendo mais bem apreendidos por eles do que em forma de exercícios escritos tradicionais. O trabalho com os gêneros do modo dramático permite, além de outras coisas, o envolvimento dos alunos com os textos literários, já que para encenarem, terão que manter um contato mais íntimo, digamos assim, com a obra literária, realizando um resgate da linguagem, por exemplo, através do uso das expressões e palavras que estão apenas nos livros ou na memória dos mais velhos e por isso instigam à pesquisa e, consequentemente, favorecem a aprendizagem de modo geral.

De forma geral, podemos ainda dizer que a comédia (por seu riso, ironia e abordagem de temas do cotidiano propiciou maior interação) facilitou múltiplas abordagens didático-pedagógicas e uma análise dos aspectos linguísticos, semânticos e sintáticos (como, por exemplo, o discurso direto, as figuras de linguagem, a oralidade, o vocabulário, dentre outros). No geral no entanto, podemos dizer que o gênero comédia, assim como, a tragédia, o auto e outros gêneros do modo dramático, expressam a interação social e política e, por isso, deve ser ensinada e compreendida de um enfoque histórico, sociológico, global e interativo, o que leva a uma relação positiva e construtiva entre o grupo, na qual a confiança, o afeto e o respeito mútuo constituam seus elementos principais. Já o auto apresentaria pontos propícios por abrir a possibilidade de trabalhos com conteúdos moralizantes que poderiam abordar temas como: gravidez na adolescência, o uso de preservativo e a posição das religiões em relação ao tema.

Encontramos, porém, algumas dificuldades no trabalho com o modo dramático em sala de aula: quanto à extensão, a timidez de alguns alunos, o vocabulário difícil, a adaptação, poucos recursos oferecidos pela escola e a falta de tempo hábil para a produção. Como sugestão, trabalhamos algumas vezes a esquete, que por falta de tempo preferimos utilizar no lugar de peças de maior extensão e que tomam muito tempo.

O modo lírico e seus gêneros: soneto, canção, ode, elegia

O estudo das características do modo lírico que faz parte do texto-base 8 foi importante em primeiro para fazer-nos refletir sobre o modo lírico e o modo narrativo, pois o “eu” lírico é um processo singular de sensações, emoções e pensamentos e o “eu” narrativo da epopeia representa um “nós”. Os gêneros do modo lírico eram falados ou cantados como a epopeia narrativa. As palavras apresentam carga lírica, não possuindo um sentido só e muitas vezes podem mudar conforme aparecem na frase ou no verso.

Em segundo lugar no auxílio à prática pedagógica, porque nos ajudou a perceber as nuances de um texto lírico. A esse respeito fizemos uma tarefa na qual teríamos que selecionar um poema reproduzindo-o a partir das propostas de leituras feitas pela especialização. Apontar duas características gerais do modo lírico e encontrá-las no texto escolhido e comparar o poema a qualquer um dos textos apresentados no curso considerando sua temática ou sua estrutura formal. Para esse trabalho escolhemos o gênero lírico canção, de Zeca Baleiro, Flor da pele, e partindo desta tarefa fomos identificando as características do modo lírico como: palavras com múltiplos sentidos; figuras de linguagem – aliterações, assonâncias ou ecos de sentido na composição do texto; a subjetividade do sujeito lírico, etc. Escolhemos também o soneto Acrobata da dor, de Cruz e Souza – percebemos que o soneto faz uso da palavra para expor tensões que revelam os limites do humano. Há metáforas, O soneto Acrobata da dor expõe uma manifestação dos sentimentos do eu poético. O eu lírico, incompreensão responsável pelo aparecimento da melancolia, do sofrimento e da dor do existir. No caso do poema, o eu lírico deixa claro que o acrobata é consciente das limitações e fragilidades do corpo. Pode-se afirmar que ocorre tanto em Acrobata da dor quanto em Flor da pele uma autorreflexão sentimental. Algumas formas nominais são tomadas como adjetivos, os sons nasais são recorrentes, assim como outros sons vocálicos, também fechados por natureza articulatória que imprimem ao texto sensações de melancolia, isolamento e distanciamento. Percebemos, portanto, na prática a relação entre o modo lírico e a sonoridade das palavras e a importância de fazermos esta atividade como uma leitura comparada, o antigo e o atual juntos. Esta aula deu-nos subsidio para sermos mediadores na aprendizagem do modo lírico e de o fazermos comparando textos clássicos e contemporâneos com os alunos.

O cânone literário e o ensino de literatura

O texto em análise é o primeiro da disciplina de Metodologia do Ensino de Literatura e tem seu início confirmando o que já havíamos referido anteriormente: o caráter atemporal dos textos literários. E nos afirma que na Antiguidade o cânone tinha como princípios a correção gramatical, na Idade Média eram os valores morais e o cânone moderno, por apresentar discrepâncias nas escolhas das obras, preparou o trajeto da literatura.

Interessante conhecer a história dos critérios para a escolha dos cânones, que nunca havia estudado, nem na graduação. O primeiro critério foi a “técnica”, o segundo a “concisão”, o terceiro a “exatidão”, e por último a “visualidade” e a “sonoridade”. Na escolha dos clássicos para leitura Calvino afirma que o leitor deve ter a liberdade de ler e reler o que quiser, para construir sua própria história de leitura e ajudá-lo nesta tarefa é função do professor.

Dessa forma, cabe ao docente criar maneiras de mostrar aos discentes a diversidade de textos literários que existem e auxiliá-los no reconhecimento das especificidades da linguagem e das diversas formas de interpretação presente no texto. O professor torna-se um mediador da aprendizagem quando propõe uma "educação para a literatura", despertando o aluno para a compreensão do texto enquanto multiplicidade de significados dentro das esferas cultural, ideológica, social, histórica e política (Lajolo, apud AMARAL, 1986, p. 5).

O professor deve conhecer e selecionar os textos de acordo com as características literárias as quais irá desvendar com o aluno, coerentemente levando em consideração o que ele já leu. Por esse motivo, não podemos trabalhar apenas com o livro didático, como eu o fazia antes desta especialização, pois se limitam a fragmentos de textos lidos sem criatividade. Escolhendo e preparando os textos para a sua aula, o docente é livre para levar o aluno a destrinchá-lo, identificar as características e assim desenvolver sua linguagem. De todo modo, o professor deve dirigir a leitura para que ao fim dela o aluno saiba como o autor construiu o texto (que forma textual escolheu); por quais palavras optou; como as organizou no texto, para isso devemos considerar as obras canônicas. Kleiman (1996, p. 24): "é durante a interação que o leitor mais inexperiente compreende o texto: não é durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre aspectos relevantes do texto".

Mas porque devemos ensinar as obras canônicas? Uma leitura é sempre uma releitura de outros textos que foram feitos anteriormente. Quando apresentamos ao aluno a canção “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, essa paródia só será entendida se eles conhecerem os cânones, ou seja, o poema original. Assim, o estudo dos cânones ajuda o aluno no reconhecimento de outras obras, contribuindo, dessa forma, para o entendimento na mudança do léxico, o que ocasionou o humor da paródia.

A linguagem literária deve ser valorizada em sala de aula, deve ser um trabalho dialógico e instigante com os alunos e estes com o texto.

Colocar os alunos em interessantes desafios, chamados conflitos cognitivos, torna-se excelente forma de despertar e manter a atenção e a percepção e, principalmente, caminho atraente para torná-los cúmplices no processo do conhecimento a ser construído! O Conflito cognitivo ou problema são intrigantes e excitantes e neles podem concretizar-se as mais belas funções do professor, entre outras, as de incomodar, desaprumar, questionar, desarrumar, romper, desalinhar, instigar para o pensar, exercitar fortemente a curiosidade (RONCA; TERZI, 1995, p. 92).

O docente deve ser capacitado para escolher as obras literárias que chamarão a atenção dos alunos e que desenvolverão as habilidades e competências exigidas não só no currículo mínimo, mas na vida do aluno. Assim, “as obras literárias convidam-nos à liberdade de interpretação porque nos propõem um discurso a partir dos inúmeros planos de leitura e nos colocam perante as ambiguidades da linguagem e da vida de uma forma única e mágica” (ECO, 2003, p. 9-23).

A função do professor é formar leitores competentes, nesse sentido, múltiplas e diversificadas estratégias devem ser planejadas para que o objetivo seja alcançado, pois sozinho ele não conseguirá a competência almejada. Para que a aprendizagem seja significativa é preciso construir passo a passo mostrando os recursos de expressão usados pelos autores nos modos e gêneros propostos. Nesse sentido, ALVES (2006, p. 14) propõe que o ensino de literatura deve ser significativo, enfocando, nessa perspectiva, o texto literário como eixo do estudo. A partir da leitura dos textos e após ler diversos gêneros, o professor pode “ir formulando com eles os conceitos” e ir introduzindo informações mais teóricas.

A respeito de sugestões de elaboração de atividades que possam despertar o interesse dos alunos pelos clássicos da literatura, houve, no curso de especialização, uma tarefa para esse fim. Tínhamos que indicar uma atividade e fazer a réplica da atividade do colega complementando-a.

A troca de propostas no fórum foi importantíssima, aprendemos nos textos teóricos e praticamos aquilo que estudamos para ver se nós entendemos as teorias, porque normalmente lemos muitos teóricos, mas não colocamos em prática. Nesta capacitação, as avaliações nos incitam sistematicamente a testar, na prática, as teorias apresentadas., e a alimentar a discussão teórica com os problemas, desafios e sucessos observados na prática da nosso sala de aula e na dos nossos colegas.

Nesse sentido, ficou claro que a seleção dos clássicos e a escolha que os alunos fazem são muito importantes para o sucesso da proposta de trabalho com o texto literário. As etapas a seguir neste processo são: a seleção dos textos e como explorá-los quanto ao estilo, o contexto sócio histórico, o tema, a composição estrutural, conformados num espaço de sincronia em épocas diferentes e que possibilitam aproximações e comparações.

Assim, após a leitura do texto-base sobre a importância do cânone literário para o ensino da literatura, fizemos uma atividade em que procuramos construir a aprendizagem junto com os alunos comparando o antigo com o contemporâneo. Deu muito certo, pois eles até hoje procuram obras do cânone literário e me perguntam se existe alguma outra obra atual que possa fazer uma comparação. Para leitura dos clássicos utilizamos a obra de Jorge Amado “Capitães da Areia” em comparação ao livro da saga Harry Potter, pois podemos comparar à estrutura do texto, a figura do herói, a atemporalidade da obra na crítica às classes dominantes, a questão dos menores abandonados, vocabulário etc. A estratégia do diálogo entre o texto literário e outras obras do interesse dos alunos ganha a atenção de muitos. Ao analisar as participações no fórum observamos que os professores perceberam a importância do estudo com os “clássicos”, pois tivemos muitas estratégias interessantes para despertar as emoções do texto literário: júri simulado para discussões de temas de forma que o aluno chegue a conclusões; filmes épicos contemporâneos, mas que falem dos cânones; letras de canções, trabalhar com a intertextualidade; esquete com o livro Lucíola, utilizando a linguagem deles e refletindo sobre o Romantismo e a busca da identidade nacional; vídeos, a percepção de que a linguagem utilizada na época de acordo com a seleção de textos é de grande valia para compararmos a linguagem atual e perceber que os temas humanos são atemporais e universais. Nesse sentido, concordamos com Freire (2007, p. 137), que afirma: “E ao saber teórico desta influência teríamos que juntar o saber teórico-prático da realidade concreta em que os professores trabalham”.

Considerações finais

Embora a literatura seja patrimônio cultural de grande importância para a formação do indivíduo cidadão, crítico e reflexivo, ela tem sido negligenciada. Dessa forma, a capacitação de professores, organizando-se em inicial ou continuada, “pouco a pouco se constitui em uma área de investigação, que se propõe a oferecer soluções e problematizar o sistema educacional brasileiro” (NEGRÃO, 2008, p. 178).

Assim, percebemos o impacto que o curso de especialização em ensino de leitura e produção textual do Estado do Rio de Janeiro exerceu sobre as práticas de literatura no ensino médio. No qual ocorreram muitas mudanças em um cenário de alunos com total falta de interesse em leitura de textos literários e onde as práticas docentes, tradicionais, sempre estiveram longe da realidade dos alunos dificultando ainda mais o aprendizado.

Foram observadas mudanças significativas no ensino-aprendizagem dos alunos à medida que as aulas e as trocas de sugestões nos fóruns foram sendo aplicadas na sala. Os alunos passaram a compreender mais facilmente o modo narrativo e seus gêneros por meio de textos trabalhados e analisados juntos com eles. Através de leituras comparadas entre textos do cânone literário e contemporâneos, o que antes era muito difícil de ser aplicado, foi perfeitamente possível adaptar aos discentes estimulando-os à criatividade.

O trabalho com o modo dramático permitiu que o aluno se visse e se percebesse no mundo e também em relação ao outro. Aprenderam a improvisar, desenvolver a oralidade, a expressão corporal, a imposição de voz e ter mais vocabulário, trabalhamos a timidez de muitos deles e aproveitamos para inserir assuntos do cotidiano. De fato, a aplicação de práticas que estimulem a leitura de textos literários e produção textual pode mudar uma realidade que outrora parecia impossível. Também nos aproximamos de forma mais densa do texto lírico, expandindo o nosso repertório de leitura e abordagens para além do preconizado nos livros didáticos.

Enfim, percebemos que, a partir da especialização, as práticas de ensino de leitura literária dos professores do Estado do Rio de Janeiro estão sendo transformadas, e que através delas, esperamos que a literatura possa contribuir para a formação intelectual dos docentes e discentes – numa perspectiva que enfim supere o conteudismo, o ensino decoreba e a “educação bancária”.

Referências

BECKER, Gislaine. (Re)Pensar a Educação e o Ensino da Literatura. Revista Espaço Acadêmico,nº 105, fev. 2010. Disponível em http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9316/0. Acesso em 20 jul. 2013.

FARIAS, Alyere Silva; SOUZA, Andréa Grace Silva de; ALVES, José Hélder Pinheiro (orientador). A literatura no Ensino Médio: diálogo entre experiências. Associação de leitura no Brasil Anais 16. Universidade Federal de Campina Grande–PB. Disponível em

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Acesso em 19 jul. 2013.

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Publicado em 28 de janeiro de 2014

Como citar este artigo (ABNT)

COIMBRA, Selma Monteiro; BRASILEIRO, Cristiane. Metodologia de ensino da Literatura - Teoria & prática: análise do impacto de uma especialização profissionalizante sobre o ensino de Literatura. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 14, nº 4, 28 de janeiro de 2014. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/14/4/metodologia-de-ensino-da-literatura-teoria-pratica-analise-do-impacto-de-uma-especializacao-profissionalizante-sobre-o-ensino-de-literatura

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